ANZV, Gallas

O black/death metal carregado de influências cultuais sumérias dos ANZV e o impressionante domínio atmosférico e dinâmico de “Gallas”, álbum de estreia da banda com o selo Exorcize Music.

Em Abril passado, a Exorcize Music, editora que foi responsável por lançamentos de nomes já clássicos (e muito estimados) do underground nacional como Goldenpyre e Theriomorphic, anunciou o seu regresso às actividades editoriais com o lançamento dos ANZV, nome novo na cena black metal nacional. Do Norte, misteriosos e a revelarem-se aos poucos: começaram por mostrar apenas um teaser do álbum e depois, progressivamente os singles e o artwork de “Gallas”, que foi desenvolvido através de ilustrações de Inês Morais.

O álbum foi editado no dia 09 Setembro de 2022, com duas versões em vinil e outra em digipack. Apesar de recente, sabe-se também que o projecto conta com membros cujos caminhos se trilham há décadas no panorama do metal underground nacional e a ressurgida editora refere-se aos ANZV como «uma banda onde os ventos do Norte se fundem com a temática Mesopotâmica através de um Black Death Metal que vagueia entre o clássico e o post-black metal». Ainda de acordo com a editora, o título do álbum «representa um dos sete demónios que arrastam mortais para o antigo submundo mesopotâmico Kur, uma caverna sombria, localizada nas profundezas do submundo, uma versão da vida na terra na penumbra».

Naturalmente, se considerarmos a sua contextualização, o disco tem omnipresente uma estética médio-oriental, fundido escalas exóticas e instrumentos (ou samples) não temperados com a brutalidade do death metal e a ferocidade do black metal (na sua vertente mais old-school ou na mais progressista). Tudo isto dentro de um corpo sónico opressivo e cinematográfico.

Logo no arranque, com um drone de tambura e sintetizações ominosas, rompidas por um explosivo blast, “Isimud” apresenta-se como um compêndio daquilo que será o álbum. Com coros e orquestrações bastante ambiciosas, dissonâncias insidiosas nas guitarras, baixo trovejante e um espartano poder rítmico que, amiúde ganha os retorcidos grooves de Satyricon, com os compassos a oscilarem sob os fraseados das cordas – como se estivéssemos diante do altar de uma obscura divindade mesopotâmica, a inalar incensos psicotrópicos.

O grandioso sentido melódico dos Primordial também se intui, por vezes. A densidade atmosférica remete-nos para os Portal, tal como os súbitos apontamentos do bordão nas guitarras. As referências (mais acertadas ou totalmente ao lado) não obscurecem aquilo em que os ANZV melhor sucedem no vincar da sua identidade. Isso está patente na forma como a brutalidade dos temas transporta consigo esse estranho e enervante orfismo, hipnótico e hostil; e, além disso, na mestria com que as partes mais lentas servem para manter o álbum dinamicamente vigoroso, acentuando o impacto dos blastbeats. “Gallas” é um excelente álbum de estreia.

«Desafiar a verdade dos próprios fundamentos da nossa existência, pode levar-nos a quebrar esses axiomas e a substituí-los por nada mais do que um vazio. Um vazio que é tão agradável e apelativo que é quase impossível no olhar fixamente e, inevitavelmente, caminhar na sua direcção. Passo a passo, com o nosso passado a passar-nos diante dos olhos, drena-nos os sentidos e dá lugar à apatia, à medida que atingimos o precipício. ntão mergulhamos, numa rápida queda livre pelo ambismo, a estrela da manhã difusa no nada afundando-se através de cada um dos poros do nosso corpo.

Mas mesmo no fim, no limiar do infinito, somos projectados para trás, graciosamente dormentes: não somos ninguém em lado nenhum. Fomos marcados, como Caim, para sermos salvos do perecimento. Mas o que em tempos foi visto como um acto de misericórdia inabalável do criador, é o que nos remete agora para o submundo do niilismo e do desespero», lê-se no site oficial de ANZV.

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