Los Angeles, 1 de Agosto de 2015, o magistral baterista Neil Peart despedia-se para sempre dos Rush, dos palcos e do público.
Desapareceu do mundo terreno em Janeiro de 2020, mas continua a ser um dos bateristas mais amados da música rock. Era a força motriz do prog rock dos Rush e ajudou a banda canadiana a estabelecer-se como um dos grupos mais talentosos que o mundo alguma vez viu. O seu último concerto, em 2015, continua a ser uma noite para recordar, num registo que capta a essência da banda no seu auge, a forma efervescente, o conteúdo rico e a genialidade musical de um dos maiores de sempre: Neil Peart.
O concerto fazia parte de uma série de datas da digressão “R40”, que celebrava os 40 anos de carreira dos Rush. Para uma banda habituada a estádios e arenas durante décadas, a última tour não foi diferente, com os Rush a saírem de cena quando ainda eram populares. Contudo, aquela noite em Los Angeles, a 1 de Agosto de 2015, seria a última dança da banda formada em… Agosto de 1968, na cidade de Toronto.
Em retrospectiva, cada elemento do trio emprestava ao grupo uma fatia diferente de maestria: Neil Peart era visto como o impulso criativo por detrás de grande parte da glória dos Rush (apenas não gravou o primeiro álbum da banda), Geddy Lee era pura magia no baixo e sintetização e Alex Lifeson era alquimia nas seis cordas. O contributo de Peart para a música é inegável: não era apenas o baterista dos Rush, mas o seu principal letrista e o coração rítmico da banda. E a sua precisão técnica era uma ferramenta magnífica.
Em 2015, os Rush davam por encerrada a sua actividade ao vivo. Neil Peart confessava-se relutante em afastar-se dos seus entes queridos, mas afirmava que se houvesse digressão daria o máximo de si nos concertos, pois era o seu trabalho. Em entrevista à revista Prog, Peart admitia: «É um autêntico dilema – não há uma resposta correcta. As pessoas perguntam-me se ainda fico entusiasmado com digressões. Deveria ficar entusiasmado por deixar a minha família? Não, nem eu nem ninguém. É tão simples quanto isto: se colocares de lado a ilusão, [uma digressão] é o que é e tem que ser feito. E se for está tudo bem e entrego toda a minha energia e entusiasmo a isso, mas claro que estou dividido a esse respeito».
A lenda da bateria confessava ainda que a ideia de deixar a sua filha de 5 anos lhe dava sentimentos de culpa. «Faço isto há 40 anos e sei separar as coisas. Consigo aguentar ter saudades dela, mas não consigo aguentar que ela sinta a minha falta, é-lhe doloroso e impossível de compreender. Como pode uma criança processar isso?»
Depois da morte de Peart, o The Guardian perguntou a Geddy Lee se sabia se aquele espectáculo em Los Angeles seria a última vez que tocariam juntos ao vivo: «Não a 100%. O Neil foi bastante inflexível e tocou como se fosse o espectáculo final. E foi por isso que quando saiu da bateria deu-nos um abraço no palco, algo que jurou nunca fazer. Acho que sou um pouco optimista. O Alex aceitou esse dia como o fim. Ficou realmente emocionado nos últimos 20 minutos. E foi a primeira vez que me engasguei com um microfone. Por isso, acho que uma parte de mim sabia».
Lee e Lifeson tinham esperança de convencer Peart a juntar-se a eles numa reunião, mas o baterista insistiu sempre que tocar era já demasiado duro para o seu corpo, além de que estava ansioso por se concentrar em ser pai. «Sempre dissemos que se nós os três não estivéssemos a bordo, não fazíamos nada. Houve outras decisões na nossa carreira em que nós os três não estávamos e não o fizemos. Nada tão significativo como terminar a nossa vida em digressão, mas é justo. Portanto, um tipo não quer fazer mais aquela coisa que eu adoro fazer… Isso dói. Mas não há nada que se possa fazer quanto a isso e isso também faz parte do acordo», disse Lee.
De facto, a banda ainda ponderou terminar a sua digressão dos 40 anos, a R40 Live Tour, mas no ano seguinte o guitarrista Alex Lifeson colocava uma pedra sobre o assunto, admitindo que o esforço de uma digressão era demasiado para Neil Peart: «Honestamente, ele nem queria fazê-la [a digressão R40]», confessou. «Tem sido cada vez mais difícil para ele. Mas comprometeu-se e prosseguiu com a digressão. No que toca a sua parte, aquela marcou o fim das digressões. Os ombros doíam-lhe, e os braços, e os pés e os cotovelos também. Doía-lhe tudo. Mas ele queria dar 100%. Foi difícil para ele conseguir atingir isso na última digressão. Portanto, eu percebo. Fiquei desapontado e acho que o Geddy [Lee] também ficou muito desapontado. Gostaríamos de continuar a digressão durante um pouco mais. Mas já não dá».
Houve sempre muitos boatos sobre se os Rush regressariam ou não, mas sabe-se agora que Neil Peart, além das dificuldades físicas, passou a lutar contra esse tumor. Nos seus últimos anos, o baterista viveu com a esposa, a fotógrafa Carrie Nuttall, e a filha Olivia em Santa Mónica, na Califórnia.
Cortina
Infelizmente, em Janeiro de 2020, Peart perdeu a sua batalha contra o cancro aos 67 anos e a comunidade musical ficava de luto por um dos grandes. A causa da morte foi um tumor cerebral, com o qual Peart lutou discretamente nos últimos três anos da sua vida, de acordo com Elliot Mintz, porta-voz da família Peart. Neil Peart foi um dos melhores bateristas na história da música.
Nascido a 12 de Setembro de 1952, em Ontário, no Canadá, a sua proficiência técnica e virtuosismo fundaram uma nova era no prog rock. O baterista juntou-se a Geddy Lee e a Alex Lifeson em 1974, substituindo John Rutsey (que gravou o primeiro álbum dos Rush) quando a vida pessoal deste o impediu de assumir a primeira digressão da banda. Apesar de ser considerado um portento técnico, Peart foi sempre um acérrimo auto-didacta. Já nos Rush, foi um dos dínamos da mudança do som da banda que se tornou reconhecida pela capacidade técnica dos seus músicos e composições complexas, carregadas de polirritmos.
Os discos dos Rush, com as letras de Peart, passaram a abordar temas de fantasia, ficção científica e até filosofia. Numa discografia longa e de excelência, quiçá “2112” seja a obra-prima do trio. Estima-se que os Rush ascendam aos 40 milhões de álbuns vendidos em todo o mundo. “Clockwork Angels” foi o último disco que gravou.
Homem renascentista, dedicou-se a outras forma de arte, como a literatura e o cinema. Disso é um excelente exemplo “Growth Rings”, a curta-metragem de Neil Peart e Jeremy Bout. Narrado pelo saudoso baterista dos Rush, o filme examina a forma como a música é tão marcante nos momentos mais determinantes nas nossas vidas. O pequeno filme foi escrito numa parceria entre o icónico e falecido baterista Neil Peart e Jeremy Bout, presidente e fundador da Edge Factor, numa parceria com a DW Drums.
O filme refere-se à forma como a música é tão fulcral nos momentos axiomáticos da vida humana e é o próprio Neil Peart que faz a narração. Extraindo uma citação: «Os artistas laboram com os seus instrumentos para criar uma história que irá demarcar o seu lugar no mundo e, quiçá, se forem donos de excelência e sorte, deixarão uma marca no mundo que habitam que será contabilizada de modo dendrocronológico». Bout refere, sobre o filme: «Eu e o Neil explorámos a ideia de que cada pessoa pode marcar momentos nas nossas vidas – os anos bons e os maus, os desafios e os triunfos, da mesma forma que podemos ver a história duma árvore examinando os seus anéis de crescimento».
Para além da carreira recheada de triunfos, a sua actuação final em 2015 teve toda a energia e vigor. E se dúvidas pudessem existir sobre se Neil Peart é ou não um dos maiores bateristas (e mentes) do rock, então espreita os bootlegs dessa noite no LA Forum, especialmente a actuação de “Cygnus X1” e o monstruoso solo que lhe sucede: 10 minutos de vigoroso génio.
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