No ano do seu trigésimo aniversário, contamos a história de “Ten”, dos Pearl Jam. A sombra de Stevie Ray Vaughan, os rigs e a simbiose dos dois guitarristas num dos mais marcantes e melhores álbuns na história do rock e da guitarra eléctrica.
Foi a última grande manifestação do rock alternativo dos anos 80 e a primeira grande manifestação do que seria o rock popular dos anos 90: o grunge. Mais do que uma simples variação e propagação mainstream da música que se vinha realizando no Noroeste dos Estados Unidos dos Melvins aos Mudhoney. O grunge abriu as portas do mundo a uma cidade: Seattle. Na terra natal de Jimi Hendrix uma nova geração de músicos trabalhou em conjunto na criação da sua própria comunidade, o seu próprio estilo, cena e identidade. Entre os seus mais ilustres representantes estaria uma banda, os Pearl Jam. Entre os seus mais notáveis registos estaria um disco, Ten.
Quase um ano depois do desaparecimento de Andrew Wood, tragédia que ditou o fim dos Mother Love Bone, logo após o lançamento do seu primeiro e único disco de longa-duração, Apple. Stone Gossard e Jeff Ament – que já anteriormente tinham feito parte de uma das bandas consideradas precursoras do som de Seattle, os Green River – reuniram-se com o guitarrista Mike McCready (ex-Shadow) e o baterista Matt Cameron (Soundgarden) para fazerem alguns ensaios sobre composições que Stone estava na época a trabalhar. Sem qualquer tipo de condicionalismos ou objectivos o quarteto realizou um par de sessões onde reinaram a criatividade, a boa disposição e os improvisos. Dessas sessões ficou a gravação de uma cassete com 3 demos, à data, “Footsteps”, “Agytian Crave” e “Dollar Short”, tendo as últimas duas posteriormente sido renomeadas de “Once” e “Alive”. Concluída a primeira fase de um novo processo criativo, e com Matt Cameron de regresso aos Soundgarden. Stone Gossard e Jeff Ament tinham o desejo de juntar ao projecto o baterista original dos Red Hot Chilli Peppers, Jack Irons. No entanto, a vontade de ambos nunca se veio a concretizar uma vez que Jack tinha um contributo bem mais importante e determinante para dar. Na verdade, este tinha a peça-chave que faltava encaixar no novo puzzle, tinha um vocalista… Eddie Vedder.
De San Diego, California. Eddie Vedder – um surfista a princípio tímido e tranquilo – chegou a uma velha oficina de arte “perdida” algures numa cave em Seattle para juntamente com Stone Gossard, Jeff Ament, Mike McCready e o também recém-chegado baterista Dave Krusen, fazer a audição das demos que na sua voz e escrita tinham ganho contornos de verdadeiras canções. Na mala de viagens levou apenas uma peça, a música. No passado de influências levou apenas uma referência, Pete Townshend dos The Who. Ao fim de uma semana de audições, Eddie não só tinha cometido a proeza de escrever as letras para mais de uma dezena de canções, como deu corpo e alma a uma nova sonoridade que mais do que arrojada e irreverente em nada se parecia com os Mother Love Bone. Depressa esta nova “espécie” de banda – inicialmente intitulada de Mookey Blaylock – encontrava o seu líder e vocalista. Depressa chamava a atenção da Epic Records e entrava em estúdio para a realização de gravações.
Seattle, London Bridge Studios, Março de 1991. Durante duas semanas e meia de gravações, aqueles que entretanto se passaram a designar como Pearl Jam, criaram uma mistura explosiva entre as fundações do rock clássico e um desejo impetuoso de revolta e emancipação adolescentes. Com uma escola de influências a passar dos Doors, a Led Zeppelin e Neil Young, do hard rock ao punk e ao funk. Doses equilibradas de melodia, volume e ruído fundiram-se num som moderno com muito de antigo. Harmonioso, mas ao mesmo tempo agressivo e intempestivo. Letras fortes, coros penetrantes e acordes fulminantes rodaram numa correspondência sonora potente e altamente melódica. Desta troca e bem-sucedida fórmula nasceram canções como “Jeremy”, “Even Flow”, “Alive”, “Black” ou “Release”, que para além de terem o impulso e o potencial necessários para no ano seguinte ao seu lançamento fazerem de Ten uma verdadeira constelação de single hits. Tinham a sinceridade e a distinta personalidade de uma figura cada vez mais marcante e influente – uma vez mais – Eddie Vedder. Intenso, carismático e autêntico. Eddie Vedder como tantos outros rapazes da sua geração veio de uma infância e adolescência atribuladas. Na voz, mais do que o notável tom grave e encorpado de barítono, trouxe para “Ten” a reflexão e a introspecção de um pensamento e sentimento comuns. Trouxe o quotidiano de um sem número de putos mal-amados e insatisfeitos, sem hérois ou histórias de encantar. Trouxe um retrato crú e directo de si próprio, onde as palavras e as descrições mais do que íntimas e sinceras eram realistas. A realidade não só do seu exemplo, mas de todos. A realidade não de um só momento, mas de um tempo. Um tempo marcado e imortalizado por um som que se viria a revelar empolgante, emocionante e extremamente absorvente. Um som como o de “Ten”.
E dizer que “Ten” é um dos registos mais notáveis não apenas do grunge, mas de toda a história do rock. É o mesmo que dizer que o grunge é possivelmente o último grande apontamento musical da cultura pop do Século XX. Para o livro de memórias, o disco de estreia dos Pearl Jam vendeu quase 10 milhões de cópias só nos Estados Unidos, sendo 13 vezes certificado disco de platina pela Associação da Indústria de Gravação da América. A par de “Nevermind” dos Nirvana, “Ten” foi sem sombra de dúvidas um dos grandes responsáveis pela revolução e afirmação de uma geração à procura de expressão e verdade, uma geração à procura de um rumo e uma identidade. Uma identidade que hoje tem 30 anos de idade. Uma identidade que nasceu e se imortalizou numa cidade, Seattle.

O SOM DE STONE GOSSARD & MIKE MCCREADY
“Ten” é um álbum axiomático nos anos 90 e um dos melhores na história do rock. Muito por culpa da sinergia das guitarras de Stone Gossard e Mike McCready e do seu corpo sonoro que, com o decorrer dos anos, a banda passou a lamentar, usando o termo “over-rocked” para descrever a insatisfação com a mistura do álbum. Em Março de 1991, nos estúdios London Bridge, em Seattle, a banda gravou rapidamente o álbum. As sessões de pré-produção haviam sido meticulosas, incluindo umas primeiras sessões nos mesmos London Bridge, em Janeiro desse ano, de onde emergiu “Alive”. Foi também nesse período que surgiu a pungente “Jeremy”, autoria de Jeff Ament. Compositor principal do álbum, Gossard escreveu “Once”, “Even Flow”, “Alive”, “Black”, “Oceans”, “Garden” e “Deep”.
Bem preparados, foi nas sessões de Março a Maio que se consolidaram os temas e emergiu a força dinâmica entre Gossard e McCready, imortalizando as composições do primeiro através solidez rítmica, som cru e elegância clássica que servem de testemunho contra quem gosta de usar o tal chavão de que as bandas de Seattle “mataram o rock”. Gossard explorou várias afinações alternativas, como o drop-D de “Garden”, enquanto McCready trabalhava os solos e melodias, por cima dos riffs e estruturas do colega, com uma afinação normal. “Even Flow” é outro exemplo e foi explicado por McCready à Guitar School. «O Stone escreveu a canção e aquele riff. Creio que está afinado em Ré, mas eu uso um padrão normal para o seguir», o guitarrista, explicando os seus os solos, revela uma das suas maiores influências: «É a minha tentativa de imitar Stevie Ray Vaughan, um esforço débil. Tentei roubar tudo o que conheço de Stevie Ray Vaughan e colocá-lo nessa canção. É um autêntico rip-off». O mago do blues está também omnipresente em “Black”, segundo McCready:«É mais gamanço ao Stevie, quando toco aquelas pequenas flutuações. Sempre achei a canção linda. O Stone escreveu-a e deixou-me fazer o que quis».
Para desenvolverem a sua sonoridade conjunta no álbum, nas guitarras foi adoptado um cruzamento canónico. Mike McCready usou principalmente modelos Stratocaster, destacando-se a Sunburst de ’59, que tem acompanhado o guitarrista desde sempre. Durante muito tempo existiu o rumor de que a guitarra teria pertencido a Stevie Ray Vaughan e que McCready a havia comprado em leilão. Pois bem, a guitarra é uma réplica perfeita da… Stratocaster de 1960 do guitarrista dos Pearl Jam. A revelação surgiu quando Vincent Van Trigt, Master Builder da Fender Custom Shop, desmontou a guitarra para a dissecar, de modo a planear a réplica lançada este ano (mais detalhes adiante). Esta recriação contém todas as características originais do modelo de McCready. O acabamento, com todas as sovas que já levou perfeitamente replicadas, é um verniz Sunburst sobre um corpo de duas peças de alder, com o braço flat-sawn maple, com perfil 1960 Oval C, e escala em rosewood com 21 trastes. De volta a “Ten”, nesta época vê-se amiúde outra Strat de ’59 – modelo (na imagem em cima) que se vê ser arremessado no final do vídeo de “Even Flow”). Gossard usou principalmente dois modelos Les Paul Custom Goldtop, um de ’54 e outro de ’72, além da Sunburst que antecede os próprios Pearl Jam, vindo já de quando tocava nos Mother Love Bone.

Um SansAmp original e o super clássico TS-9 foram os pilares de distorção nas guitarras de Mike McCready. Não há muitas fontes a respeito dos rigs dos guitarristas nessa altura e, pelo que se pode ver em imagens de concertos, há alguma disparidade de opiniões quanto aos pedais usados por cada um. Além disso, os dois mudam constantemente o material que usam, sendo difícil traçar uma cronologia até “Ten”. Nos amps sabe-se que ambos usavam Marshall JCM800 e JMP, os modelos 2204. Além de Marshall, McCready usava um Fender Bassman, a versão combo 4×10, e Gossard modelos Fender Twin. Os dois guitarristas recorriam a uma unidade Ernie Ball Pan Pedal para os misturar, tal como Stone Gossard chegou a referir: «O pedal permite-me alternar entre o som Twin limpo e a distorção Marshall ou usar ambos em stereo. Os dois misturados, cada um a meio gás, é que dá aquele som Rolling Stones». Nenhum dos dois guitarristas recorreu a muitos efeitos nas guitarras de “Ten”. Para distorção, Mike McCready usava uma unidade SansAmp e um Ibanez TS-9 Tube Screamer. Há imagens da altura em que se vê uma unidade multi-efeitos da TC Electronic. Muito usado foi um Dunlop Rotovibe, tal como um modelo normal Dunlop Crybaby. Gossard usou um som ainda mais cru, imitando o colega no Tube Screamer e com pouco mais que um Boss Stereo Chorus.

A SOBERBA RÉPLICA DA STRAT DE MIKE MCCREADY
Foi em Janeiro que a Fender revelou o line up de instrumentos de assinatura para este ano, estreando colaborações com Ben Gibbard, Chrissie Hynde, Mike McCready, Joe Strummer, Dhani Harrison e Jason Isbell. A ’59 Strat de McCready é um sonho para fãs de instrumentos road worn. Pois bem, a guitarra é uma réplica perfeita da Stratocaster de 1960 do guitarrista dos Pearl Jam. Como se refere no artigo principal, a revelação surgiu quando Vincent Van Trigt, Master Builder da Fender Custom Shop, desmontou a guitarra para a dissecar, de modo a planear a réplica e conseguiu finalmente apurar todas as marcas de catalogação e construção. Revista a história, esta recriação Custom Shop contém todas as características originais do modelo de McCready. O acabamento, com todas as sovas que já levou perfeitamente replicadas, é um verniz Sunburst sobre um corpo de duas peças de alder, com o braço flat-sawn maple, com perfil 1960 Oval C, e escala em rosewood com 21 trastes. Na electrónica surge um conjunto de pickups bobinados artesanalmente por Josefina Campos. Estão ligados a um alternador de cinco posições e aos controlos vintage da Stratocaster, com volume, tone e treble bleed. A ponte vibrato, de sincronização vintage, conta ainda com bloqueador Callaham. De resto, a pestana é em osso e os afinadores também são vintage.
A guitarra vem acompanhada de um luxuoso estojo rígido, correia, certificado de autenticidade e o ‘McCready Case Candy Kit’. Apenas foram construídas 60 réplicas para todo o mundo. Chegaram ao mercado em Abril e se quisessem uma, em moeda europeia, teriam que rebentar 14,999 paus. Esgotaram rapidamente…

O HAMER DE 12 CORDAS
Foi ainda antes dos Pearl Jam que a Hamer construiu um modelo custom para Jeff Ament. Um peculiar baixo de 12 cordas. O instrumento tornou-se notório depois, já nos Pearl Jam, pelo seu papel em “Ten” e num dos maiores clássicos da década de 90: canção inspirada na vida do adolescente Jeremy Wade Delle, que se suicidou na escola, em frente da sua turma, no Texas. O tema escrito por Ament foi regravado nas sessões de estúdio de “Ten”, com o violoncelo no final e com o baixo Hamer de 12 cordas. Ament usaria ainda esse instrumento nos temas “Deep” e “Why Go”. Apesar de lendário, com o poder dos EMG activos e aquele enorme tamanho dos graves e densa ressonância das cordas de harmonização, o modelo nunca entrou em linha de produção, tendo sido especificamente feito para o baixista dos Pearl Jam. Há apenas algumas unidades dispersas pelo globo (não mais que 5), incluindo a de Jeff Ament. No final dos anos 90, a Hamer construiu, por encomenda, algumas réplicas, mas essas unidades eram construídas com diferenças notórias na escala – sem os inlays boomerang e com rosewood de casta diferente (menos nobre). O Hamer 12-Cordas de Jeff Ament, até pela quão raro é, tem sido alvo de imenso debate, no que respeita aos specs. Há alguma consensualidade em respeito ao modelo ser inspirado num Hamer B12A. Estes modelos surgem com o corpo em mogno e braço maple. O custom de Ament tem corpo sólido, sem abertura de ressonância (embora também tenha um perfil liso). Nos pickups surgem os EMG-DC35. A escala é em dark rosewood, com um raio de 14 ½” e 34” de comprimento. As cordas são conjuntos específicos para baixo de 12 cordas. Basicamente, as cordas de harmonização são cordas de guitarra. O princípio de afinação é o mesmo que o de um baixo de 4 cordas. Neste caso, cada corda dominante possui duas cordas de harmonização – habitualmente afinadas em oitavas.
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