Hans Zimmer, A Música Etérea de Dune

A banda sonora de “Dune”, que resultou em três volumes de música, é um dos melhores trabalhos de Hans Zimmer. Através de um meticuloso e exigente trabalho de pesquisa e experimentação, fugindo dos moldes orquestrais tradicionais no Ocidente, o compositor criou um sumptuoso acompanhamento para o filme de Villeneuve e uma riquíssima ilustração do universo narrado nos livros de Frank Herbert.

A 94.ª cerimónia de entrega dos Academy Awards teve lugar no Dolby Theater, em Los Angeles, Califórnia, em 27 de março de 2022 (durante a madrugada em Portugal). “CODA” foi eleito Melhor Filme. Querida dos críticos, Jane Campion venceu o prémio de Melhor Realizadora. Will Smith, Jessica Chastain, Troy Kotsur e Ariana DeBose levaram as estatuetas nas categorias de representação. “Dune” valeu a Hans Zimmer o seu segundo Oscar, depois de “The Lion King”, em 1994.

O blockbuster de ficção científica “Dune”, baseado no sumptuoso romance de Frank Herbert, tem vários encantos visuais e um tremendo design sónico. A banda sonora é outro aspecto verdadeiramente sumptuoso no filme. O realizador, Denis Villeneuve, e o compositor concordavam em criar música com um sentido espiritual e capaz de evocar uma hierofania civilizacional. Para a criar, Hanz Zimmer escreveu várias versões, incluindo já a que servirá a sequela, trabalhando essencialmente com coros (principalmente femininos), percussão e cordas, além de alguns instrumentos acústicos de sopro, após uma primeira fase de exploração de instrumentos pouco usuais e mesmo da criação de sons sintetizados especificamente para Arrakis. A opção pelo foco nos coros deve-se ao facto de a voz humana ser uma constante transversal em qualquer civilização. A especificidade das vozes femininas estará relacionada com os agentes maiores do destino e da profecia desta história serem as mulheres, ainda que o protagonista seja masculino. De qualquer forma, “Dune” acaba por ser o trabalho mais experimental de Zimmer e pelo seu extraordinário volume foi editado em três volumes: “The Dune Sketchbook (Music from the Soundtrack)”, “Dune (Original Motion Picture Soundtrack)” e “The Art and Soul of Dune”.

Zimmer criou uma certa tradição estética, por recorrer excessivamente a sintetização e por essa dependência acabar por reflectir-se inclusivamente nos suas orquestrações. Por ser um dos talentos mais requisitados para escrever música para o cinema, os seus leitmotivs acabavam por denotar alguns vicíos nas progressões melódicas ou no corpo harmónico. Para começar, é perfeitamente notório que em “Dune” abandonou os seus lugares de conforto, ainda que num ou noutro momento possamos identificar o minimalismo da trilogia do Batman de Nolan ou as arritmias percussivas de “Black Hawk Down”. A dinâmica orquestral é verdadeiramente sumptuosa e este disco (focamo-nos na banda sonora principal) vai exigir escuta com auscultadores, para se obter uma experiência de autêntica imersão em Arrakis, nas etéreas paisagens sónicas e nos contrastes orquestrais de subtileza e poder. E fazer essa imersão é essencial para melhor apreciar detalhes como os frenéticos sussurros vocais em “Bene Gesserit”, que simulam o stress e ansiedade mental provocado pelas irmãs da sinistra ordem matriarcal que se esconde nas sombras do poder político do romance/filme.

O primeiro tema, “Dream of Arrakis”, abre em vagas de percussão e sons eléctricos ominosos; a tensão enervante de “Arrakeen”, com os seus pulsares a evocarem as asas dos ornitópteros, oprime imediatamente o sentido heróico e esperançoso do tema anterior, “Leaving Caladan”; essas pulsações sentem-se também, por exemplo, em “Night On Arrakis”, contrariando as iniciais melopeias vocais, traduzindo a enormidade do ambiente inóspito. Estes sentimentos negativos dominam a banda sonora, através do recurso a sintetizações, raspar de metais, flautas exóticas, pífaros irlandeses, percussões tribais, alguns drones de distorção de guitarra ou uma tromba de guerra que, na verdade, é um violoncelo modulado. E claro, os vocalizos que, como a grande parte do trabalho rítmico, verdadeiramente anti-groove, desafiam a notação musical ocidental.

O optimismo, o espanto diante do mistério e a esperança, só são abertamente revelados no final, com “My Road Leads Into The Desert”, que abre as portas da sequela narrativa. “Dune” é uma viagem tremenda. Se dispararem os três discos, a base de leitura ou releitura para o romance que originou o filme permite uma experiência absolutamente gratificante e esse será o grande triunfo do compositor. Conseguiu complementar o filme e ilustrar os livros.

ECLIPSE

A título de curiosidade, Denis Villeneuve escolheu “Eclipse”, do über clássico álbum “The Dark Side of the Moon”, como um dos elementos chave no primeiro trailer do filme, lançado a 9 de Setembro de 2020. Zimmer rearranjou o tema dos Pink Floyd e gravou uma cover interpretada por um coro de 32 vozes. Foi impactante. Afinal, nem os compositores costumam preparar música especificamente para os trailers, nem é costume que o façam recorrendo a pilares do rock clássico. esta versão foi gravada no período da primeira vaga da pandemia de COVID-19. Por isso, sob a condução de Edie Lehmann Boddicker, os cantores reuniram-se quatro de cada vez, em cubículos separados, divididos por vidro, ao longo de oito sessões. Doze deles cantaram as letras, enquanto o grupo inteiro executou as partes corais. A canção inteira foi gravada, mas apenas foi usada parcialmente no trailer de três minutos.

A versão de Zimmer – com uma duração de um minuto e 36 segundos – foi lançada como single digital a 09 de Outubro de 2020. Não foi incluída em nenhum dos três álbuns da banda sonora (lançados até agora) e não está incluída no filme.

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