No seguimento de “Limbo”, os GAEREA apresentam ainda maior capacidade de materializar o desespero e o nihilismo no seu terceiro álbum. “Mirage” soa com um poder selvático e sente-se como um intenso exercício catártico.
A primeira coisa que se destaca em “Mirage” são os contrastes dinâmicos que emergem logo no primeiro tema, “Memoir” e que evoluem no sentido daquilo que nos oferece o disco anterior, “Limbo”. De resto, essa sensação mantém-se em “Salve” e ainda em “Deluge”. Todavia, vai começando a emergir uma maturidade recém-adquirida e, com ela, maior ambição. Também composto por temas bem longos, tal como no LP anterior, a banda possui agora mais recursos técnicos e criativos, mantendo maior equilíbrio nas suas execuções.
E aí surge a segunda coisa a destacar e a mais determinante na audição do terceiro disco dos GAEREA é a impenetrável parede sónica do trabalho. São sucessivas vagas de distorção, linhas de guitarras tecidas como densas teias, poder ritmico avassalador e sempre uma envolvente camada de efeitos, que normalmente se sente apenas no decair dos compassos, caindo o reverb como um fino véu sobre os silêncios. Por fim, o épico sentido melódico dos oito temas é absolutamente irresistível. Num trabalho tão coeso e com uma intensidade e agressividades tão focadas, importa ainda destacar a prestação demolidora do baterista Diogo Mota. Num disco que, tal como os anteriores, não tem pretensôes de desconstruir estruturas tradicionais no metal extremo, a ferocidade de Mota é o pilar onde se sustenta a dimensão verdadeiramente catártica deste álbum.
Neste álbum, os GAEREA revelam um talento que estava até aqui oculto: a eficácia com que conseguem materializar e fazer-nos sentir desespero. Fazem-no por meio dessa já referida impenetrável e sufocante envolvência sónica, todavia sem nunca chegarem verdadeiramente ao shoegaze, que se instalou como tendência em alguns quadrantes, e abandonar a tradicional estética nihilista do black metal, ainda que o seu som não seja nada cru. E embora qualquer discussão musical que comece e termine com “riffs” seja à partida subjectiva, em qualquer contexto, seria escamotear a realidade não referir quão forte é a capacidade desta entidade, como Guilherme Henriques prefere referir-se aos GAEREA, na criação desses poderosos encantamentos auditivos.
Mais algum exemplo fosse necessário e “Laude”, ainda que comece por tresandar a Primordial, encerra o álbum de forma triunfal. É uma das melhores malhas de sempre no metal extremo nacional. No final, fica a sensação de que os GAEREA têm muito por onde evoluir – estará na altura de encontrar um produtor que os catapulte a ainda outro patamar. “Mirage” foi inteiramente concretizado em Portugal, junto de Miguel Tereso, que o captou, misturou e masterizou nos Demigod Recordings.
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