Nos últimos anos ressurgiram três gravações que remontam ao período mais cintilante da carreira de John Coltrane. Recordamos e enquadramos cada um deles.
Preparem-se para uma viagem pelo fascinante mundo de John Coltrane, onde o cosmos do jazz iluminou-se com um brilho que definiu uma era. O período entre 1960 e 1965 foi um momento de transformação profunda para este lendário saxofonista, uma época em que ele ascendeu a alturas celestiais e gravou para sempre o seu nome nos anais da história musical.
No início dos anos 60, Coltrane não estava apenas a forçar os limites do jazz; ele estava a despedaçá-los, deixando os ouvintes boquiabertos e sedentos por mais. O seu saxofone era a sua nave, e com ele, ele embarcou numa odisseia sónica que desafiaria os próprios limites da expressão musical.
A carreira de Coltrane durante este período foi um caleidoscópio de inovação e criatividade. Ele apresentou ao mundo a sua revolucionária técnica “sheets of sound”, um turbilhão de notas que pareciam cair sem fim, levando os ouvintes a reinos sónicos inexplorados. Os seus álbuns como “Giant Steps” e “My Favorite Things” tornaram-se marcos icónicos da época, mostrando a sua virtuosidade e reinventando standards de jazz com um brilhantismo surpreendente.
Mas foi com a sua obra-prima, “A Love Supreme”, que Coltrane deixou de ser, meramente, um génio e assinou definitivamente o seu nome na galeria dos titãs da história da música contemporânea. Este opus espiritual mergulhou nas profundezas da alma humana, oferecendo uma experiência transcendental que ia muito além do domínio da música. Foi uma conversa íntima com o divino, uma oferta de amor e devoção através da linguagem do jazz.
Durante esses anos, a banda de Coltrane tornou-se um cadinho de inovação, com luminárias como McCoy Tyner, Jimmy Garrison e Elvin Jones. Juntos, eles conjuraram tempestades musicais, com cada membro mestre do seu ofício, forçando os limites da improvisação e da música de conjunto. Coltrane não era apenas um músico; ele era um feiticeiro sónico, tecendo feitiços de som que transportavam o público para novas dimensões. A sua música era um testemunho do poder da expressão humana e do potencial ilimitado do espírito humano.
Portanto, através de três discos redescobertos nos últimos cinco anos, juntem-se a nós enquanto exploramos este período notável na carreira de John Coltrane, um momento em que o seu saxofone era um conduto para o cosmos e a sua música era a banda sonora de uma revolução no jazz. Preparem-se para ser levados pelas vibrações cósmicas e tranquilas desta era quintessencial de Coltrane, onde inovação, espiritualidade e pura virtuosidade convergiram em sinfonias de transcendência.
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A 6 de Março de 1963, John Coltrane e o seu Classic Quartet – McCoy Tyner, Jimmy Garrison e Elvin Jones – gravaram todo um álbum de estúdio nos lendários estúdios Van Gelder. A música desse disco, que incluía originais inéditos, foi finalmente lançada 55 anos depois no dia 29 de Junho de 2018, com o título “Both Directions at Once: The Lost Album.
Na apresentação da Impulse! Records, pode ler-se: «A primeira semana de Março de 1963 foi muito atarefada para John Coltrane. Estava a meio da residência de duas semanas no Birdland e estava a preparar-se para gravar o célebre álbum “John Coltrane and Johnny Hartman”, o que aconteceu a 7 de Março. Mas um dia antes houve uma sessão de gravação que se tornou lendária, até hoje. A 6 de Março Coltrane e o seu quarteto foram para os Van Gelder Studios e gravaram material suficiente para um álbum, incluindo várias composições originais que nunca foram gravadas noutro lugar».
«No final do dia, Coltrane deixou os Van Gelder Studios com as gravações na mão, que partilhou com a sua mulher, Naima. Durante 54 anos ninguém voltou a tocar nestas gravações, até que a editora Impulse! abordou a família do músico para poder, finalmente, lançar este álbum perdido. Embora os masters nunca tenham sido encontrados, as gravações que se descobriram estavam em excelentes condições», conclui o texto.
Neste álbum, encontraram-se dois temas originais completamente desconhecidos e nunca ouvidos até à sua edição em 2018: “Untitled Original 11383” e “Untitled Original 11386”, ambos tocados no saxofone soprano. “11383” conta com um solo de contrabaixo com arco de Jimmy Garrison, uma raridade, e “11386” traz uma mudança estrutural significativa para o quarteto, uma vez que eles regressam sempre ao tema principal entre os solos, o que não era comum no seu repertório.
Além destes dois tesouros, “One Up, One Down” – lançado previamente apenas numa bootleg dos concertos no Birdland – podia ser ouvido na sua gravação de estúdio pela primeira vez. “Impressions”, uma das mais célebres e gravadas composições de Coltrane, é aqui tocada em trio, sem piano. Foi também nesta sessão de estúdio que Coltrane gravou pela primeira vez “Nature Boy”, composição que voltou a gravar em 1965, sendo que as duas versões são bem diferentes entre si, já que a que integra esse álbum perdido não tem solos e não tem mais que três minutos de duração.
A outra composição não-original do álbum é “Vilia”, da opereta “The Merry Widow” de Franz Lehár. A versão com saxofone soprano que se encontra na Edição Deluxe é a única faixa desta sessão que já tinha sido gravada anteriormente. “Both Directions at Once: The Lost Album” foi um grande acréscimo ao catálogo de Coltrane e uma das descobertas recentes mais importantes para o jazz.
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O concerto de John Coltrane a tocar a sua obra icónica “A Love Supreme” foi captado pelo saxofonista e professor Joe Brasil, em 1965, na última noite do período de uma semana de Coltrane na Penthouse, em Seattle. Naquela noite, ao palco subiram músicos lendários como Pharoah Sanders, McCoy Tyner, Elvin Jones ou Jimmy Garrison.
“A Love Supreme: Live in Seattle” foi restaurado e masterizado por Kevin Reeves nos Estúdios East Iris em Nashville, Tennessee. A gravação é particularmente notável, uma vez que Coltrane raramente tocou “A Love Supreme” na íntegra após a sua gravação em estúdio em 1964. Durante mais de seis décadas, acreditou-se que a única actuação pública gravada de “A Love Supreme” era de um festival francês em Juan-Les-Pains, em Julho de 1965 (uma versão com décadas). As bobinas de fita de Joe Brazil do concerto de Seattle em 1965 permaneceram na sua colecção privada até à edição de 2021.
“A Love Supreme: Live in Seattle” foi gravado com dois microfones no palco ligados a uma máquina de bobinas Ampex. «O que é notável é que as fitas desta era sofrem frequentemente, ao longo dos anos, de danos causados pelo calor ou pela humidade. Contudo, estas fitas estavam em excelentes condições e os resultados estão entre as melhores gravações amadoras de John Coltrane em que tive o prazer de trabalhar», dizia o engenheiro Kevin Reeves sobre este acervo. O álbum apresenta ainda liner notes escritas pelo historiador musical Ashley Kahn.
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Um novo álbum com um set de 1961 de John Coltrane e Eric Dolphy foi “descoberto” e editado já em 2023. As faixas consistem em gravações captadas durante a residência de um mês de Coltrane no Village Gate com um quinteto composto por Dolphy, McCoy Tyner, Reggie Workman e Elvin Jones. A sessão, há muito considerada perdida, foi recentemente desenterrada dos arquivos de som da Biblioteca Pública de Nova Iorque para as Artes Cénicas. “Evenings at the Village Gate” foi lançado a 14 de julho pela Impulse! Records e UMe.
Precisamente, “Evenings at the Village Gate” foi captado durante uma residência de um mês no já extinto Village Gate de Nova Iorque e inclui gravações de “My Favorite Things” e “Africa”. O lançamento vem ainda acompanhado de liner notes de duas pessoas presentes na residência do Village Gate, o baixista Reggie Workman e o engenheiro da gravação Rich Alderson. A historiadora Ashley Kahn, Branford Marsalis e Lakecia Benjamin também contribuíram para as notas do encarte.