O disco que, das cinzas da tragédia, promoveu o renascimento dos Baroness. Num sentido visual, o púrpura é a mistura do vermelho e do azul. Na estética sónica, “Purple” deixa a impressão de cruzar os álbuns “Red” e “Blue”. Numa conversa com o baterista Sebastian Thomson, essa ideia é reforçada.
Em 15 de Agosto de 2012, os Baroness andavam pelo Reino unido a promover “Yellow & Green”. Perto de Bath, Inglaterra, a banda sofreu um grotesco acidente rodoviário quando a sua carrinha se despenhou num viaduto, para uma queda de cerca de 9 metros. Miraculosamente, nenhum dos músicos morreu. Mas o acidente deixou sequelas físicas (John Baizley partiu um braço e uma perna, Allen Bickle e Matt Maggioni sofreram fracturas na coluna vertebral). Deixou também sequelas mentais. Afinal, quando a banda recomeçou a marcar datas, após a recuperação, Bickle e Maggioni, a secção rítmica anunciou que deixaria a banda.
Em 2013, Nick Jost e Sebastian Thomson, baixista e baterista de Trans Am tornaram-se a nova secção rítmica de Baroness. Poderia pensar-se que todo o background dessa mudança implicaria um processo complexo de integração, mas em conversa que mantivemos na altura, para a AS, o baterista desmistificou essa ideia. Sebastian Thomson nunca havia feito qualquer casting para entrar numa banda, tendo tocado sempre nos Trans Am, banda que fundou. Mas com Baroness, mesmo considerando a responsabilidade de substituir Allen Bickle, tudo foi normalíssimo: «Fui para Philadelphia tocar apenas com o John e soou bem. Depois o Pete [Adams] apareceu no dia seguinte e tocámos os três. Depois de uma hora e meia a tocar, o Pete diz “Bem, agora temos de fazer isto e aquilo”. E pensei para mim mesmo que já estava, definitivamente, na banda. Foi bastante despachado e simples».
O baterista acreditava que isso se deveu ao facto de John Baizley, guru de Baroness, ser fã de Trans Am: «Já nos tinha visto tocar, e queria que quem tocasse em Baroness pertencesse a uma banda que respeita. Queria um baterista com ideias musicais, com experiência em digressões e que saiba como se grava um álbum. Porque tenho também o meu próprio estúdio. Não queria um baterista de sessão qualquer. Queria um parceiro para o seu projecto».
O “Purple” é definitivamente, pelo menos liricamente, uma reacção ao acidente e às consequências do acidente.
Sebastian Thomson
Desde 2007 e do álbum “Red” que os Baroness vinham, sucessivamente, a prometer um álbum de jarda épica que, por um ou outro motivo, ia sendo adiado. A banda sempre teve carisma, grandes riffs, grandes temas, dinâmica e peso, mas nunca havia conseguido uma solidez arrasadora ao longo de um registo inteiro. Até este “Purple”. Depois do vermelho, azul e amarelo e verde, o triunfal álbum púrpura era o melhor dos Baroness. Como tantas vezes sucede, a afirmação plena da banda derivou de uma série de acontecimentos significativos, acima descritos. O guitarrista Pete Adams também tratou de explicar, na altura, a reacção da banda a essa tragédia: «Não queríamos fazer algo morno, triste e negro. Precisávamos de ritmo. Precisávamos de ser melódicos, mas também agressivos». Foi importante a criação de um selo editorial próprio, a Abraxan Hymns, e de uma maior independência logística que daí adveio. Também foi preponderante a mudança de produtor. Em “Red”, Phillip Cope, dos Kylesa, conseguira orientar a banda para o seu registo mais brutal, “Red”, e depois John Congleton (com um sentido mais pop) redimensionou o som da banda, mas atenuou a sua pujança. Em “Purple”, Dave Fridmann mantém a fusão de ambas as latitudes sonoras da banda, mas a sua fixação no “Wall Of Sound” de Phil Spector consegue tornar este álbum um leviatã sonoro, tão grande quanto aberto.
Muito mais curto que o anterior duplo álbum, “Yellow & Green”, “Purple” é um trabalho directo ao assunto, numa duração clássica de 43 minutos. Desde o tema de abertura, “Morningstar”, que a banda cumpre a afirmação, acima referida, de Adams. Sem oscilações abruptas entre os picos de intensidade e respiração, com uma dinâmica irrepreensível, este é um álbum com jarda nos seus vários momentos e onde os coros grandiosos, já algo clássicos da banda, o peso demolidor e a imponência melódica reduzem significativamente o espaço qualitativo entre os Baroness e os parceiros estatais Mastodon. Depois deste disco, Pete Adams abandonou também a banda. Entrou para o seu lugar Gina Gleason. Sebastian Thomson permaneceu no lugar de baterista e é a a conversa com ele que aqui recordamos, a propósito do quarto disco dos Baronesse, editado a 18 de Dezembro de 2015.
O RENASCIMENTO DOS BARONESS
Ao ouvir “Purple”, a sensação dinâmica é muito semelhante à que o Allen Blickle transmitia (não querendo sugerir que estejas a imitá-lo). Tinhas isso como preocupação?
O Allen é um óptimo baterista. Também sou. Ironicamente, temos algumas semelhanças na forma como tocamos. Nunca tinha pensado nisso antes. Mas também há coisas que fazemos de forma diferente. O meu objectivo com o “Purple” era fazer uma boa transição da era do Allen para a minha, pegar em alguns dos meus truques e em alguns do Allen e pôr isso no álbum. Não queria fazer exactamente o que o Allen fez, nem apenas o que fiz em álbuns anteriores. Queria juntá-los e acho que correu bastante bem. Sejamos honestos, o Allen é uma figura importante dos Baroness. Os fãs adoram-no. Fiquei um pouco nervoso. Pensei que, com a saída do Allen, todos os comentários seriam algo do género: «Oh meu Deus, tenho saudades do Allen, blá, blá, blá». Muitos dos comentários foram positivos. Estou contente com isso. Porque quando se é fã de uma banda, existe uma certa lealdade com os membros. Havia alguma preocupação, mas correu tudo bem e sinto que também consegui adicionar alguns elementos rítmicos à banda.
E quando chegou a altura de escolher o teu setup?
Ok, vamos por peça. No que toca às tarolas, uso a mesma Ludwig Supraphonic há vinte anos. É bastante funda, tem 6,5” de profundidade. Usei-a em quase todos os discos de Trans Am. Trouxe-a para o primeiro ensaio com os Baroness e utilizei-a em todas as músicas do álbum, excepto na “Fugue”. Para a “Fugue” usei uma velha tarola de madeira com uma t-shirt por cima [risos]. Ao longo do disco, a tarola soa com diferenças devido à mistura usada em cada canção. E uma coisa que o Dave Fridmann gosta de fazer é excitar o sinal da bateria. Adicionar um bocadinho de overdrive a partir do compressor ou saturando o sinal do microfone. É algo muito próprio dele. Não é um som muito limpo, mas o objectivo do álbum não é ser um workshop de bateria, é uma peça musical. Se o overdrive da bateria soa bem, então fixe. Vou deixá-lo lá. Quanto ao kit, o Allen usava uma bateria C&C, que até acho fixe e de bastante boa qualidade, mas às vezes isso não é tudo. Também tem de ter um certo carácter. Quando me juntei aos Baroness, tivemos uma reunião com a Ludwig o que, para mim, foi um sonho tornado realidade. Tendo sido um miúdo que adorava o John Bonham é com isso que sonhas.
A tarola de Sebastian Thomson. Uma Ludwig 6.5×14 Supraphonic c/ Tube Lugs (LM402T)
Ludwig Classic Maple. Thomson usou um kit de três peças, no acabamento Gold Sparkle, para gravar “Purple”.
Estava com esperança que mencionasses o Bonham. Porque quando ouvi o álbum senti algumas abordagens semelhantes às dele.
Ele usava muito ghost notes na tarola, que é algo que também gosto de fazer. Quase como se estivesse a emular o som da respiração. Voltando à Ludwig, ofereceram-nos um óptimo negócio e deram-me um kit Classic Maple – o que queria. A única diferença foi, quando me juntei a Baroness, alterar o tamanho da minha bateria. Antes tocava num kit com bombo de 22’’, 16’’ no timbalão de chão. Agora é um bombo de 22’’, timbalão de chão de 20’’ e timbalão de rack com 14’’. Tudo maior. No início foi difícil, mas agora adoro. No que toca a pratos, tive diferentes fases. Já usei da Paiste, da Zildjian, e por causa do John Bonham tive uma fase em que só usava os Paiste 2002. Quando comecei a ensaiar com os Baroness, havia um monte de pratos da Meinl que o Allen tinha deixado lá. Comecei a usá-los e eventualmente acostumei-me a eles. Tem a combinação certa de brilho e corpo, que é algo que funciona bem com o som da banda.
O que tentámos fazer com o “Purple” foi juntar o conteúdo lírico com o som mais pesado e distorcido.
Sebastian Thomson
És a pessoa certa para responder a esta pergunta, porque “vens de fora” da banda: Visualmente, “Purple” [roxo] é uma combinação de “Red” [vermelho] e “Blue” [azul]. Sentes que o mesmo acontece nas canções?
Vendo de fora, o que sabia quando entrei para os Baroness é que o “Red” é um álbum mais pesado, intenso e com arranjos complicados. Mas se passares dois álbuns à frente, para o “Yellow & Green”, é tudo muito mais lírico. Perdeu aquela força e groove que o “Red” tem. O “Blue” está algures no meio. O que tentámos fazer com o “Purple” foi juntar o conteúdo lírico com o som mais pesado e distorcido. Portanto, sim. É uma mistura de várias coisas. Não tenho bem a certeza se será algo no meio entre o “Red” e o “Blue”.
Havia mesmo uma necessidade de um novo ponto de partida?
Foi refrescante para o John e o Pete, especialmente tendo dois novos membros. Eles são amigos do Allen desde miúdos. Cresceram juntos. Brincaram juntos. Fizeram bandas juntos quando tinham 13 anos. Mesmo que ainda sejam amigos, é possível também passar por demasiado juntos. Percebes o que quero dizer? Acontece nas relações. Acontece a toda a hora. Mas acho foi entusiasmante para eles mostrar as novas músicas. Algo novo e refrescante. O “Purple” é definitivamente, pelo menos liricamente, uma reacção ao acidente e às consequências do acidente. Musicalmente, é um pouco mais complicado porque eu e o Nick [Jost] temos uma grande influência no álbum. E nós não estávamos lá durante o acidente. Por isso, musicalmente, há mais elementos para além disso.
Quando vejo as ilustrações e capas que o John faz, imagino que seja controlador e minucioso. Isso transpõe-se para a composição musical também?
O John é certamente minucioso. Mas não é excessivamente controlador. Ele partilha responsabilidades com os outros. Liga muito aos detalhes, tal como eu. Quando trabalhámos no álbum, no geral era eu e ele a trabalhar juntos, ou ele e o Pete, ou ele e o Nick. Pelo menos no início, porque quatro gajos a escrever a mesma música seria um pesadelo. Demasiadas perguntas e demasiada conversa. Quando era só eu com o John, éramos mesmo meticulosos. «E se puséssemos esta nota aqui. Não, vamos mudar esta nota». Ele é um compositor muito pessoal, mas perguntava sempre a opinião aos outros membros. Queríamos que todos estivessem satisfeitos com todas as músicas. Ele não é controlador, no sentido em que não se sujeita a críticas. Em estúdio, o Nick, o Pete e eu, demos a nossa opinião sobre os vocais do John. E eles ouve-nos completamente. Queríamos todos chegar a um acordo. Não me lembro de haver uma discussão. O álbum tem 9 músicas. Começámos com 20. Sempre que sentíamos que havia um membro que não gostava de uma música, não havia problema. Esquecíamos essa música. Mas para resumir, ele é o completo maníaco pelo detalhe, mas é muito colaborante.
Há duas coisas sobre a “Wall of Sound”. A primeira é a quantidade de elementos em camadas. A outra é a mistura desses elementos com o som da sala.
Sebastian Thomson
Em estúdio, decidiram usar uma abordagem semelhante ao do “Wall of Sound” de Phil Spector. Exigiu preparação e atenção aos detalhes…
Há duas coisas sobre a “Wall of Sound”. A primeira é a quantidade de elementos em camadas. A outra é a mistura desses elementos com o som da sala. Não foi necessariamente o que fizemos. Há ali muitas camadas. Mas a verdade é que quando o Dave misturou as músicas, ele livrou-se de muitas faixas. Havia tantas faixas só com guitarra, era de doidos [risos]! No que toca aos outros instrumentos, não existe muito layering. No “If I Have To Wake Up”, existem dois takes de bateria. Gravei a música duas vezes e guardámos os dois takes. Duas performances diferentes, que é algum um pouco diferente. Tudo o resto foi só com um kit, não houve mais percussão. Nem overdubs de bateria. É só mesmo nas guitarras que há essa soma.
Mas fazer uma mistura mais “despida” foi algum compromisso, para não ser tão difícil reproduzi-las ao vivo?
Isso é algo que todas as bandas discutem em estúdio. E aí, cada um tem a sua opinião. A minha opinião é que, quando fazes um álbum e não consegues reproduzi-lo ao vivo… Temos pena! A minha preocupação é gravá-lo. O Pete é o extremo oposto. Ele gosta de pensar como vamos tocá-lo ao vivo, se será boa ideia gravar uma música que não consegues reproduzir em palco. Consigo respeitar essa opinião. Tivemos discussões sobre isso, mas chegámos a um senso. Conseguimos tocar todas as músicas ao vivo. Obviamente que não vão soar da mesma forma. Por exemplo, nos ensaios tocámos a “Kerosene” com frequência. Adoro tocá-la, é mesmo divertido, mas tem estes overdubs de sintetizadores, Mellotron, entre outras coisas. Quando tocamos só os quatro, sentimos que falta ali qualquer coisa. Temos de ver como é que vamos fazer em relação a essa música.
O volume ajuda sempre. “Crankar” os amps ajuda sempre…
Sim. Estar num bar de rock, com cinco cervejas no bucho… Também se ouve de forma diferente [risos].
Um pensamento sobre “Purple, A Renascença dos Baroness”