Dedicado aos conspiracionistas do 5G; recordando absconsa teoria dos chips disseminados no plano de vacinação contra a COVID-19, afinal o esquema do BOSS Metal Zone; e homenageando o romance que inspirou “Blade Runner”. Há muito a dizer sobre “Red Alert”, o novo single dos Clutch que abre as portas a um novo álbum e serve de preâmbulo à estreia nos palcos portugueses, marcada pela Prime Artists para Agosto de 2022.
Actualmente em tour pelos Estados Unidos, acompanhados pelos Eyehategod e Tiger, os Clutch estrearam um peculiar single que é também a primeira música que se pode ouvir para o sucessor de “Book Of Bad Decisions” (2018). O tema chama-se “Red Alert (Boss Metal Zone)” e está relacionado com uma das rábulas mais absconsas que os negacionistas e conspiracionistas da pandemia promoveram. Record Neil Fallon, frontman dos Clutch: «No início do ano passado, soube que o esquema do pedal Metal Zone da Boss estava a ser apresentado como ‘prova’ de que a vacina contra a COVID-19 tinha um componente electrónico para comunicar com as redes 5G. Era, claro, um tremendo disparate. Parecia uma premissa do Philip K. Dick; portanto, como não me interessava estar a escrever uma canção específica sobre as vacinas da COVID-19, abordei a coisa de outro ângulo… Pensei logo: será que os androides sonham com ovelhas eléctricas? Pensei em replicantes que representam o que é real e não real, ou será que não há diferença? O vídeo não faz segredo de que isto é uma homenagem ao Philip K. Dick e a um futuro onde temos distorção a correr nas nossas veias».
A DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À INFORMAÇÃO & IDIOTAS
A noção de que as vacinas para a covid-19 serão utilizadas pelos governos de todo o mundo para seguir cada movimento da raça humana tem sido há muito um tema de discussão entre os aficionadas das teorias da conspiração. Em Dezembro de 2020, surgiram novas “provas” dos proponentes italianos da ideia. Isto é, seriam provas, se não fosse um esquema do pedal da Boss Metal Zone. Os teóricos da conspiração partilharam o esquema online, afirmando que representava o diagrama para o suposto chip 5G. O esquema apresenta uma secção rotulada “frequência 5G” – claramente a fonte do momento eureka de muitos teóricos – assim como os termos que os guitarristas entenderão por familiares: MT-2 Gain e Footswitch entre os mais reconhecíveis.
Mario Fusco, um engenheiro de software sénior da Redhat, detectou a desinformação e levou-a para o Twitter para a sinalizar. «Aqui, em Itália, as pessoas começaram a partilhar esta figura alegando que este é o diagrama do chip 5G que foi inserido na vacina da covid», escreveu Fusco. «Na realidade, é o circuito eléctrico de um pedal de guitarra». Naturalmente, a imagem obteve algumas respostas bem humoradas, como a de um utilizador que escreveu: «Excelente. É bom saber que 5G depende de op-amps e cerca de 1n4148 díodos. A velha escola. Nada desse disparate digital e de microprocessador. Levarei uma em cada braço».
«Este é um Boss MT-2 Metal Zone e, confie em mim, não está a curar ninguém de nada, excepto talvez um bom timbre», escreveu outro utilizador daquela rede social. Portanto, se a teoria estivesse correcta, assim que fosse a tua vez, terias op-amps e díodos 1n4148 injectados directamente na corrente sanguínea. Isso não seria necessariamente mau, afinal…
BREVE SUMÁRIO DO METAL ZONE
Antes do MT-2, o HM-2 Heavy Metal foi lançado em 1983. Foi o primeiro pedal da BOSS a mandar-se para o selvático mundo da distorção high-gain, há quem diga que foi mesmo o primeiro verdadeiro pedal high-gain de sempre. O pedal foi aproveitado pelos Metallica no seu álbum de estreia, “Kill’Em All”, logo nesse abno de ’83. Todavia, apesar de ter ajudado a criar um dos maiores bastiões do thrash metal, o HM-2 sofreu com o contexto histórico. Os mega concertos de rock, o hair metal e a NWOBHM eram quem ditava a lei.
No entanto, longe do mega circuito norte-americano e do glam da Sunset Boulevard, estava a crescer um imenso negrume no underground do norte da Europa, o death metal sueco e, particularmente os Entombed. Formados em ’87, os Entombed desenvolveram a sua sonoridade em torno do HM-2, criando um som aclamado e copiado. Como? Além dos níveis demenciais de distorção do pedal, a secação de mistura apresentava dois potenciómetros, o “L” (para fazer sobressair ou abafar as frequências graves) e o “H” (que actuava da mesma forma para as frequências médias). Precisamente quando os médios eram cortados criava-se uma equalização “escavada”, com boost nos extremos graves e agudos das frequências, mas com os graves algo sufocados. Bom, para ilustrar a ideia nada como pegarem nos três primeiros álbuns dos Entombed, “Lef Hand Path” (’90), “Clandestine” (’91) e “Wolverine Blues” (’93).
Apesar de estar na origem de dois dos mais intensos estilos de música extrema, o pedal manteve-se longe do mainstream musical e do sucesso comercial. A sua produção foi interrompida em 1991. Acontece que, nesse ano o thrash metal atingiu o seu zénite, ou melhor os Metallica sentaram-se de vez no trono do hard rock e do heavy metal, através do seu álbum homónimo (aka Black Album). Também os Anthrax, outros dos Big Four, atingiram aclamação mainstream na colaboração com os Public Enemy. Foi sol de pouca dura e o rock virou para o reinado dos Nirvana, com os ducados dos Pearl Jam, Soundgarden, Smashing Pumpkins, etc. Mas a produção de uma linha de pedais não se muda de um dia para o outro e a BOSS viu-se com o seu novo pedal em mãos, o MT-2.
É uma adaptação (a marca chama-lhe evolução) do circuito do HM-2, oferecendo os mesmos controlos de volume e gain. Bom, sejamos honestos, com ainda muito gain (de sobra), mas sem a mesma quantidade dos modelos originais da década de 80. Os controlos “L” e “H” deram lugar aos EQs “High,” “Mid” e “Low” com +/-15dB boost ou atenuamento. A sua grande arma é potenciómetro mid-frequency, que permite definir (entre os 200hZ e os 5khZ) qual o espectro de frequências mais afectado pelos ajustes do boost/cut. O que ser perdeu em selvajaria, ganhou-se em subtileza e personalização. O MT-2 tem sobrevivido até aos nossos dias, teve reedição Waza Craft em 2018 e já no ano passado chegou a versão Waza do HM-2.
CLUTCH EM PORTUGAL
De volta aos Clutch. Já passam quatro anos desde a edição do álbum “Book Of Bad Decisions” – uma eternidade para uma banda que edita discos a rodos – e é bom perceber que a nova canção antecede um novo LP, fazendo fé nas palavras dp baterista Jean-Paul Gaster: «A ‘Red Alert (Boss Metal Zone)’ é um dos temas mais rápidos no nosso próximo álbum. Entra em acção e bate-nos como um comboio de carga. A intensidade da gravação faz-me lembrar os nossos espectáculos ao vivo. Mal posso esperar para a tocar em digressão!»
E por falar em digressão, com lugar de destaque assegurado no panteão da música pesada, uma dúzia de álbuns aplaudidos de forma universal, e em estado de graça desde que lançou “Earth Rocker”, o quarteto do Maryland vai protagonizar uma data-dupla no nosso país, subindo ao palco do Hard Club, no Porto, e do Cineteatro Capitólio, em Lisboa, a 1 e 2 de Agosto de 2022, respectivamente. Os concertos estão anunciados desde 2019. Originalmente planeados para 2020, obviamente que foram sucessivamente reagendados. Mas desta vez é a valer! Eis o press release da promotora das datas, a Prime Artists, com justos elogios:
Músicos geniais que, há várias décadas, continuam a lançar consistentemente álbuns carregados de canções que merecem figurar nos cânones do rock’n’roll. Os Clutch são isso tudo e, sem dúvida, uma banda muito, muito especial. Por um lado, porque se apoiam num rock/blues com balanço viciante, que não deixa ninguém ficar quieto ou, no mínimo, a bater o pé; por outro, porque não é só a música que brilha. São as letras altamente narrativas, às vezes bizarras, debitadas com classe por cima dos riffs fortes e da secção rítmica elástica, que tornam o quarteto ainda mais incrível. E, claro, há Neil Fallon – um pregador de hard rock com a cabeça cheia de letras interessantes.
Estão juntos desde 1991 e, desde aí, têm vindo a lançar um fluxo constante de álbuns para um número igualmente consistente de seguidores; pequeno, mas leal. Ao longo dos tempos, o som do quarteto evoluiu das raízes no punk e hardcore, abraçando funk, blues e rock a gosto. Em 2013, lançaram então “Earth Rocker”, a apoteose de um crescimento que, de “The Elephant Riders” ao mais recente “Book Of Bad Decisions”, passando por “Pure Rock Fury” ou “Strange Cousins From The West”, mostrou um grupo com identidade bem definida, mas sem medo de alargar os horizontes. O disco #10 foi, no entanto, o verdadeiro divisor de águas. De repente, havia muito mais gente interessada no que os fãs adoravam há mais de 20 anos, mas foi a perseverança dos músicos que fez dos Clutch uma das maiores bandas de “culto” do séc. XXI – um farol para os discípulos do rock’n’roll honesto, sem pretensões.
2 pensamentos sobre “Clutch e a Idiotização do Acesso à Informação”