Depois de alguma inconsistência e maior experimentação sónica nos três discos anteriores (mais o trabalho puramente orquestral), os Blind Guardian foram recuperar a força das suas origens thrash e speed metal e fundi-las com a sua tradicional competência e majestade nos arranjos e progressões melódicas. “The God Machine” transporta um equilíbrio que não se sentia há duas décadas, desde “A Night At The Opera”.
O heavy metal sempre extraiu muito do seu conteúdo ao universo literário fantástico. Até pela herança de muitas bandas do género se situar no prog rock dos anos 70, cujos temas líricos acompanhavam uma transcendência que a sonoridade impunha ao mundo racional do ouvinte. É nessa idade quase lendária do rock que surgiram os álbuns conceptuais e as óperas rock. Com essas influências e partindo do thrash e speed metal, os Blind Guardian fizeram a sua discografia em crescendo de maturação e descoberta de fusão entre uma atmosfera medieval, mágica e elementos épicos – no mundo da música só ao alcance das sonoridades dentro do heavy metal ou da música clássica – com enormes e complexas camadas de orquestração e registos vocais.
Em 1992, os Blind Guardian lançaram “Somewhere Far Beyond”, um marco lendário do speed metal alemão. Três décadas mais tarde, o seu mais recente trabalho, “The God Machine”, mostra os músicos a despertarem a fúria da sua juventude, num renascimento mágico (não fosse a fantasia literária o seu contexto preferido). Como se tivessem feito uma visita há muito esperada aos numerosos destaques da sua carreira, neste disco, os Blind Guardian parecem estar em contacto com o enorme legado do seu próprio passado.
Sete anos após “Beyond The Red Mirror” e quase três após a obra que os fãs aguardaram durante, pelo menos duas décadas – o disco totalmente orquestral “Blind Guardian Twilight Orchestra: Legacy of the Dark Lands”, Hansi Kürsch, André Olbrich, Marcus Siepen e Frederik Ehmke (bateria) abrem um portal para um crepúsculo dos deuses. Em 2022, os arranjos opulentos e os coros poderosos ainda existem; no entanto, são utilizados de uma forma muito mais selectiva, focada e ressonante. Um sinal de que as coisas estão cada vez mais maduras e que os alemães nunca repousaram no trono das suas conquistas.
“The God Machine” abraça totalmente a evolução dos músicos enquanto compositores, ao mesmo tempo que honra as raízes de uma banda que começou humildemente em Krefeld, Alemanha, com o speed metal sob a designação Lucifer’s Heritage, em 1984. Depois de mudar o nome para Blind Guardian, em 1987, continuaram constantemente a aperfeiçoar o seu ofício e lançaram clássicos como “Tales From The Twilight World” (1990), “Somewhere Far Far Beyond” (1992), “Imaginations From The Other Side” (1995) e “Nightfall in Middle-Earth” (1998), álbuns que formaram uma ligação entre o metal e a literatura de fantasia que é absolutamente inigualável na sua mestria. E nesse aspecto, ainda que neste disco as letras de Kürsch sejam inspiradas pelas obras de fantasia de Patrick Rothfuss ou “American Gods” de Neil Gaiman, “Stormlight Archives” de Brandon Sanderson, “The Witcher” ou até “Battlestar Galactica”. O background é claramente mais realista e, por isso, a mensagem tem um cariz mais impiedoso.
“The God Machine” versa sobre as modernas caças às bruxas, paranóia e guerra, também aborda trevas pessoais, como a morte da mãe de Kürsch, e coloca estes temas sombrios em algumas das mais rápidas e pesadas canções dos Blind Guardian em largos anos. “Violent Shadows” é uma carnificina de riffs thrash e baterias implacáveis; “Architects Of Doom” acena surpreendentemente ao arqueológico “Follow The Blind”; o triunfalmente melódico “Secrets Of The American Gods” é um dos mais notáveis épicos da banda desde “Nightfall In Middle Earth”; e o potente “Blood Of The Elves” é um hino galopante que está destinado a tornar-se obrigatório ao vivo.
“The God Machine” marca outro apogeu sónico na impressionante discografia dos Blind Guardian. Não procura fingir que ainda estamos na década de noventa, mas, em vez disso, confia na memória muscular deste período. É um álbum envolvente, viciante e brilhantemente arranjado, na tradição dos discos com que a banda se catapultou na referida década; no entanto, não é, de forma alguma, um manifesto saudosista.
“The God Machine” representa o coração e a alma do metal intemporal dos Blind Guardian no aqui e no agora, unificando os segredos passados, presentes e futuros dos bardos num disco consistente e bem pensado que, como quase sempre, só poderá crescer a cada audição…
Texto extraído e adaptado do press original, na Nuclear Blast.
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