Os músicos e a música ucraniana, em todas as suas vertentes, têm ajudado o país a fomentar a resistência diante do invasor e afirmar a sua própria identidade cultural, uma identidade que enfrenta a ameaça de Putin.
Na manhã de 24 de Fevereiro de 2022, Vladimir Putin, Presidente da Rússia, lançou uma invasão em grande escala da Ucrânia. Ocorreram ataques em todo o país, inclusive na capital, Kyiv. O conflito e as manobras militares persistem. Os líderes mundiais condenaram o movimento e aplicaram sanções significativas de modo coordenado contra a Rússia, na sequência das notícias. Com a maioria da população mundial a manifestar-se, não contra a Rússia, mas em favor de valores democráticos, da liberdade e da paz, vários países continuam uma operação política e económica concertada, aumentando a pressão por um cessar-fogo. Recuando uma semana, na noite anterior à invasão, cidadãos ucranianos reuniram-se na praça da cidade de Kramatorsk, na Ucrânia Oriental, e cantaram o hino nacional. Também surgiram no Twitter imagens de vídeo de cidadãos na Polónia e na Rússia cantando para mostrar solidariedade através dessa poderosa linguagem universal que é a música.
A música ucraniana, Sofia Yatsyuk, 26 anos, falou à Classic FM sobre a sua preocupação com a família e amigos no país. «Toda a minha família são músicos», disse. «E todos eles estão obviamente em pânico e com medo. Até hoje, tudo isto parecia um pouco hipotético. Acho que as pessoas estavam apenas a viver a sua vida normal e ainda esperavam que a guerra pudesse ser evitada. Mas, obviamente, tudo mudou. Agora, não creio que as pessoas estejam a pensar na sua carreira ou coisas como cancelamentos de concertos, tudo se resume à sobrevivência nesta altura». Yatsyuk, que está actualmente a estudar para o seu Doutoramento em Violino, na Universidade McGill, no Canadá, expressou sentimentos de culpa por estar tão distante da sua família neste momento. «Um dos meus amigos disse-me que teve de fugir, pelas cinco da manhã, porque estavam sob ataque dos bombardeamentos em Kharkiv. Penso que aqueles que não vivem actualmente na Ucrânia, apenas têm este enorme sentimento de culpa. Vou a um protesto em Montreal e sinto que é apenas o mínimo que posso fazer; falo o mais possível com a minha família, mas sinto-me muito culpada e impotente».
Têm decorrido protestos em todo o mundo. No Reino Unido, diante do 10 Downing Street, esteve misturado com os protestantes o barítono ucraniano Yuriy Yurchuk, parte do elenco mais recentemente de “Tosca”, na Royal Opera House, Londres. O cantor de ópera internacional de 35 anos foi filmado pela Classic FM a cantar o hino nacional do seu país no meio da manifestação. Yurchuk disse que «cantou pela paz e em apoio e solidariedade para com todos os ucranianos». Os protestantes reunidos diante da residência londrina do Primeiro-Ministro do Reino Unido apelaram à imposição de sanções mais duras à Rússia, incluindo o congelamento dos activos britânicos de 50 oligarcas russos e o bloqueio dos fundos monetários do Presidente Putin. Entretanto, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, prometeu que o Reino Unido e os seus aliados irão utilizar um «pacote maciço de sanções» que irá «manietar a economia russa».
Também estão a decorrer protestos nos EUA e alguns decorreram em salas de concertos. O maestro russo Valery Gergiev estava agendado para dirigir a Orquestra Filarmónica de Viena em três actuações no Carnegie Hall, em Nova Iorque, no último fim-de-semana. No entanto, a sua comparência foi alvo de vários protestos, devido aos laços estreitos do maestro com Putin. Em 2014, o maestro concedeu uma entrevista pró-Putin, justificando a anterior intervenção do Presidente russo na Ucrânia. Os críticos sugeriam como provável que a posição do músico não tenha mudado nestes anos e que os aplausos que seriam dirigidos à Orquestra fossem manietados por Moscovo, como aplausos para Putin. O website do Carnegie Hall registou um tráfego intenso a 24 de Fevereiro e, no final do dia, foi anunciado que devido aos «recentes acontecimentos mundiais», Gergiev seria substituído pelo maestro canadiano Yannick Nézet-Séguin.
Oksana Lyniv, directora da Orquestra Sinfónica Juvenil da Ucrânia, recorreu ao Instagram, no dia 25 de Fevereiro, para pedir apoio internacional para o seu país. Usando a hashtag #stopwarinukraine, Lyniv apelou aos seus seguidores internacionais em «nome dos cidadãos ucranianos».
Todas as vertentes do mundo da música, têm reagido energeticamente a este conflito. Um dia depois da Rússia ter invadido a Ucrânia, o Festival da Eurovisão deixou uma declaração proibindo a participação da Rússia, referindo que a inclusãodeste país poderia trazer descrédito ao concurso «à luz da crise sem precedentes na Ucrânia». A União Europeia de Radiodifusão afirmou que permanecia resoluta em «proteger os valores de um concurso cultural que promove o intercâmbio e a compreensão internacional, aproxima o público, celebra a diversidade através da música e une a Europa num só palco».
Músicos pop rock da Ucrânia e da Rússia também condenaram publicamente a invasão da Ucrânia pelo Presidente Putin, através dos seus canais pessoais das redes sociais. Nadezhda (Nadya) Tolokonnikova, da banda Pussy Riot, publicou no Instagram, logo na manhã de 24 de Fevereiro de 2022, que «Putin acaba de iniciar uma guerra com a Ucrânia», chamando-lhe um «palhaço-psicopata» numa das suas Stories. Ivan Dorn, um dos cantores mais conhecidos da Ucrânia (um dos professores na versão ucraniana do programa The Voice e jurado no X Dactor desse país), também lançou um apelo no Instagram, dirigido aos seus fãs russos: «Por favor… Passem a mensagem que a Ucrânia é um Estado independente e soberano. Por favor, vamos acabar com este desastre».
No metal, os Jinjer deixaram uma mensagem emotiva sobre o momento nas suas redes socais. «No momento em que escrevemos este texto, cada membro dos Jinjer e as suas famílias estão a salvo e bem». Segue-se depois, na mensagem, um agradecimento aos fãs de todo o mundo, que entraram em contacto, mostrando-se preocupados e apoiando a banda e o seu país. No final, uma referência à invasão russa de 24 de Fevereiro e à guerra contra a Ucrânia, país soberano, como sublinham. «Neste momento dependemos de vocês, dos nossos fãs em cada país, para apoiarem a Ucrânia e a paz no país, da forma que puderem, e em particular os fãs na Rússia, vocês e a vossa opinião importam neste momento. NADA pode justificar a violência e morte de inocentes, e isso é exactamente o que está a acontecer no nosso país neste momento. Parem a guerra na Ucrânia agora».
Dias depois, como noticiou a LOUD!, Eugene Abdukhanov, baixista dos Jinger, publicou uma mensagem em vídeo na qual condena a invasão russa do seu país. «Estou a falar-vos de Kyiv, a capital da Ucrânia, que está agora sob o cerco das tropas russas. São cinco horas da tarde [de] sábado. Em primeiro lugar, todos os membros dos Jinjer que se encontram actualmente em Kyiv estão relativamente seguros e bem, tanto quanto é possível durante estes dias sombrios. Em segundo lugar, agradecemos a todos os nossos fãs em todo o mundo por mostrarem solidariedade connosco e com o nosso país, e por se oporem à barbárie da guerra que foi iniciada por Putin aqui na Ucrânia no dia 24 de Fevereiro».
Depois segue-se um apelo: «Quero falar a todas as pessoas do mundo civilizado, a todos os nossos fãs, a todos os fãs de música, a todos os metalheads de todo o mundo, independentemente da sua origem, especialmente se forem da Rússia. Esta guerra não pode ser justificada por nada, não importa o que a propaganda diga. Ninguém merece aquilo por que estamos agora a passar aqui na Ucrânia. O povo inocente da Ucrânia está a sofrer. Não estou a falar de políticos; não estou a falar do nosso governo. O povo inocente do nosso país está a sofrer… Todo o povo de Kiev está a passar os os seus dias e as suas noites nos abrigos. As crianças estão a passar os seus dias e as suas noites nos abrigos. Estão assustadas. Não têm comida adequada. Não têm água suficiente. Não têm qualquer conforto. Será que elas merecem isto? Por favor, espalhem a notícia sobre a agressão de Putin. Juntos podemos acabar com isto».
A música na Ucrânia tem ajudado o país a afirmar a sua própria identidade cultural, uma identidade que enfrenta o perigo de Putin. A 21 de Fevereiro, Putin declarou que «a Ucrânia moderna foi completamente criada pela Rússia», num discurso televisivo na televisão estatal. Alguns artistas ucranianos fizeram um boicote cultural à Rússia, a fim de provar que tal não é o caso. Cada vez mais artistas estão a escolher cantar em ucraniano em vez de russo e a abraçar os seus próprios estilos musicais. Falando ao Classic FM, Yatsyuk acrescentou: «A cultura, a paixão do povo, a língua, tudo isto está em jogo neste momento. Obviamente, a vida das pessoas é o mais importante, antes de mais, mas há tudo o resto que daí deriva».