Blind Guardian, Nightfall In Middle-Earth

A obra-prima dos Blind Guardian, “Nightfall In Middle-Earth” não é apenas um álbum de metal, mas uma obra musical maior e ainda um consciencioso estudo da 1ª era da Terra-Média [a Europa mitológica criada por J.R.R. Tolkien]. O álbum conta-nos da Quenta Silmarillion, as lendas da criação das três pedras de luz e da viagem e lutas dos elfos para as resgatarem do deus negro, Melkor.

O heavy metal sempre extraiu muito do seu conteúdo ao universo literário fantástico. Até pela herança de muitas bandas do género se situar no prog rock dos anos 70, cujos temas líricos acompanhavam uma transcendência que a sonoridade impunha ao mundo racional do ouvinte. É nessa idade quase lendária do rock que surgiram os álbuns conceptuais e as óperas rock.

Com essas influências os alemães fizeram a sua discografia em crescendo de maturação e descoberta de fusão entre uma atmosfera medieval, mágica e elementos épicos – no mundo da música só ao alcance das sonoridades dentro do heavy metal ou da música clássica – com enormes e complexas camadas de orquestração e registos vocais. Anteriormente conhecida como Lucifer’s Heritage, Blind Guardian é uma daquelas bandas que optaram por não dramatizar as suas aparições ao vivo. A partir daí, em vez de visualmente, a viagem é feita musicalmente. E por uma boa razão: é com o ritmo dos seus voos de seis cordas e as batidas do seu duplo pedal de bombo que a banda de Hansi Kürsch transporta o ouvinte das pacíficas colinas do Shire para o tumulto dos campos de batalha de Pelennor.

Terão percebido, por esta altura, que os Blind Guardian são fãs da fantasia heróica, e mais particularmente do papa do género: J.R.R. Tolkien. Um universo mágico que permeia grande parte da sua discografia, desde o álbum “Battalions of Fear” (1989) até “Beyond The Red Mirror” (2015). O orquestral “Legacy of the Dark Lands” (2019) serve de banda-sonora a um novíssimo universo da literatura fantástica e “The God Machine” (2022) foca-se em Neil Gaiman. Os temas perpassam dramatismo e encanto pelos personagens do livro, com enormes petardos de heavy metal, momentos sinfónicos épicos e momentos de fusão com motivos melódicos, duma ancestralidade mágica e medieval, irresistíveis, numa estrutura colossal.

Aqui atingiram o pico, “Nightfall In Middle-Earth” não é apenas um álbum de metal, mas uma obra musical maior e ainda um consciencioso estudo da 1ª era da Terra-Média [a Europa mitológica criada por J.R.R. Tolkien]. O álbum conta-nos da Quenta Silmarillion, as lendas da criação das três pedras de luz e da viagem e lutas dos elfos para as resgatarem do deus negro, Melkor.

Acreditando que alguns leitores possam estar perdidos no meio desta informação e que outros a considerem manifestamente insuficiente, debrucemo-nos sobre a música: “War Of Wrath” é o final da história, que de seguida será relembrada, e introduz-nos imediatamente dentro da atmosfera pela qual vamos viajar, com uma boa construção dum cenário sonoro de batalha, somos induzidos auditivamente no mundo de Tolkien – se o ouvinte for também um leitor o encanto é imediato. Cada tema será sempre intercalado por momentos narrativos que aceleram a história, e cada tema é uma obra de enorme complexidade.

Se a estrutura rítmica é relativamente simples, com o intuito de ser eficaz e suportar os múltiplos arranjos melódicos, é no trabalho de orquestração, que as várias linhas de guitarra e nas camadas vocais sobrepostas, que a obra se torna fenomenal. A criatividade e majestade dos vários elementos roçam o som dos Queen, mas também a intensidade dum Wagner, cuja complexidade é descoberta a cada nova audição, cada detalhe desvendado emotivamente em paralelo com o relembrar do livro.

Ao mesmo tempo que mantém uma enorme vitalidade sinfónica, o álbum consegue manter-nos cativos do desenrolar dramático dos contos que ilustra, como é exemplo um tema colossal como “Time Stands Still (At The Iron Hill)” em que é quase cinestésico o momento em que Fingolfin, no seu rito de suicídio diante do desespero pela derrota na Dagor Bragollach, sozinho, desafia Melkor, e ouvimos o rei elfo clamar: «I dare you / Come out / You coward / Now it’s me or you»! Outros momentos como em “The Curse Of Fëanor”, na qual a exclamação do grande senhor elfo, pesando a desgraça que a sua obsessão trouxe ao povo, jurando vingança: «Morgoth I cried / All hope is gone / but I swear revenge», valeriam por si só o preço do disco.

Os temas perpassam dramatismo e encanto pelos personagens do livro, com enormes petardos de heavy metal, momentos sinfónicos épicos e momentos de fusão com motivos melódicos, duma ancestralidade mágica e medieval, irresistíveis, numa estrutura colossal. É, possivelmente, a melhor adaptação do universo de Tolkien a outras formas de arte.