A mudança de paradigmas nas trocas comerciais que o Brexit está a provocar. As sequelas da administração Trump e o Muro. A disrupção na produção e distribuição de componentes na pandemia. A guerra e os bloqueios económicos. Não guardem para amanhã, a guitarra que podem comprar hoje…
Depois de dois anos e meio de confusão criada pela Covid, quem não quer celebrar? E que melhor forma de celebrar a resiliência passada e a esperança que melhores tempos estão para vir do que com novo equipamento? A lista de guitarras que se deseja há meses ou mesmo anos é longa, mas esta não é altura de começar a apontar ao topo das gamas. Os preços estão proibitivos! Seja uma guitarra Custom Shop, um amplificador com componentes de elite ou um extravagante pedal de boutique que está no topo das vossas prioridades, assim que batem no preço vão pensar «Como assim?» Verifiquem outras fontes, mas não é um erro de impressão e, muito menos, uma piada. Essa recompensa, que merecem por terem aguentado este par de anos brutais, subiu de preço e não foram apenas alguns euros…
Bem-vindos à inflação, o desmancha-prazeres que castiga por não terem comprado aquilo que queriam alguns meses antes, talvez antes de o poderem pagar. Em retrospectiva, alguns meses de juros adicionais no cartão de crédito teriam sido uma pechincha em comparação com o aumento de preços a que estamos a assistir. A menos que tenham vivido numa caverna nos confins da terra, já ouviram falar da inflação, já a sentiram na conta da mercearia e a meter gasolina no carro. Mas quando a inflação atinge o orçamento de musical, é uma sensação pessoal, mais insultuosa e injusta. O choque que uma subida de preços provoca depende mais da nossa idade do que se possa pensar. Para malta mais velha, os recentes aumentos de preços das guitarras não pareceram assim tão horríveis ou surpreendentes. Mas aqueles que começaram a comprar equipamento de guitarra há menos de 30 anos, geralmente começaram a fazê-lo num cenário de preços muito diferente, por isso alguns dados da máquina do tempo podem ajudar a aliviar a dor.
Para o fazer, Richard Johnston, em artigo para a Premier Guitar e em vez de entrar no pantanal de Wall Street, de gráficos e gráficos que acompanham a inflação ao longo das últimas décadas, usou o custo da venerável guitarra acústica D-28 da Martin, em parte porque é tão conhecida, mas também porque o modelo se manteve essencialmente inalterado durante tantos anos.
No final dos anos 60, C. F. Martin tinha sido forçado a aumentar os preços todos os anos, uma vez que os custos de mão-de-obra nos EUA estavam a aumentar de forma constante. Mas a inflação chegou de forma especialmente dura no início dos anos 70. O custo de construir uma guitarra acústica como a D-28 era quase todo consumido pela mão-de-obra, pois os preços que a Martin pagava por madeiras como o sitka spruce, o rosewood da Índia Oriental, o mogno e mais um conjunto de Grover Rotomatics, além do estojo, eram uma pequena percentagem do que se pagava quando se comprava essa majestosa dreadnought. O preço de tabela da Martin para um modelo D-28 cruzou pela primeira vez a linha dos $500 (dólares) em Julho de 1972, quando passou dos $495 para os $570. O aumento de preço seguinte chegou apenas nove meses depois e foi ainda mais punitivo, subindo para $660. Depois seguiram-se mais dois aumentos de preços e, em Setembro de 1974, o preço chegava aos $770. Estes números representam um aumento de preços de mais de 50% entre o início de 1972 e Outono de 1974.
No entanto, 20 anos mais tarde, a inflação na América do Norte há muito que tinha acalmado. Os aumentos de preços ao longo dos anos 70 e 80 tiveram reflexos e a D-28 da Martin atravessou a linha dos $2.000 em 1993 (para $2.060), mas depois nivelou. Dez anos mais tarde, o preço de venda recomendado de uma D-28 ainda era inferior a $2.500 ($2.469 em 2004). Isto representa um aumento de 20 por cento ao longo de mais de uma década. Escusado será dizer que o jovem guitarrista que tinha poupado para uma D-28 no final dos anos 90, quando o preço se manteve inalterado durante cinco anos e depois subiu apenas $69, não se sentiu punido por poupar. Mas durante a alta inflação do início dos anos 70, até os mais acérrimos folk-rockers e os fiéis do bluegrass, quando compravam uma D-28 nova, cantavam os blues.
O que há a retirar de tudo isto? As previsões financeiras (excepto no mundo de unicórnios e princesas de Costa e Medina) sugerem que a inflação não vai recuar num futuro próximo. Comprar esse equipamento de sonho agora e não mais tarde é provavelmente uma boa ideia, especialmente se o puserem a bom uso. Há demasiados indicadores para serem ignorados…
BREXIT & CELEUMAS FONTEIRIÇAS ENTRE EUA e MÉXICO
O ambiente político entre Estados Unidos da América e México não é, para dizer o mínimo, o melhor. Não vamos entrar nesse lodo, excepto num detalhe que pode alterar uma situação que diz directamente respeito a músicos. As fábricas de instrumentos, os seus custos de operação e produção com foco particular na fábrica da Fender em Ensenada. A fábrica mexicana do gigante construtor de equipamento musical é responsável por várias das gamas economicamente mais acessíveis do Fender Musical Instruments Group [FMIC], ostentem elas a marca Fender, Squier, EVH ou Jackson, sejam amplificadores ou guitarras e baixos. Focamo-nos neste exemplo por ser aquele que conhecemos de perto, mas muitos conceitos podem ser aplicados a outras marcas. Tudo isto do “economicamente mais acessível” poderá mudar, se as relações de trocas comerciais internacionais continuarem a sofrer erosão devido aos conflitos fronteiriços políticos. E, na verdade, este fenómeno já está a ser colocado à prova na ressaca do Brexit. Ainda há que perceber mais consequências concretas, mas o colapso dos actuais acordos comerciais internacionais tem, de facto, consequências.
Voltando ao exemplo de Ensenada e Corona e da Fender. Convencionou-se que os operários da fábrica mexicana não são tão especializados como os operários da fábrica estado-unidense. Sendo honestos, essa era uma ideia, de certa forma enraízada aqui na nossa redacção até termos a oportunidade de visitar ambas as fábricas. Não há diferenças substantivas entre as fábricas e os operários de cada uma delas, excepto, naturalmente, no que respeita à Fender Custom Shop. Em muitos casos, os operários alternam entre uma e outra fábrica, afinal, estão ambas situadas na Baixa Califórnia e não distam muito uma da outra, apesar da fronteira pelo meio. Também são usadas em ambas as fábricas as mesmas máquinas de CNC (Controlo Numérico Computorizado). Há algo que é um facto e tem reflexo no custo dos instrumentos. A mão de obra é consideravelmente mais barata no México, onde o ordenado mínimo é cerca de 4 dólares/hora (nos Estados Unidos é quase o dobro). Dito isto, uma vez que são usadas as mesmas CNC, a Fender poderia fazer exactamente a mesma guitarra em qualquer uma das fábricas e cobrar menos pelos instrumentos construídos no México, pois o custo laboral é bastante menor. Porque não o fazem? Bom, essa é a questão do milhão de dólares…
Há uns anos era fácil diferenciar os modelos construídos num lado e noutro. Os instrumentos mexicanos recorriam a hardware e componentes mais baratos. Mas isso mudou. O controlo de qualidade segue também os mesmos moldes, como testemunhámos na visita às fábricas. Em teoria, os instrumentos “americanos” usam madeiras melhores. Mas a diferença está muito esbatida. Afinal as leis de protecção florestal e ambiental vão aproximar muito qualquer fabricante neste campo e a Fender está comprometida em adoptar o programa CITES. Além disso, a FMIC permite que o México produza instrumentos com uma nobreza bastante aproximada aos da fábrica de Corona. Isso é notório em várias gamas EVH, na Squier e mesmo em vários modelos Fender, como a aclamada gama Blacktop. Durante bastante tempo, por exemplo, as Stratocasters ou as Teles Made In Mexico [MIM] não apresentavam os braços com a circunferência tão suavizada. Isso notava-se bastante nas arestas da escalas. E o mesmo se passava com o entalhe da skunk stripe. Mas também isso deixou praticamente de acontecer. Bom, há modelos em que não deixa de ser notório, mas é algo que pode ser, teoricamente, esbatido se apresentarem o problema a um bom luthier e a diferença de preço continuará a compensar em muitos casos. O mesmo poderia ser dito em relação aos circuitos de pickups.
Caiu a administração Trump, acabou o espalhafato, mas as relações comerciais entre o México e os Estados Unidos continuam a deteriorar-se e o intercâmbio fronteiriço entre as fábricas da Fender poderá ter consequências. Aumentando as taxas alfandegárias será quase um reflexo natural que subam os custos dos instrumentos. E até que, para compensar, a FMIC o faça bilateralmente, aumentando os instrumentos mexicanos e estado-unidenses. Ou até que limite o mercado para a fábrica mexicana. Aliás, há o exemplo das guitarras japonesas da Fender que são, mais ou menos, uma coisa à parte. A Fender Japan foi fundada em 1982, numa era de transição na Fender. De modo a competir com as cópias baratíssimas de guitarras e baixos da marca, a Fender deu plenos poderes à fábrica FugiGen Gakki para produzir guitarras mais económicas no Japão. Desde os primeiros modelos construídos, onde se incluem as primeiras reedições dos designs offset Jazzmaster e Jaguar, novos e estranhos designs, acabamentos exclusivos e pequenas variações aos padrões de produção clássicos, os modelos Made In Japan garantiram a sobrevivência da marca até surgir a fábrica de Corona. Nos anos 90 começaram a surgir os modelos Crafted In Japan, quando a fábrica japonesa foi mudada. A partir de 2015 a FMIC assumiu total controlo da produção japonesa. Actualmente, o que acontece no Japão, fica no Japão. É um mercado, basicamente, fechado.
Não temos qualquer competência para afirmar a justiça das medidas de política internacional do governo dos Estados Unidos. Mas criar muros complicou todo o comércio internacional e aumentou os custos de importação e exportação. Basta lembrar que, num artigo que escrevemos para outra publicação, em 2018, a Moog, lendária marca de sintetização, teve que ponderar as acções a tomar para evitar os 25% de taxas de impostos sobre as placas de circuitos chineses, além dos componentes a isso associados, que utiliza nos seus produtos. Parecem estar a ser negociados novos acordos agora (ainda sem grandes conclusões, pelo menos na nossa perspectiva, completamente leiga nesses assuntos). No entanto, na altura, a marca enviou mesmo uma newsletter aos seus clientes e seguidores, avisando que essa taxa de importação terá efeitos «imediatos e drásticos no aumento dos custos de produção dos nossos instrumentos e contém potencial para nos forçar ao despedimento de funcionários e (no pior cenário possível) fazer com que mudemos algum do nosso fabrico, se não mesmo todo, para o estrangeiro». As coisas pareciam ter normalizado, mas depois veio a pandemia e a seguir a guerra. É matemática simples…
O que tem o Brexit a ver com tudo isto? Por maior boa vontade que as marcas mostrem, como a Moog manifestou, ou mesmo nos casos além da Fender, em que as marcas têm as suas bases de produção na Ásia, como os gigantes Yamaha Music ou Roland, por exemplo, o Reino Unido permanece como a grande base comercial e fiscal das maiores marcas na indústria musical. Yamaha, Roland, Fender, Marshall, Orange, Gibson… Há poucos anos, as maiores marcas possuíam sede ibérica e, neste momento, a maioria recuou para o UK, mantendo uma presença muito residual no nosso país. Foi uma aposta estranha, diga-se, afinal o Brexit é uma possibilidade há muito tempo (muito mesmo, pesquisem no Google) e o referendo que declarou a população britânica favorável à saída do Reino Unido da União Europeia já teve lugar em Junho de 2016! Talvez as marcas acabem por apostar em alternativas quanto à sua presença europeia.
De qualquer forma, o Brexit está aí e, sinceramente, ainda não se sabe muito bem com que tipo de acordo. A circulação e as taxas de importação e exportação estão a sofrer necessariamente consequências (leia-se que os custos irão aumentar) por deixarem de estar abrangidas pela Zona Euro. Num instrumento da Gibson ou da Fender, que custa 4000€, 3000€, 2000€ ou 1500€, só 30 % é que vai para a fábrica. O resto é para impostos, para dealers, para licenças. Uma vez mais, pode verificar-se a subida das taxas de impostos, dos custos de importação, e do preço dos instrumentos. Com os mercados a fecharem (Bexit, fronteiras, pandemia, bloqueios, guerra) como no supracitado caso Fender Japan, a oferta de modelos acabará, inevitavelmente diminuir drasticamente. Na verdade, isso já está a acontecer. Menos instrumentos (equipamento) e mais caros…
A forma como a FMIC compensou isto foi através de um aumento de preços nos modelos MIM. E enquanto os lucros são positivos a ideia é que a empresa não se preocupa muito como os atinge, o que é excelente para os músicos. O país, neste momento, e uma vez mais, exceptuando a Fender Custom Shop (pudera!) e a gama norte-americana Fender American Elite, já não tem muita preponderância na qualidade da guitarra, até porque estamos a falar de instrumentos produzidos em série, de forma massificada. De resto, essa foi a ambição original de Leo Fender.
PANDEMIA & DISTRIBUIÇÃO
Em 2021, a Gibson e a Mesa/Boogie confirmaram oficialmente que a gigante marca de guitarras comprou a icónica marca de amplificadores. JC Curleigh, Presidente e CEO da Gibson, referiu-se à fusão: «Na Gibson, procuramos estar à altura do nosso passado marcante e inclinamo-nos para um futuro inovador, numa busca que foi iniciada há mais de 100 anos, com o nosso fundador Orville Gibson. Agora, essa busca prossegue com a junção da Mesa/Boogie à família Gibson Brands, incluindo a liderança visionária da Randy Smith e da sua equipa que, nos últimos 50 anos, tem criado uma marca icónica e inovadora que resistiu ao teste do tempo. É uma parceria perfeita, baseada nas nossas experiências profissionais colectivas e numa paixão por som». No mesmo press release chegado às redacções surgia também um testemunho de Randall Smith. O engenheiro que fundou a Mesa/Boogie na sua própria oficina, começando por modificar amplificadores Fender e lentamente estabelecendo a sua tremenda reputação como um dos pionieros no universo dos amps boutique. Nos anos 70, a Mesa/Boogie já surgia em vários rigs ilustres e nos 80 já tinha uma reputação extraordinária, para a qual foram decisivos os amps Rectifier. Sobre a fusão com a Gibson, Smith diz: «Conto 75 anos e ainda trabalho todos os dias. Esta é a minha arte e muita da nossa equipa trabalha junta há uns 30 ou 40 anos. Na forma como vimos o JC e o Cesar [Gueikian] transformar a Gibson, reconhecemos almas gémeas com valores comuns e uma intransigente dedicação à qualidade».
Todavia, passou o ano e não surgiram novidades significativas da Mesa/Boogie. Aliás, a meio deste ano tornou-se claro que a Boogie suspendera mesmo novas encomendas até novo anúncio. Ainda que a procura pelos seus produtos se mantenha nos píncaros (e a marca prometa entregar todas as encomendas), o stock foi esvaziando até um cenário de escassez. Os motivos são as disrupções na produção de componentes, de válvulas e da mudança de produtor dos transformadores. De facto, a Magnetic Components, que produziu transformadores para a Boogie nos últimos 30 anos, encerrou portas como efeito colateral da pandemia. O novo fornecedor é a Schumacher, mas as coisas ainda não estão totalmente afinadas e a Boogie pretende realizar mais testes aos transformadores. Aliás, John Petrucci tem tocado com um protótipo do seu JP2C equipado com um dos novos transformadores e, diz-se nos fóruns, que o guitarrista dos Dream Theater está encantado com a resposta do equipamento.
As boas notícias indicavam que, já no início de 2022, o fluxo de produção/distribuição iria entrar no ritmo normal. Um dos engenheiros da marca referia num fórum Talkbass que muitas encomendas estavam a ser despachadas no território norte-americano, ainda que a marca continuasse, na altura, a rejeitar novas encomendas, pois as mais antigas estavam a demorar um máximo de três meses a serem despachadas, o mesmo acontecendo no envio de componentes para a marca e para a sua linha de produção. Além dos vários lockdowns, que naturalmente interferiram na produção de componentes e dos próprios produtos, surgem agora os problemas com a distribuição além-mar, com o preço dos contentores nos navios de carga a disparar e estes a trabalharem no limite da capacidade actual – este passou a ser o problema maior para a chegada de novos Boogies à Europa. Entretanto, como defende o PCP, Vladimir Putin decidiu invadir a Ucrânia para a purgar de nazis…
GUERRA & BLOQUEIOS
No Verão passado, o fundador da Electro-Harmonix, Mike Matthews, intrigou meio mundo ao anunciar os planos (algo críticos, diga-se) da empresa para colher energia da magnetosfera da Terra. Procurando esclarecer o assunto, acabou por fazer soar um alarme sobre o presente e o futuro da produção de válvulas para amplificadores. Falando sobre o que descreveu como a «crise dos Circuitos Integrados digitais», Matthews citou o encerramento de uma fábrica na China, colocando uma enorme pressão sobre as instalações russas da New Sensor, propriedade de Matthews, para suprir a procura global de válvulas de amps. Pois bem, um par de dias após a invasão militar à Ucrânia e consequentes sanções económicas impostas à Rússia, a EHX veio a público afirmar que o cenário se agravara. Numa declaração feita a 12 de Março (via Gear News), Matthews confirmou que a proibição de exportação da Rússia se aplicava às sete marcas de válvulas russas, fabricadas nas instalações da New Sensor.
«Dada esta proibição de exportação, não iremos receber mais nenhum inventário de válvulas dessas marcas», explicou Matthews. «Uma miríade de pressões – incluindo tensões contínuas na cadeia de fornecimento, despesas internas crescentes, inflação crescente e uma paisagem legal em constante evolução (particularmente à luz do conflito na Ucrânia) – criaram um ambiente muito fluido e ambíguo. Até que possamos avaliar devidamente o impacto destes factores, não honraremos quaisquer novas encomendas de válvulas russas». Poucas semanas depois, num comunicado publicado em todas as páginas de produtos de válvulas EHX, a marca declarou que estava «a aceitar novas encomendas, a processar pedidos em atraso e a esperar retomar o envio em Abril de 2022», com uma ressalva: «Considerando as várias pressões económicas mencionadas no nosso último anúncio, seremos forçados a aumentar os nossos preços nestas válvulas». Este aumento de preços, que será anunciado separadamente, aplicar-se-á a todas as novas encomendas e a encomendas atrasadas. Além disso, haverá provavelmente um novo aumento de preços nos envios, após o governo dos EUA – seguindo medidas do Canadá, que decidiu impor 35% de tarifas – implementar os seus próprios aumentos tarifários. Nesse sentido, a marca recomendava: «Podem cancelar qualquer encomenda em atraso se o desejarem, mas não o recomendamos, uma vez que há uma tremenda escassez de válvulas».
A Electro-Harmonix pode ter resolvido parcialmente a questão, mas impera a escassez no fornecimento e espera-se que os preços aumentem ainda mais, à medida que os governos de todo o mundo continuem a pressionar a Rússia através de medidas económicas. É aqui que surge a Western Electric. A Western Electric foca-se actualmente na construção de um estilo de válvulas de vácuo: a 300B. Esta válvula existe desde 1938 mas, devido ao seu baixo ruído, funcionamento linear, baixa distorção e potência de saída relativamente elevada, tem permanecido até aos nossos dias como um pilar fundamental do equipamento audiófilo. Juntamente com a válvula em si, a Western Electric fabrica também o amplificador 91E, um amplificador hifi de qualidade extraordinária, que usa, precisamente, um par de válvulas 300B.
Pois bem, a dada altura, se visitassem o website desta marca eram convidados a dirigir-se a uma página com a etiqueta “expand”. Aí se descrevia a razão pela qual a marca está actualmente a considerar fabricar outros tipos de válvulas. «A nossa fábrica mais recente está equipada para lidar com a produção de múltiplos tipos de válvulas e, à luz dos recentes acontecimentos mundiais, acreditamos que a nossa capacidade para o fazer pode tornar-se vital para a indústria», lê-se na página. Em seguida, pedia-se aos visitantes que preenchessem um formulário perguntando «que tipo(s) de válvula(s) quer ver fabricada(s) na América?». As opções incluíam uma gama de válvulas que são, actualmente, utilizadas em amplificadores de guitarra, juntamente com algumas que são utilizadas de forma mais geral, nomeadamente unidades 12AX7, EL34, 6L6, 6V6, EL84, 6H30, KT88 e 274B. O formulário perguntava então o que seria uma prioridade: qualidade, velocidade de entrega, preço ou tudo o que foi mencionado.
Se as fábricas ocidentais planeiam agora (à imagem do que sucede na crise energética) preencher uma lacuna no mercado, o desafio seguinte será a escala da produção. Companhias como a Western Electric dão resposta, actualmente, a um nicho de mercado, como é patente pelo preço (15 mil dólares) do seu amplificador 91E ou os mil e quinhentos paus que custa um par de válvulas 300B. Estes são preços absolutamente proibitivos na indústria de amplificadores de guitarra, habituada a preços imensamente mais reduzidos nas válvulas que, de resto, são concebidas com especificações bem distintas. Compressão, saturação e até distorção são factores indesejáveis na amplificação hifi, mas são a espinha dorsal do carácter de um amplificador de guitarra e a razão pela qual qualquer guitarrista os ama.
Sejam mais optimistas ou mais pessimistas e independentemente do vosso alinhamento partidário ou ideologias políticas, a escalada de inflação está para ficar e não são os 125 paus extraordinários do Governo que vos vão ajudar a comprar esse instrumento. Actualmente, e dizemo-lo outra vez, de um modo geral, importa experimentarem bem vários modelos e soluções e perceber, com as mãos na guitarra, aquele je ne sais quoi que ela exala e as evidências que mais sobressaem da sua qualidade de construção. Coisa que, acreditem ou não, podem sentir através de passos simples como perceber a acção e a entonação da guitarra, a suavidade do braço, perder tempo a percorrer cada traste, perceber a solidez da instalação dos componentes e hardware. Se a guitarra (ou instrumento) eleita for cara, provavelmente nunca será mais barata…
Um pensamento sobre “A Inflação nos Instrumentos Musicais”