A espectacular colecção de material que os Queens Of The Stone Age usaram para gravar o soberbo álbum “…Like Clockwork”, em 2013, e que trouxeram a Lisboa em 2014. Eis um dos mais sumptuosos palcos que já vimos e o bootleg pro-shot do concerto.
A etimologia diz-nos que o termo “kalopsía”, oriundo do Grego Clássico, é composto pelas palavras kalós (“bom, belo, adorável”) e ópsis (“vista, visão”). A sua composição serve de substantivo para o delírio, a alucinação ou a ilusão de que as coisas são mais belas do que aquilo que são realmente. Aquela ditado português do “quem feio ama”…
Material para lá de vintage, guitarras únicas e com alcunhas, personalização de acabamentos e até algum secretismo. Os Queens Of The Stone Age ostentaram, no Rock In Rio’14, um dos palcos mais luxuosos que Portugal já viu. A banda liderada por Josh Homme andava em digressão a promover esse extraordinário álbum que é “…Like Clockwork”, editado em 2013. Na altura, num artigo para a AS, passámos a pente fino tudo o que era possível identificar no esplendoroso backline do colectivo e aquilo que se sabia sobre o gear usado no disco.
Sem o imediatismo de “Rated R” ou “Songs for the Deaf”, o tempo tem vindo a afirmar “…Like Clockwork” como o melhor álbum dos QOTSA. É recorrente falar-se em maturidade em álbuns, e este é um paradigma do que significa o emprego desse termo. Troy Van Leeuwen fala em equilíbrio e em como a banda procurou por isso. A forma como peso, groove e excentricidade nos detalhes criativos estão congregados de uma ponta à outra do álbum é um exemplo de uma banda no topo das suas capacidades.
Após os citados acima segundo e terceiro álbuns Josh Homme podia ter optado por cristalizar esse som, ao invés disso escolheu o caminho mais difícil: reformular. É certo que isso fez com que muitas playlists não fossem actualizadas e que “No One Knows” ou “Go With the Flow” se mantivessem durante 10 anos como o expoente máximo da discografia dos QOTSA (em muitos casos isso até poderá manter-se…). Mas no final, o percurso experimental da banda veio culminar no álbum com maior riqueza musical da banda e mostra composições que afirmam Josh Homme como um songwriter de créditos firmados, basta pensar em metade do álbum (“The Vampyre of Time and Memory”, “Kalopsia”, “Fairweather Friends”, “I Appear Missing” e “Like Clockwork”). Temas com letras fortes, cruzamento de harmonizações e melodias, solos de guitarra pertinentes…
A capacidade de trabalhar dinâmicas, que tanto foi procurada em “Lullabies to Paralyze” e “Era Vulgaris”, surge agora plenificada e Homme é capaz de se revelar como, mais que apenas um frontman agressivo ou mordaz, um veículo capaz de chegar a mais estados emocionais.
O tamanhão de som que este disco tem e o espaço dinâmico que consegue mostrar é extraordinário. No fundo, o som enorme de bateria e aquele “estar à frente” das guitarras permanece inviolado, mas os sons de sintetização ou processamento de efeitos surge como um autêntico acréscimo às composições. E depois “Like Clockwork” é capaz de manter a ortodoxia de groove da banda (“Keep Your Eyes Peeled”, “My God Is the Sun”) e dotá-la de uma maior capacidade de excentricidade (“I Sat by the Ocean”, “If I Had a Tail”, “Smooth Sailing”).
Tudo isto foi transposto nessa digressão. Quando a banda passou no RiR’14, em Lisboa, pudemos ver de perto o gear dos QOTSA, cuja kalopsía se desfez diante do devastador poder sónico debitado.

JOSH HOMME
O frontman dos QOTSA é avesso a falar de guitarras e gear. Nessa altura usava, principalmente, duas MotorAve semi-hollow, às quais chama “Ryder” (a vermelha) e “Camille” (a creme). Também recorre frequentemente a uma Echopark, a Custom Crow, que, infelizmente, não foi usada durante o período permitido para a captação de imagens. Esse modelo possui um Arcane UltraTron, como pickup de ponte, e um Gold Coil, como pickup de um braço que é um monstro com .980” no nut e 1.15” no 13º traste. A Custom Crow é esculpida a partir de uma peça de mahogany (mogno) hondurenho com cerca de 200 anos, que foi aproveitado de “desperdício” da biblioteca da cidade de Los Angeles. O corpo é “escavado” para permitir uma redução de peso e também assemelhar-se à ressonância das semi-hollow. A torná-la ainda mais única, a guitarra ostenta uma tailpiece raríssima, de uma Kay dos anos 50.
Em estúdio, há Josh Homme tem uma arma secreta da qual não abdica. Neste concerto, os seus misteriosos amps vermelhos eram, nada mais nada menos, que um par de raríssimos Ampeg VT-40, interligados através de um distribuidor Little Labs, que fica “escondido” nas costas do rig. Nos pedais é possível distinguir modelos como um Morley Power Wah, um Dunlop Rotovibe ou um DigiTech Whammy 4. É sabido que, por mais que mude a sua pedalboard (e fá-lo com frequência), Homme nunca a monta sem a presença do Fulltone Ultimate Octave e do fuzz “mafarriquenho” Fuzzrocious The Demon.

TROY VAN LEEUWEN
O guitarrista amplifica as suas guitarras principais – a sua Fender Jazzmaster de assinatura, uma Echopark T-style e a Jazzmaster Custom Shop de braço duplo – através de dois Vox AC30 (um combo e uma cabeça), sonorizados por colunas Marshall e Vox. O guitarrista possui também várias Les Paul, como a 1995 Classic Premium Plus, que se vê nas imagens, ou uma “Bullion Gold”, de 1991, que era a guitarra que Homme usava como backup nos tempos dos Kyuss. É também possível distinguir a Moog Lap Steel.
Sobre a versão de braço duplo da sua Jazzmaster. O modelo é uma Fender Custom Shop, com braços de 12 e 6 cordas, pois claro, que Van Leeuwen começou a imaginar ao gravar o álbum “…Like Clockwork”. O guitarrista começou a perceber que estava a usar cada vez mais braços de 12 cordas – exemplos claros são os temas “I Appear Missing” ou “My God Is The Sun”. Ao vivo, diga-se, é consideravelmente mais complicado alternar, na mesma música, entre uma guitarra de 12 e uma de 6 cordas, daí Van Leeuwen ter contactado Paul Waller, Master Builder na Custom Shop, em Corona. Partiram da Jazzmaster de assinatura de Van Leeuwen para desenhar um primeiro esboço da double-neck, com a certeza de que o modelo teria que partilhar o acabamento Oxblood, os carrilhões e o mesmo pickguard da original. Van Leeuwen partilhou com Waller algumas ideias sobre o perfil do braço, headstock e os pickups para a metade de 12 cordas e iniciaram a construção de um modelo de sonho. Uma besta de quase 6 kgs!
Waller decidiu criar um circuito que permite activar os quatro pickups em simultâneo e inclinar ligeiramente o ângulo, habitualmente recto, dos braços, para facilitar o acesso às escalas e mesmo a troca de braços. A metade de 12 cordas partilha muito da lendária Fender Electric XII. Modelo que esteve em produção entre 1965 e 1969. Esse modelo era construído com alder [amieiro] no corpo, maple [bordo] no braço e escala em rosewood [palissandro]. Na verdade, essas são as configurações de madeiras da Jazzmaster de assinatura normal.
Como efeitos usa uma pedalboard e ainda uma rack, como apoio. Na pedalboard sabemos, até por entrevista que nos deu, que usa pedais como o Voodoo Lab Ground Control Pro MIDI, um switch tap-tempo da Custom Audio Electronics que controla o Axe-Fx II, usado principalmente para reverbs e delays, um wah-wah Morley e os stomps Way Huge Supa-Puss e Pork Loin. Na rack surgem o Way Huge Green Rhino, um EarthQuaker Devices Dispatch Master, um Fuzzrocious Demon e um MXR Q Zone, entre outros stomps.

MICHAEL SHUMAN
O baixista alterna “apenas” entre dois Fender American Vintage, um Jazz e um Precision. Cada um dos modelos possui os pickups com fiagem de acordo com as especificações standard nos anos 60. A amplificação é Fender também, um par de colossais Super Bassman, através de duas 8×10. Por vezes o baixista opta por fazer “sair” um através de uma coluna 1×15 e o outro através de uma 8×10. Na pedalboard o músico usava um selector de amp, o Palmer Triage, uma DI Radial Engineering, a JDI, três stomps Way Huge (Angry Troll, Swollen Pickle e Supa-Puss). Por footswitch activa uma unidade Moog e possui ainda um Dunlop Volume. A simplicidade faz o coice!

JOHN THEODORE
O baterista confessa que gosta de ter, exactamente, o mesmo setup em cada concerto, embora admita que volta e meia assiste a algum vídeo de Bonham e toca a experimentar mexer nas coisas, o que, segundo o próprio, pode ser um buraco negro… É adepto de usar suportes leves, para permitir maior ressonância aos pratos e para que o próprio kit se “mova” como uma só peça, em vez de várias peças. Todo o hardware que o músico usa actualmente é DW, especificamente os Rail Mount. O seu kit é um Jazz Series, com o acabamento White Glass. O set é composto por um timbalão 14×10, dois timbalões de chão, um 16×16 e um 18×16, o bombo 24×14 e a tarola DW Aluminum de 14×5.5.
Mas no concerto usou DW Collector’s Series com as medidas 22″x18″ – 13″x11″ – 16″x16″ e 18″x16″. O hardware era DW, mas não tinha Rail Mount, usou mistura de 9000 Series e 5000 Series. As tarolas que ele usou: uma Ludwig Black Beauty 14″x6,5″ e uma Yamaha Copper 14″x6,5″. Mudou de tarola quando rebentou a pele…
Nos pratos usou Zildjian – não é possível identificar os modelos, mas Theodore alterna entre série K ou A e até Avedis.

DEAN FERTITA
O homem dos sete instrumentos dos QOTSA. É complicado identificar os inúmeros teclados que o músico usa, e se não é possível confirmar se usou o Fender Rhodes (e outros pianos eléctricos), que costuma ter em palco desde que toca com os Dead Weather, é possível verificar uma das suas peças fetiche, o Moog Little Phatty (parece a versão 2) em cima do M4000D Digital Mellotron. Nas suas costas identifica-se o Novation Impulse, utilizado como controlador para os samples. Nas guitarras, Dean recorre também às Echopark, em foto, pode ver-se o modelo Arroyo, a uma Gibson SG e à Burns Double Six, o anterior modelo de 12 cordas de Van Leeuwen.
Na amplificação, um único e imponente Magnatone, pelas dimensões parece o Single V, o Twilighter é mais pequeno. O Single V é um amp de boutique baseado num Tweed Pro ’56, são 30 watts a explodir através de duas 6L6 na secção de power, debitados por duas 12”. O grande trunfo deste amp é o vibrato, o Magnatone Vibrator, baseado no vintage 280 – o modelo dos anos 50 que Buddy Holly usava.
A foto de entrada é do Paulo Petronilho. As restantes fotos são da Catarina Torres.