Os comandados de Mikael Åkerfeldt encerraram a digressão europeia Opeth by Request “Evolution XXX” em Lisboa. Durante duas horas e meia, numa sala à beira de esgotar, os suecos mostraram porque são uma das mais excepcionais bandas das últimas três décadas, recorrendo a predicados cada vez mais descartados por editoras e ouvintes do mainstream, como a conceptualidade das composições e a proficiência instrumental, tal como os seus heróis Voivod.
Uma horas antes da subida ao palco dos headliners, foi desapontante ver que a maioria do público que iria encher a Sala Tejo para ver os suecos, simplesmente se borrifou para os Voivod. Uma banda absolutamente singular e dona de mestria técnica equiparável à dos Opeth. O guitarrista Daniel Mongrain (ou Chewy) foi exuberante, oferecendo um vendaval de shred a quem se dignou a chegar mais cedo ao concerto. Com 15 álbuns de estúdio na carreira, escolher um alinhamento de apenas oito músicas deve ter sido uma tarefa dolorosa.
“Experiment”, “The Unknown Knows” e as recentes “Synchro Anarchy” e “Holographic Thinking” foram apresentadas com um som algo pífio. A articulação instrumental estava definida na mistura, mas não emanava qualquer chug. O corpo sónico começou a ser redimensionado em “The Prow” e, com a sala a encher progressivamente, os canadianos foram ganhando mais confiança e groove na execução dos temas. Quando regressaram ao álbum lançado este ano, com “Planet Eaters”, a plateia começou a focar a sua atenção nas estruturas sincopadas e progressivas do thrash metal dos Voivod e, depois de “Fix My Heart”, a tradicional cover de “Astronomy Domine”, über clássico dos Pink Floyd, deixou todos os presentes rendidos ao seu carisma. Então, muitos queixavam-se da fila que enfrentaram para entrar…
A digressão Opeth by Request “Evolution XXX” veio celebrar trinta anos de carreira de uma das bandas mais aplaudidas e influentes dos últimos anos no espectro da música pesada, com os músicos liderados por Mikael Åkerfeldt a darem à sua legião de fãs a oportunidade de escolherem quais os temas que gostariam de ouvir nestes concertos. A votação decorreu em 2020, no seguimento do comunicado oficial:
«Ora bem, decidimos comemorar um aniversário tardio da banda», explicava Mikael Åkerfeldt. «Como vamos celebrar algo do género? Bem, vamos trabalhar. Estamos a planear alguns concertos selecionados ao redor do mundo em 2021, em que, basicamente, vocês vão poder escolher coletivamente as músicas para o alinhamento. Já que comemoramos trinta anos, gostaríamos de tocar uma música de cada um dos álbuns que fizemos. De todos os treze. Se puderem ajudar-nos, escolham uma canção por álbum da lista e nós tocaremos as que tiverem mais votos. Isto já foi feito antes, mas não por nós. Estou relutante e nervoso, mas também animado para ver que temas escolherão. Não posso acreditar que já existimos há trinta anos, mas a verdade é que aqui estamos. Ajudem-nos, por favor. E sejam gentis. O alinhamento final terá treze temas. Um de cada álbum. Vocês escolhem…»
Podemos especular sobre a veracidade da votação da setlist, o quanto imperou a vontade dos fãs e o quanto a banda a adulterou mas, de qualquer forma, ninguém com a sanidade intacta se poderá queixar de ter tido a possibilidade de ouvir um tema de cada um dos discos da riquíssima discografia da banda. Há, certamente, fases que agradam de forma diferente a diferentes indivíduos. Neste caso a nossa predilecção situa-se entre o álbum de estreia, “Orchid” (1995), presente através de “Under The Weeping Moon”, e o sumptuoso “Blackwater Park” (2001), que foi visitado com os mid-tempos da semi-acústica “Harvest”. E por falar em sumptuoso, é quase desnecessário referir o altíssimo nível de execução técnica na prestação de cada um dos músicos. A banda tocou cada um dos temas com um dinamismo natural, sem esforço e com enorme coesão. Ainda assim, até pelo período que apontamos como favorito, pareceu-nos sempre que Waltteri Väyrynen soou algo estéril na comparação com o explosivo legado de Martin Axenrot e, principalmente, de Martin Lopez. Enfim, opiniões e subjectividade. Afinal, em momento algum o novo baterista comprometeu o concerto.
Dizer ainda que não deixou de ser surpreendente, devido ao passar dos anos, sentir a força juvenil dos vocalizos death metal de Mikael Åkerfeldt, exigidos logo em “Demon Of The Fall”. Também não deixou deixou de causar espanto perceber, mal começou o concerto, em “Ghost Of Perdition” o enorme coro da plateia nas melodias vocais. Embora isso seja apenas mais uma prova de que os Opeth são uma das maiores bandas de sempre a emergir dos espectros mais pesados da música. Mesmo que tenham, progressivamente, criando uma distância estética com as suas origens sonoras, para explorar maior fusão na sua música e até um sentido retro do rock progressivo, principalmente a partir de “Heritage” (2011), que ofereceu “The Devil’s Orchard” ao alinhamento (embora já perto do final). Todavia, é a esse carácter da sua música que chegamos com “Eternal Rains Will Come”. Uma composição quase como um bucólico pastoral, de fusão jazz, que vai progredindo para o psicadelismo das décadas de 60, com o músculo do hard rock clássico dos anos 70. Bom, na verdade estamos como a descrever de forma generalizada o álbum de 2014, “Pale Communion”, mas a ideia é destacar como, ao vivo, o tema criou uma atmosfera mesmerisante. A justaposição com “Under The Weeping Moon”, malhão que soou arrasador, teve um efeito magnífico. Já na visita ao passado mais distante da banda, “Black Rose Immortal” desiludiu um pouco…
Antes de tocar a canção, Åkerfeldt alertou a Sala Tejo de que os seus vinte minutos a tornavam extremamente complicada de replicar ao vivo. Foi cativante assistir à intensidade de cada um dos músicos na sua execução mas, no final, cada um dos quatro actos do tema sentiram-se algo fragmentados entre si. Ainda assim, contemplar a canção na sua totalidade continua a colocar-nos diante de um dos melhores momentos da discografia dos Opeth. “Burden” soou pálida por comparação, ainda para mais enfiada entre outro magnum opus dos suecos, “The Moor”, extraído ao magnífico “Still Life” (1999).
Gravado em 2018, nos Park Studios, em Estocolmo, “In Cauda Venenum” foi o 13º álbum dos Opeth. Originalmente, foi editado em duas versões (em sueco e em inglês). “Allting Tar Slut” (ou “AllThings Will Pass” fechou o bloco principal do concerto. No encore sentiu-se o peso vísceral de “Sorceress” e o refinado humor na homenagem aos Napalm Death e ao histórico álbum “Scum”. A terminar “Deliverance” foi um compêndio de todos os aspectos que os Opeth mostraram ao longo da noite lisboeta e desenvolveram durante três décadas.
Fomos fazer reportagem do concerto para o big media. Podem ler o artigo original na Arte Sonora. A foto de entrada é do Jorge Botas/PrimeArtists.