Evocando a sonoridade do clássico álbum “Badmotorfinger”, Kim Thayil aponta ainda malha de Soundgarden que mais sono lhe roubou. «Recordo-me de ter passado horas, durante dias e mesmo meses, a apanhar o riff principal», confessa o guitarrista numa conversa sobre as guitarras, pedais e amps do disco.
Editado em Setembro de 1991, “Badmotorfinger” foi o terceiro álbum dos Soundgarden e o primeiro a apresentar a formação clássica: de Chris Cornell (voz e guitarra), Kim Thayil (guitarra), Matt Cameron (bateria) e Ben Shepherd (baixo). Com quatro músicos compositores, a capacidade dos Soundgarden para experimentar e explorar a sua sonoridade foi inigualável. Eram destemidos a criar malhas a partir de afinações e compassos estranhos, com uma canção em particular a servir como testemunho brilhante disso. E se alguma vez se debateram para aprender a tocá-la, poderão ficar aliviados por saber que o guitarrista Kim Thayil também o fez.
«Esta era uma canção do Chris e tem um dos arranjos mais fixes», disse recentemente Thayil à Guitar Player, sobre “Rusty Cage” – o terceiro single do opus de 1991, “Badmotorfinger”. «É uma coisa de verso/coro, verso/coro, e depois uma secção C e uma secção D a terminar. É uma coisa infernalmente marada. Lembro-me de ter passado muitas horas, dias e meses a aprender o riff principal, porque não é um riff fácil de tocar». Ainda mais impressionante é que Chris Cornell era, originalmente, o baterista/cantor da banda, antes de Matt Cameron assumir o comando, e só mais tarde foi feita a mudança para as funções de guitarra ao vivo. «Eventualmente, tornou-se fácil e pudemos tocá-la ao vivo», acrescenta Thayil. «Mas deixem-me dizer: O facto do Chris conseguir tocar o riff desta canção e cantá-la ao mesmo tempo – não sei se isso é mais uma prova das suas capacidades de tecer uma melodia em torno de um riff marado ou das suas capacidades como guitarrista. Mas era espantoso ver».
1991 estará para sempre associado à explosão de Seattle, afinal foi o ano de edição do blockbuster dos Nirvana e também do emblemático “Ten”, dos Pearl Jam. Todavia, “Badmotorfinger” é o mais pesado dos três álbuns, com Thayil a debitar riffs abrasivos e a combinar afinações alternativas e compassos compostos, além do referido “Rusty Cage”. Numa entrevista com outro titã das publicações musicais, a Guitar World, o guitarrista recorda as suas guitarras e o seu gear na construção do som do álbum, aproveitando ainda para deixar algumas dicas de composição, desafiando mesmo algumas convenções – logo desde um tópico recorrente, quando se está a dar os primeiros passos: encontrar o instrumento certo. «Não creio que este conselho seja dado a guitarristas mais jovens. Arranja algo com que te sintas bem a tocar. Não compres uma guitarra barata que seja difícil de tocar. É frustrante. Vai demorar mais tempo a aprender esses acordes. Queres algo que facilite a tua aprendizagem, seja gratificante e te encoraje a continuar».
Thayil aponta o seu próprio exemplo. «A S-100 é a guitarra que comprei aos 18 anos, no final de contas, foi a que pude comprar. Tinha começado a tocar alguns anos antes disso, tinha uns 15 anos. Por isso, nessa fase, estava a aprender novas técnicas e a melhorar gradualmente, uma vez que era autodidacta. Mas tinha que ter uma guitarra que pudesse comprar. E a Guild S-100, que comprei em ’77 ou ’78, era bastante acessível. Custou-me apenas 250 dólares, o que foi muito menos do que uma Les Paul ou Strat. Penso que os amigos me sugeriram modelas dessas e outras guitarras, mas esta parecia boa – era preta – e estava em bom estado, com grande acção. Quando lhe peguei, descobri que era fácil de tocar e que tinha um braço rápido».

Todavia, quando se compra um instrumento “que se pode comprar”, é provável que sejamos deparados com, não diremos limitações, mas peculiaridades. Thayil recorda as dessa primeira Solara. «Havia coisas na S-100 que não compreendia totalmente. Não sabia o que a distinguia realmente de uma Les Paul ou de uma Strat. Ao aprender naquela guitarra, o meu estilo desenvolveu-se com ela. Fez-me tocar de certa forma. Estranhamente, tinha um pickup muito microfónico – podia soprar nas cordas ou falar sobre ele e isso seria apanhado. Consequentemente, obtinha este estranho feedback e zumbido e, eventualmente, isso tornar-se-ia uma componente do que faria em Soundgarden. Parecia que isso era ainda mais alto por baixo da ponte. Há este bom espaço entre a ponte e a cauda onde posso bater as cordas e obter este ‘krring’. Reparei que podia fazer isso no headstock também. Gostei do facto de poder fazer estes ruídos estranhos com a minha guitarra e a minha mão adaptou-se ao braço um pouco mais fino e uma acção mais baixa. Senti-me familiar e confortável com ela. Foi assim que se tornou na minha guitarra principal».
Ainda assim, o guitarrista exorta a que mantenham a mente aberta e, para lá da zona de conforto, se procure aquilo que melhor serve a música, uma canção ou sonoridade específica. Nesse sentido, Thayil recorda os compromissos quando se deu a reunião dos Soundgarden, já em 2012. «Toquei com algumas Gibson ES-335 no ‘King Animal’, mas fui um pouco forçado a fazê-lo. A banda, a crew, o produtor… Todos queriam que tivesse outras guitarras, para diferentes vozes. E isso fazia sentido. Viajávamos com cerca de uma dúzia de guitarras por causa de todas as diferentes afinações. Tentávamos fazer isso de outra forma quando éramos jovens palermas e ingénuos. Fazíamos uma pausa entre as canções e mudávamos a afinação, o que era terrivelmente exigente para a atenção do nosso público! Com os técnicos e uma colecção maior, podem trocar-se as guitarras e está-se pronto para ir numa afinação alternativa. Usei muitas Teles na digressão “Down On The Upside”. Já não as utilizo tanto. Por causa da ponte e de como são feitas, são óptimas para afinações padrão, mas não acho tão boas para algumas afinações abertas como C ou G. As Guild mantêm-se afinadas – isso é outra grande cena. Vêm de stock com afinadores Grover, que se aguentam perfeitamente com todas as afinações estranhas que usamos».
Dar espessura às guitarras, para maior dinâmica, é algo a que o guitarristas também se refere – regressando à estética dos Soundgarden. Admite que sermpre gostou de duplicar as pistas de guitarra, seja o que for que esteja a tocar e que Chris Cornell começou a ter esse papel na banda, mas que por esse mesmo facto, é difícil discernir qual dos dois está a tocar em certas partes do álbum. Todavia, diz sem discriminar: «Havia uma série de temas em que o Chris não tocava – geralmente as canções mais rápidas ou talvez um riff que tivesse escrito e lhe fosse mais difícil tocar. Nesses casos, podia-se ouvir três ou quatro guitarras e todas elas eram eu. Gostávamos de partes mais espessas, por isso estavam ligeiramente dessincronizadas. Isso provocava um movimento fixe». A influência para essa solução não difere da maioria das bandas de rock. «Ouvi Led Zeppelin fazê-lo», acrescentando que também viu isso em algumas bandas hardcore, como os Minor Threat. «E isso fez-me pensar em não fazer as coisas perfeitamente sincronizadas e tentar conseguir dois desempenhos singulares, que são naturalmente um pouco dessincronizados. Não é o mesmo que o sweep de um efeito de delay ou de modulação, é um sweep irregular».
Kim Thayil insistia sempre em fazer estes takes dessincronizados, mas também sempre sentido o tempo certo e o próprio riff, mesmo que o guitarrista confesse predilecção por tocar atrás do beat. «O Matt [Cameron] era e é um grande baterista – sabia exactamente como guiar e acentuar o ritmo para o meu estilo de tocar. Sempre gostei de arrastar a batida. Soava um pouco mais pesado quando estava na batida e podia ser demasiado mecânico e rígido para os meus ouvidos. Os produtores gostam quando se está no ritmo – eles gostam de encorajar isso porque os faz parecer bem, como se soubessem o que estão a fazer. Também não gostam de barulho, porque é assim que representam as suas capacidades como engenheiros. Infelizmente, gosto de todos esses ruídos [risos]. Gosto de desmontar as coisas que eles querem montar. Ruído e tocar por detrás do ritmo são duas coisas que fazíamos e, provavelmente, continuarei a fazer».
Portanto, a grande máxima é escrever canções que celebrem as idiossincrasias mais peculiares. «Se ouvirem ‘Badmotorfinger’, podem notar que há imensos sentimentos distintos ao longo do disco – interpretações diferentes das coisas pesadas, escuras e psicadélicas de que gostámos na música. Gosto muito do ‘Room A Thousand Years Wide’ porque é sólido, pesado, repetitivo e insistente. Gosto dos componentes psicadélicos de ‘Searching With My Good Eye Closed’. Sinto-me realmente atraído por isso. E dos singles, o meu preferido foi ‘Jesus Christ Pose’, por causa da sua intensidade. Parece um carro de corrida fora de controlo ou um comboio a descarrilar. Está apenas a tentar agarrar-se a si próprio. Gosto desse lado. Essa canção tem elementos selvagens mas, ao mesmo tempo, é muito precisa».
Algo que qualquer guitarrista, dentro dos espectros mais pesados do rock, tem tendência a fazer é abusar da distorção, do gain. Algo que deve ser bem temperado, uma das dicas principais do guitarrista dos Soundgarden é bastante aristotélica – só se deve puxar pelo gain extra quando este é realmente necessário. No início da banda, quando era o único guitarrista, Thayil não recorria sequer a pedais de distorção e overdrive. «Só comecei a usar quando passámos a ter as duas guitarras. Se o Chris estivesse a tocar, usaria o gain ou um boost apenas para os solos ou para algumas cores que acrescentava. Quando apenas tinha o baixo e bateria atrás de mim, não precisava disso, não haveria mais nada a enquadrar-me ou a condicionar-me. Quando há ali outra guitarra, se é uma nota linear é menos restritiva. Se for um acorde, limitará a moldura em que toco – os sons começam a competir, de modo que para cortar a mistura, acrescentava o gain». Portanto, a ponderação no uso dos efeitos e, principalmente, da distorção, é uma filosofia de vida para o guitarrista, sempre zeloso ao som dos dedos. «Não experimentei muitos pedais nem nada. Sabia o que queria mudar ao longo dos anos, e quando encontrava o que precisava ficava com isso. Em digressões mais recentes, tem sido o MXR CAE Boost/Overdrive. Antigamente, era um Ibanez Tube Screamer. E o stereo chorus era também o Ibanez [CS9]. Também tentei uma distorção de baixo que foi desenhada por Paul Barker dos Ministry. Mas, no final, comecei a cingir-me principalmente ao som da guitarra e dos meus dedos. Quero ter gain e soar pesado, mas não quero perder a personalidade no meu som».

O fuzz é um inimigo ainda mais perigoso para a construção sónica de Thayil. «Quando tens uma distorção ou um fuzz, isso muda o carácter da tua guitarra e é por isso que prefiro não os usar. Acho-os limitativos; comprimem e limitam as coisas. Acabam por retirar muita dinâmica e muitos dos nossos riffs eram muito dinâmicos. A expressão e a expressividade eram importantes para a forma como tocávamos a canção e a interpretávamos. Isso poderia mudar de dia para dia. Gosto dessas dinâmicas – indo do alto ao suave, da agressão declarada a algo mais fluído. Distorção e pedais de fuzz dão cabo disso – esmagam tudo dentro de uma caixa e matam a dinâmica. Também criam um tom que supera o que se tira dos dedos e da guitarra. Acabei por descobrir que tinha mais alcance sem o fuzz. Ao contrário dos sintetizadores, que matam totalmente o elemento de ataque e dinâmica, a guitarra é um verdadeiro instrumento musical, que permite a tua própria interpretação e expressividade. É por isso que evito o fuzz. Não preciso deles para criar um som. Preciso, basicamente, de mais volume e um pouco mais de gain aqui e ali».
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