O álbum de estreia dos The Who. A banda desconsiderou-o mas, retrato vibrante de uma época, gravado a meio de choques de egos, tornou-se num dos mais importantes discos da história da música.
No início de 1964, Keith Moon tornou-se o baterista dos Detours. E mudou tudo! A ferocidade em palco de Roger Daltrey, John Entwistle, Pete Townshend e Moon; as manifestações inspiradas no movimento de Arte Auto-destructiva, com a destruição apoteótica das guitarras e bateria nos concertos; a destreza técnica agressiva dos músicos; a sede de maior volume e potência sonora, que acabaria até por motivar a construção do imponente Marshall Super Lead (Model 1959).
Foi em 1965 que surgiu a primeira Marshall stack. Desde que o JTM45 fora criado, em 1962, toda a gente pedia constantemente mais potência, mais volume e mais resultados [vai daqui um aceno aos Sunn o)))]. Uma das vozes mais insistentes era Pete Townshend. Nas palavras do próprio Jim Marshall: «O Pete Townshend pediu-me que lhe construísse uma cabeça de 100 watts e uma coluna de 8×12. Concordei, avisando-o que os seus roadies não gostariam de carregar uma coluna tão grande, e sugeri desenhar uma 4×12 angulada, para encimar uma 4×12 normal como alternativa. O Pete não quis ouvir nada do que lhe estava a dizer, então construímos o que ele queria e ficou feliz da vida». Contudo, a previsão de Jim mostrou-se correcta e o guitarrista dos The Who acabou por aceitar cortar a mítica coluna 8×12 em duas. O resultado foi a criação daquilo que, hoje em dia, é um dos ícones mais reconhecidos no universo do rock – um stack Marshall de 100 watts!
Mas, recuando um pouco, de volta à banda. No final de 1964, The Who já era uma referência do underground londrino. Um criptograma sónico que encerrava as sementes do hard rock, punk, power pop, garage rock e hardcore.
Townshend escreveu “I Can’t Explain”, de forma a seduzir a Decca, com um som “à Kinks”. O braço britânico da editora era reputado pelo seu espírito explorador de gravação e vanguardismo estético. O logro resultou parcialmente. A banda assinou pela Decca norte-americana. Mas quando Townshend encheu “Anyway, Anyhow, Anywhere”, o single seguinte, de pick sliding, toggle switching e feedback, a editora ficou hesitante. A ideia era seguir o plano de Daltrey e gravar uma colecção de covers a clássicos rythm and blues e soul. Afinal, isso estava a resultar com os Stones. Em Abril de 1965, a gravação do álbum de estreia de The Who arrancou nos IBC Studios. No mês seguinte estava instalado o caos…
Daltrey preferia as covers gravadas, com alguns originais de Townshend arranjados dentro da mesma estética. Os restantes inclinavam-se para uma predominância de canções originais. As sessões de Abril foram descartadas e, das nove covers que teriam sido o primeiro LP de The Who, apenas “I Don’t Mind” e “Please, Please, Please”, de James Brown, e “I’m A Man”, de Bo Diddley, foram regravadas nas sessões que viriam a ter lugar em Outubro. A tensão entre os 4 músicos, cuja relação era predominantemente profissional, aumentou. Em Setembro, em digressão pela Dinamarca, uma discussão entre Daltrey e Moon acabou em pancadaria, depois do vocalista ter atirado para a sanita a metanfetamina do baterista. Daltrey foi despedido, tendo sido readmitido após aceitar o grupo como uma democracia, em detrimento da sua autoridade. Em Outubro recomeçou o trabalho em estúdio, com o produtor Shel Talmy (que estivera por trás do single “I Can’t Explain”), que conseguiu criar compromissos, controlando os egos dos músicos, pressão editorial e escassez de tempo. Shel Talmy viera de Los Angeles para Londres. Com The Kinks, captou a fúria de viver dos primeiros teenagers pós-Guerra no irascível single “You Really Got Me”. Com The Who, tornaria essa fúria num manifesto histórico dessa geração: “My Generation”.
O álbum acabou por congregar o fluxo musical de uma era passada, daquele momento presente e do que seria o advir da música popular. Aquelas canções formam como que um prisma sónico: há um sentido rythm and blues, com a recuperação dos três temas acima referidos; sensibilidade pop, como a harmonia a três vozes de “The Kids Are Alright”; agressividade eléctrica, na rudeza da title track; e a violação de barreiras formais, na busca de mais peso e mais poder, na explosiva “The Ox”.
Já depois da edição do disco, os episódios de desacatos entre os The Who continuaram. Por exemplo, a 20 de Maio de 66, Pete Townshend e Roger Daltrey cansaram-se de esperar pela chegada de John Entwistle e Keith Moon para um concerto no Ricky Tick Club, em Windsor. Não foram de modas e subiram a palco com o baixista e baterista da banda local que abriu o concerto. Quando, finalmente, Moon e Entwistle chegaram ao concerto, já com o alinhamento a meio, rebentou a zaragata, com os quatro músicos dos The Who embrulhados numa enorme sessão de pancadaria, culminada quando Townshend acertou Moon com a sua guitarra. O fim do mundo em cuecas! O baterista e o baixista abandonaram a banda. Uma semana mais tarde tornaram a juntar-se ao vocalista e guitarrista…
TOWNSHEND RIG
Pete Townshend começou por usar uma Epiphone Wilshire, de 1961. Na antecâmara da gravação de “My Generation” o guitarrista já usava modelos Rose, Morris, Co. LTD – as Rickenbacker, às quais removia o vibrato. A primeira foi o modelo 1997, a versão de exportação britânica da 335 que se vê na fotografia. Depois a 12 cordas 360/12 de 1964 (que já se escuta nos primeiros singles). Para gravar o álbum de estreia usou ambas as guitarras e também a 345, com três pickups e com a alteração da ponte original por uma trapeze tailpiece de uma Gibson ES-175. A amplificação foi uma mistura de modelos Fender, essencialmente, onde se destacam as cabeças ’64 Bassman e Pro a passar por colunas Bassman e Marshall.

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