OldBack Productions, Mods & Surf Rock

Em Vila Real, os engenheiros e surf rockers Eduardo Fonseca e Paulo Correia, criaram uma marca de construção, reparação e mods de amplificadores e circuitos de efeitos e sintetização e até de sistemas Hi-Fi. Em entrevista, são os próprios fundadores que nos revelam os conceitos da OldBack Amps/OldBack Productions.

A última (ou a mais recente) edição do Oporto Sound Shock teve lugar nos dias 30 de Novembro e 1 de Dezembro de 2019, no CCOP, na cidade Invicta. Se não sabem, o Oporto Sound Shock é um evento onde músicos e amantes de música podem obter, promover ou trocar matéria & material musical. Trata-se de uma fracção aconchegante de espaço/tempo, onde a troca de experiências musicais pode acontecer de diferentes formas. Vinil usado, instrumentos musicais usados, material vintage, hi-fi, material de estúdio, instrumentos de fabrico manual, editoras independentes, etc. No Sound Shock, a música apresenta-se sob diferentes formas de exploração.

No seu texto de apresentação, a produção do Sound Shock, dizia-nos: «No final, leva-se sempre algo potencialmente inspirador para casa». E podemos atestar que foi assim que nos sentimos por lá – na altura integrando uma equipa de reportagem para a AS. Além do mercado musical, esses já longínquos dois dias foram preenchidos por vários workshops: Instrumental Surf Music – Catch The Wave; Control The Voltage; Lixo Com Ritmo e Amplificação a Válvulas; “Woodshock” e o “Music Declares Emergency”. Não assistimos a todos (envolvidos noutras actividades). Conversámos com muitos construtores nacionais, comprámos discos, bebemos uns copos e estivemos com amigos.

Entre os construtores, conversámos com Eduardo Fonseca e Paulo Correia. Colegas também nos Los Kizombies, operam a Oldback Productions a partir de Vila Real, criando clones de amps e efeitos, amps custom e modificações a unidades de som, além de personalização hi-fi e reparações. A Oldback Productions começou no início da década passada, mais ou menos com amadorismo, devido à necessidade de resolver alguns problemas dos seus fundadores, lembra Eduardo Fonseca: «Começámos a tocar e achámos que éramos capazes de utilizar e tocar com coisas construídas por nós». Esse espírito DIY e a música foram o melhor cartão de visita para uma série de músicos que conhecia as pessoas e foram ficando fãs do equipamento, das características finais do som dos amps.

Quanto às características dos Oldback, diz Fonseca, a essência reside na tipologia dos componentes. «Há diferentes tipos de válvulas. Nomeadamente, há uma diferença muito grande entre a produção com as válvulas associadas à concepção inglesa e à concepção americana. Basicamente o que está ligado à Vox está associado ao que é inglês e o que está ligado à Fender é outra área. O resultado final é completamente diferente para quem está a ouvir, não tem tanto a ver com a qualidade. Depois, dentro do mesmo tipo de válvula existem inúmeros fabricantes. Isso já tem a ver com a qualidade. Maioritariamente, tem a ver com o tipo de som, é isso que procuro».

Na sala de exposições do CCOP, durante o Oporto Sound Shock. Eduardo Fonseca e Paulo Correia falaram-nos na filosofia da sua marca, da mente aberta que procuram manter, com o objectivo de respeitar sempre os desejos do músico, a intenção de não emular coisas que existam no mercado e a certeza de que ainda não construíram a sua Mona Lisa. Uma conversa que vale a pena recordar…

Há válvulas completamente abandonadas pelo mercado normal, que eram usadas no passado para funções específicas, para equipamentos militares, que já não são utilizadas. Era um caminho que devíamos explorar. 

Eduardo Fonseca

São mais adeptos do som britânico ou norte-americano, escolhem lados nessa disputa?
Eduardo Fonseca: Não. Aliás, olhando os dois modelos que trouxemos, um é british e o outro é americano. Aí damos liberdade a quem quer um amplificador, que escolha, e que escolha o tipo de sonoridade pretende retirar.

Paulo Correia: Implementamos muitas opções pessoais. Pedem-nos, «gostaria que o meu amplificador fizesse isto ou aquilo», e procuramos saber qual é a solução para isso, propomos e fazemos. Ou então o cliente diz que gostava que aplicássemos este ou aquele módulo concretamente e aplicamos. Também fazemos esse tipo de intervenções.

Fonseca: Somos os dois de formação técnica e electrotécnica. Uma das coisas que temos tentado conseguir é estabelecer com os músicos uma relação não puramente técnica. Ou seja, acontece com frequência um técnico dizer ao músico «isto está cinco estrelas», mas não ser aquilo que o músico quer. Essa capacidade de entender e conseguir tecnicamente evoluir para aquilo que o músico pretende é um dos factores interessantes e é difícil… Existem técnicos com muita dificuldade em compreender o que o músico quer.

Correia: Tem uma grande componente subjectiva.

Às vezes o músico (e, já agora, os jornalistas) identifica determinada característica, está a explicá-la bem, mas não está a aplicar correctamente a terminologia técnica…
Fonseca: Precisamente. Já fizemos amplificadores de teste que, para nós, estavam numa caixa feia e não estavam no ponto e alguém que os tocou disse-me «não mexas em mais nada, é mesmo assim que quero». Isso é uma coisa que tem a ver com a forma de encarar a música e para um técnico puro, uma pessoa que tem máquinas para medir e que está à espera que aquele circuito tenha um determinado funcionamento, não espera muito ouvir uma coisa diferente da norma. A máquina e as medições dizem-lhe que aquilo está bom. E, com frequência, recebemos queixas de músicos a dizerem «este gajo não conseguiu perceber aquilo que eu queria, o som que queria, dizia-me que não, que aquilo estava bem». Esta componente de técnica-arte é muito interessante, mas por vezes é desgastante porque nem o músico sabe muito bem o que quer, anda à procura, é natural. Há muitos músicos que andam à procura de uma coisa diferente. Nesta altura, isso acontece cada vez mais. As pessoas que andam à procura querem uma sonoridade diferente de tudo o resto. Para fazerem o que toda a gente já faz, não faz muito sentido…

Vocês já têm algum modelo que é a vossa Mona Lisa? Para museu?
Fonseca: Não, diria que não. Isso significava que já não tenho em carteira mais coisas que posso conseguir fazer melhor ou evoluir. Ainda há coisas onde gostava de… Por exemplo, uma coisa simples, há determinado tipo de válvulas que estão completamente abandonadas pelo mercado normal, que eram usadas no passado para funções específicas, para equipamentos militares, que já não são utilizadas. Era um caminho que devíamos explorar. Deixar sair som cá para fora e perceber se existe ali alguma coisa nova. Resumindo, ainda não temos o caminho fechado…

A verdade é que neste meio século, a tecnologia da amplificação (excluindo o digital) não mudou muito…
Fonseca: Este meio século evoluiu noutros sentidos. Por exemplo, a era de surgimento dos sintetizadores abafou por completo o que pudesse estar a acontecer. Na década de 80, eram sintetizadores, ninguém aparecia com um amplificador a tocar uma coisa e tinha sucesso. Os sintetizadores, aí, sim, tiveram uma evolução brutal e neste momento continuam a existir. Podemos pensar é se estão a acontecer tecnologicamente coisas muito inovadoras…

No início da década passada, a Orange surgiu com aquele conceito Divo – o utilizador podia comprar packs de válvulas diferentes e trocar. Aparentemente, davam muitos problemas na substituição e o utilizador acabava por ter ir ao técnico na mesma. Estas coisas parecem cativantes e depois não vingam. Porquê?
Fonseca: Percebo a lógica. Colocar na mão do utilizador a capacidade de mexer nos equipamentos, mas as válvulas são um bocadinho mais complicadas. São componentes mais delicados, algumas soluções requerem ajustes e, muito provavelmente, sem mexer efectivamente no circuito a diferença que se consegue não é… Pode ser perceptível a partir de um determinado nível de estágio do músico, mas para a generalidade das pessoas, uma simples troca de um tipo de válvula não vai ter um resultado «ok, com esta válvula tinha isto, e agora coloquei a outra e tenho uma coisa completamente diferente». Uma coisa que tem acontecido nos últimos 10 anos é que a música e os instrumentos democratizaram-se. Toda a gente com um mínimo de recursos pode ter um amplificador e uma guitarra. Ponto final. Vendem-se nos supermercados, vendem-se em todo o lado. Passámos a ter uma série de utilizadores que não são músicos, são amadores, aprendizes.

Aí, sim, entramos mais no campo dos amps digitais…
Fonseca: Sou um bocadinho suspeito porque sou muito ligado ao analógico e tenho muita dificuldade em ver este novo surgimento de amplificadores puramente digitais. Percebo que para determinadas situações são mais práticos, mas não consigo estar a ouvir e achar que aquilo é a mesma coisa que um analógico. Diria que muitas das coisas que vão aparecendo, são tecnologia, são novidade, duram algum tempo e o tempo dirá se são efectivas ou não. Na década de 80 apareceram os primeiros simuladores de amplificadores, de efeitos e, na altura, toda a gente dizia que aquilo era uma coisa! Hoje, ninguém suporta tocar uma coisa daquelas. O som final é péssimo. Mas na altura em que surgiu era uma coisa brutal! Mexias num botãozinho e tinhas um Marshall e a seguir já tinhas um Fender. Depois estás uma hora a tocar com aquilo e não consegues mais porque é muito digital.

Sendo a Oldback um conceito diferenciado, como estão a crescer? Um gajo de Lisboa já vai a Vila Real encomendar-vos isso?
Fonseca: Já temos alguns músicos da praça portuguesa a tocar com amplificadores nossos. Precisamente porque foram procurar coisas diferentes. São pessoas que têm acesso a tudo, a todo o mercado, e vieram procurar uma coisa que não tivesse um som normal. Quando dizia que tentamos usar válvulas que não estão no mercado, que são diferentes, é precisamente porque aí vamos conseguir ter uma diferenciação face ao mercado normal. Não está nos nossos objectivos replicar coisas que existem no mercado, na tentativa de as fazer melhor ou mais barato. É um caminho que não faz sentido absolutamente nenhum. Fazemos coisas diferentes e que podem ser procuradas precisamente porque são diferentes, porque têm uma sonoridade, funções e visual diferentes.

Um dos amps que pudemos ouvir no Sound Shock é a réplica de um Fender…
Dum Fender Harvard, uma coisa da década de 50, 60. Da primeira linha dos Deluxes. Tem uma válvula de entrada e foi praticamente abandonado das características que tem. O nosso tem uma válvula 12AX7, mas antes tem uma 6AT6 que é uma válvula, inclusivamente, com um socket diferente, mais difícil de encontrar. Tem um gain diferente das AX e dá uma característica distinta ao som. Entretanto foi abandonada pela Fender. Abandonada, entre aspas. Foi, como uma série de outros modelos, esmagada pela imposição do Deluxe e do Champ que, na altura, cilindraram tudo o resto.

Correia: Na época, eram mais estáveis.

Fonseca: Estes modelos foram suplantados e ficaram ali no limbo. Há um modelo da Fender, dessa altura, produzido para harmónica. Porque nos blues era necessário (e continua a ser) ter um amplificador com características específicas para uma harmónica. É uma das coisas que se percebe que foi abandonada, mas que faz sentido ir revisitar e perceber como é que isso encaixa agora com uma guitarra, em coisas que são completamente diferentes. Estamos a falar de 50 ou 60 anos atrás, quando as guitarras eram muito diferentes daquilo que temos agora. Os efeitos não tinham nada a ver com aquilo que temos actualmente também. Estamos a pegar numa coisa que foi feita no passado e misturar com coisas novas e ver o resultado final.

Vocês são puristas nos vossos circuitos, nada de loops de efeitos, etc.?
Fonseca: Não somos puristas na posição de fazer conta que não existe nada à volta do amp. Não posso dizer que estou a produzir amplificadores para tocar com guitarras só de há 50 anos, não faz sentido. Estou é a adaptar coisas à realidade actual, isso é que faz sentido. Não estamos muito disponíveis para chacinar o analógico, ou seja, para fazer coisas que vão distorcer por completo aquilo que pretendemos, que é manter as características e adaptá-las à realidade actual.

Visitem e contactem a página oficial da OldBack Productions. A foto do cabeçalho mostra um clone Tiny Terror. Este artigo foi originalmente publicado pelo autor na versão impressa da Arte Sonora #63 (se desejam uma cópia da revista, contactem para o email: romainversaprint@gmail.com)

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