Sonic Youth, Dirty

Depois duma festa que durou toda a década de 80, a sociedade estava de ressaca e “suja”. Em 1992, os Sonic Youth colocaram-nos diante dessa perspectiva.

Em 1990, a banda de Kim Gordon, Thurston Moore, Lee Ranaldo e Steve Shelley, lança “Goo”, o seu sexto trabalho de estúdio. O primeiro álbum por uma major label (a DGC, subsidiária da Geffen), é também aquele em que banda produz o seu som mais acessível. Os Youth sempre se caracterizam pelo seu som assumidamente rough and noise. Surgidos do caldeirão do pós punk e assumindo orgulhosamente a influência de luminárias vanguardistas como Glenn Branca ou John Cage, feedbacks, loops, improvisos, guitarras em distorção, letras incompreensíveis foram e são as suas imagens de marca. Tudo isto, em princípio, não predisporia os Youth para serem mais do que uma banda de culto da cena nova-iorquina, apreciados talvez pela combinação improvável de militantes hardcore e estudantes de artes. Mas as engrenagens do mundo estavam a rodar e este estava, subtil e inteligentemente, a metamorfosear-se em algo diferente. Mais sujo e libertador.

Um álbum de Sonic Youth a abrir com um single? Wtf!? A DGC Records [hoje Interscope], impulsionada pelo sucesso estrondoso de “Nevermind”, dos Nirvana, procurava a next big thing e quando olhou para o seu rooster reparou que os Sonic Youth, após o álbum “Goo” estavam prontos para assumir a tarefa. A banda adoçou ainda mais o seum som. A label apostou no mesmo produtor que fez disparar a banda de Cobain – Butch Vig. “Dirty”, que caminha para o seu vigésimo quinto aniversário, continua a ser um dos estandartes da banda, ainda que esta tenha progressivamente deixado de lhe atenção nas prestações ao vivo da sua última fase activa. Os Sonic Youth foram sempre assim, o experimentalismo da banda nunca se compadeceu dos seus landmarks. Em 1992, contudo, a banda era a ruidosa amante indie dos Estados Unidos. 

Falando em ruído, Butch Vig foi contundente em relação às guitarras da banda. As Jazzmaster não suportavam o tratamento extremo a que eram sujeitas por Thurston Moore e Lee Ranaldo (sem falar em actuações ao vivo em que, por exemplo, a baixista Kim Gordon chegou a meter-se em pé em cima do baixo) e desafinavam constantemente, um pesadelo de produção – para mais com a insistência de Vig em querer takes múltiplos, algo a que a banda reagiu negativamente. No final, houve concordância na gravação de múltiplas camadas e essa opção hoje é o manual de qualquer coisa que intua minimamente o shoegaze. Com o acesso ao mainstream todos ficaram a conhecer a criatividade extraordinária da banda e pedais personalizados como o “Sound Destruction”, que juntava o circuito de dois pedais de fuzz criava oscilação aleatória (através da fusão de dois estágios paralelos de gain) na distorção das guitarras. Ou redescoberta da afinação scordatura [o acorde aberto].

Para lá do refinamento sonoro que este álbum operou na banda o que o torna tão emblemático? A sua emotividade e a forma como esta é expressa nos temas. Obviamente, que não podemos penetrar a psique dos músicos, mas podemos intuir com uma precisão bastante razoável a revolta autêntica de ver um amigo ser abatido a tiro, de ver amigos íntimos perderem-se no excesso de consumo de narcóticos, ser-se alvo de discriminação sexual ou até aturar George Bush (o pai) – um pateta cuja semente não caiu muito londe da árvore. Depois duma festa que durou toda a década de 80, a sociedade estava de ressaca e “suja”. Em 1992, os Sonic Youth colocaram-nos diante dessa perspectiva. O mundo andava ocupado com os Guns N’ Roses e, quando despertou das “Ilusões”, deparou-se com uma realidade crua e cruel, agressiva e ruidosa.

Um exemplo dessa crueldade foi a tragédia de Joe Cole, o roadie dos Black Flag e da Rollins Band, morto atiro durante um assalto armado. Cole e Henry Rollins tinham estado no Whysky a Go Go, em Los Angeles, num concerto das Hole. No regresso a casa, pararam numa loja de conveniência ainda aberta. Nessa altura, dois homens armados – dois miúdos na casa dos vinte – abordaram-nos, exigindo dinheiro. Furiosos por descobrirem que Rollins e Cole, entre ambos, apenas tinham 50 dólares, levaram-nos para uma casa que ocupavam. Rollins entrou aí, com a arma encostada à cabeça. Cole, todavia, foi morto no exterior, alvejado no rosto com um disparo à queima-roupa. Na confusão, Rollins conseguiu escapar pela porta das traseiras e alertou a polícia. O assassínio continua por resolver. Cole foi homenageado pelos Sonic Youth, em “Dirty”, nas canções “JC” e “100%”…

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