Himiko Cloud é apresentado pela Memória de Peixe como um disco de canções em forma de pequenas bandas-sonoras; desde cavalos mágicos a transportarem aviões, a odes aos videojogos. Um parque de diversões no cosmos, em que as histórias se cruzam e se interligam entre si.
Poupando-vos a visita à Wikipédia: «Himiko é o nome dado a uma mancha de radiações tipo Lyman-alfa. Está situada a 12,9 bilhões de anos-luz da Terra e o estudo sobre ela foi publicado em abril de 2009 no periódico Astrophysical Journal».
Desde a abertura, com a explosiva “Supercollider”, Miguel Nicolau e Marco Franco desenvolvem em “Himiko Cloud” uma radioactividade polifónica, multifónica, superfónica, quase cacofónica. Um disco vibrante que cria um mundo nefelibata onde, independentemente da matemática mais rock (“Midnight Hero”) ou mais jazz (“Haverö’s Dream”), há peso e subtileza, extravagância e simplicidade. Começa tudo no controlo tão mecânico como intuitivo que o guitarrista faz dos seus loopers. Camada atrás de camada, estrutura atrás de estrutura, a suavidade na relação entre a destreza técnica na guitarra e bateria com a exigência matemática dos pedais é deslumbrante.
Ao longo do álbum, o guitarrista destaca-se com um picking extraordinário e um controlo de intensidades fora-de-série, mesmo.E depois o exuberante humor demonstrado em momentos como “(The Mighty Forest Of) Tragic Sans” e a demonstração, tema após tema, de uma criatividade ímpar. Porque este não é um álbum só de guitarra, Marco Franco divide o protagonismo das seis cordas com uma prestação triunfal de bateria. Capaz de padrões que tanto acompanham a fuga esquizofrénica dos loops de guitarra, como de poder rítmico a solidificar riffs tão marcantes como os que estruturam “Lazeria Maps” ou batidas simples e propulsivas tão pop como “Horsepedia” ou suaves como no lullaby que encerra o álbum, “Herbig – Haro”.
O conceito axiomático foi precisamente isso dos loops, a memória curta, adicionar camadas curtas, a memória que regista a tua música em tempo real. Nas palavras do Miguel: «O loop era uma ferramenta de aprendizagem e de estudo, uma espécie de backing track para poder praticar sozinho, na falta de pessoas que estavam na mesma onda. E à medida que vais desenvolvendo, começas a imaginar a música, mas como é só uma guitarra precisas de arranjar ali… É uma espécie de alter-ego, porque é aquilo que consigo fazer determinado por essas limitações». Todavia, isso sucede mais no primeiro álbum, porque este segundo registo já usa recursos de outras técnicas que não têm nada a ver com o conceito original. É um disco que não é muito live, é mais de composição. Ainda é respeitada a parte dos loops, mas a música já não está determinada a essa duração específica. Fui-me soltando dessa limitação, afinal à medida que queres fazer composições mais complexas, aquela ferramenta deixa de ter a mesma utilidade e comecei a cansar-me um bocadinho das coisas que fazia no primeiro disco.
Em “Electric Counterpoint”, disco de Steve Reich com Pat Metheny, Reich colocou o desafio a Metheny de o “samplar” e fazer loops. Reich escolhia as notas que o Metheny fazia e recortava-as, literalmente, até fazerem glitches, fazerem várias notas sequenciais da guitarra. Há um pouco disso neste “Himiko Cloud”, outras formas de criar loops – aliás, em “(The Mighty Forest of) Tragic Sans”, o resultado final parece um teclado, mas o processo foi o de gravar a guitarra nota a nota para ter aquele som quase glitchy de sample do hip-hop. Coisas que têm que ser manipuladas digitalmente. «Comecei-me a interessar muito por isso, o loop é um mundo tão grande, para quê limitar-me a essa questão dos sete segundos que foi apenas um mote para o projecto inicial», assume Miguel Nicolau.
No final, “Himiko Cloud”, gravado nos estúdios Sá da Bandeira, no Porto, e masterizado por Joe LaPorta, na Sterling Sound, em Nova Iorque, é um álbum cuja espera valeu cada minuto. Para figurar, para lá dos melhores do seu ano de edição, entre os melhores de sempre da música nacional, “Himiko Cloud” é eléctrico, exuberante, sublime. Matemágico!