Isaura, Invisível

Isaura transporta-nos numa onírica e deslumbrante viagem em “Invisível”, álbum onde se arroja na língua materna e funde uma miríade de correntes estéticas e as uniformiza com notável sofisticação.

Nascida em Gouveia, em 1989, a música chegou cedo à vida de Isaura que desde jovem compunha e interpretava os seus próprios temas. Tornou-se conhecida do grande público em 2010 no programa Operação Triunfo, em 2014 lança o tema “Useless”, seguindo-se a edição do seu primeiro EP “Serendipity”, em 2015, cujo sucesso fez com que Isaura esgotasse concertos por todo o país, especialmente na sua digressão com Francis Dale, tendo também atuado na BBC, em Londres.

Em 2018 editou o seu primeiro álbum “Human”, pela Universal Music Portugal, tendo sido também uma das compositoras convidadas para o Festival da Canção, assinando a letra e música de “O Jardim”, canção interpretada por Cláudia Pascoal, que venceu a edição desse ano. Em 2019 regressa às edições com “Agosto”, o seu primeiro EP exclusivamente em português. 

No dia 24 de março, Isaura editou “Invisível”. Trata-se do primeiro LP em português da cantora e compositora que, neste trabalho, reúne canções de amor e de esperança e nele celebra a vontade de dançar e a alegria de viver. Um álbum muito pessoal para a artista, no qual desafia os limites da pop e do indie, questiona-os e expande-se nos múltiplos registos do seu universo electrónico, retratando experiências da sua vida recente. Em “Invisível”, cada som foi meticulosamente concebido para transmitir sentimentos que, não se vendo, ditam tudo o que de mais importante somos e, como a própria Isaura refere, «há tanta harmonia na diferença».

“Invisível” integra doze temas, incluindo os singles “Viagem”, “A Noite Não Conta”, “Leve” e “Glória”, música que dedicou à sua mãe e que encerra o alinhamento do disco. A composição de todos os temas é da própria Isaura que, sobre isso, confessa que «são as canções mais honestas e verdadeiras que já escrevi; há frases que me deixam desconfortável. É esse desconforto que me faz sentir que o trabalho está feito».

O mais difícil em várias áreas da vida é simplificar a complexidade. Tomar cada pedaço, aparentemente desconexo, de existência, cada sentimento, cada derrota e cada conquista, num fluxo que possamos racionalizar retrospectivamente e, então, suavizar a sua interpretação. Essa solidificação das ideias, permite-nos encarar o inesperado com maior optimismo. A música é muito assim e, particularmente, “Invisível” sente-se dessa forma. O seu enorme espaço atmosférico, as pungentes melodias – que enorme vigor criativo Isaura revela neste disco – e o dinamismo rítmico, permitem que “Invisível” se instale suavemente na nossa percepção. A partir daí, somos surpreendidos amiúde pela desenvoltura dos arranjos, pelas síncopes dos beats e dos arpeggios e pelas progressões melódicas inesperadas!

O conforto da simplicidade surge ainda pelo calor orgânico da voz de Isaura, que nos embala numa intrincada e onírica tapeçaria electrónica. Como tão bem se constata no single “Viagem”, um universo entre a realidade e a ficção no qual Isaura é a personagem principal que abre portas em busca de respostas que acalmem as suas inquietações, passando por paisagens inspiradoras, mas simultaneamente inóspitas e totalmente dominadas pela natureza em todo o seu esplendor. De resto, a ideia destas dualidades percorre todo o vídeo em contrapontos constantes que se tornam indispensáveis para contar esta história.

Esteticamente é um álbum triunfalmente feito de convergências. Modernamente suburbano em momentos como “PHTGDM?” para, logo a seguir, ser pós-punk como sucede em “Só Quero Que Te Sintas Bem”. Tão depressa se apresenta trip-hop, como sugere fundações rítmicas transatlânticas nos momentos de dança. Alterna elegantemente entre apontamentos do pop asiático e “je-ne-sais-quoi” de Paião ou Variações.

Paradoxalmente, o coração pulsante do disco, a meio tamanha efusividade rítmica, surge no final. Sobre “Glória”, a artista comenta que «há muito tempo que queria fazer uma canção para a minha mãe. “Glória” não é a primeira tentativa mas foi a primeira canção em que senti que consegui dizer-lhe tudo o que sentia ser mais importante que ela soubesse, que ela é “casa”. Tal como em qualquer outro presente que se ofereça, o meu foco foi tentar que ela gostasse; esta vontade guiou a composição e muito das escolhas de produção».

E é precisamente isto que surge como resultado final, potenciado por um vídeo em que Isaura conecta com a sua infância, representada por Catarina Semide enquanto “jovem Isaura”, e explora as memórias de criança, nomeadamente, as que viveu com a sua mãe, que traz «numa embalagem de frágeis» e, ao longo da sua vida, a fez «saber p’ra onde ia».

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