No seguimento do primeiro álbum da série “Alive”, os KISS estavam finalmente a tornar-se um fenómeno mainstream. O álbum seguinte precisava de ser estrondoso. Bob Ezrin limou as arestas das composições, obrigou a banda a aproximar-se do nível técnico de Ace Frehley, e o resultado foi “Destroyer”.
Foi o álbum que firmou os KISS como super estrelas, apesar do sucesso do primeiro dos álbuns “Alive”, com as suas excelentes interpretações de “Deuce”, “Strutter” ou “Rock And Roll All Nite”. Aliás, os KISS precisavam que o álbum que se seguia fosse igualmente grandioso. Assim, Bob Ezrin, que havia criado o fenómeno Alice Cooper, foi o produtor escolhido para tornar o som da banda maior.
Aliás, numa entrevista recente, Bob Ezrin revelou que o seu papel na produção do álbum era transformar a banda numa que fosse popular entre as raparigas. Falando ao podcast Rockonteurs – apresentado por Guy Pratt, baixista de Pink Floyd/David Gilmour, e por Gary Kemp, antigo guitarrista dos Spandau Ballet, ambos de Nick Mason’s Saucerful of Secrets – Ezrin diz que os KISS só apelavam a rapazes adolescentes antes de “Destroyer”, que foi lançado em Março de 1976.
«O objectivo do ‘Destroyer’, do meu ponto de vista, era levá-los a deixar de ser uma banda de rock ‘cock and balls’, que apelava aos rapazes de 15 anos e a mais ninguém. Quando nos conhecemos, disse-lhes, vocês sabem que há um filme famoso dos anos 50 chamado ‘The Wild One’ com Marlon Brando e Lee Marvin. Havia dois clubes de motociclistas em conflito. Eram má rês, todos», recorda o produtor. No filme mencionado, Lee Marvin é um personagem monocromático, vestido de preto, simplesmente mau. Lee Marvin era apenas desagradável. Enquanto que o Marlon Brando: há algo nele um pouco vulnerável, um pouco mais humano. Por isso, «a rapariga, a filha bonita de alguém importante – uma boa cristã, linda rapariga, virginal, seja o que for – viu algo em Johnny, o personagem de Marlon Brando pelo qual se apaixonou», afirma Ezrin, para explicar a sua abordagem.
Pegando nas forças em conflito no filme, Ezrin revela o que disse à banda: «Neste momento vocês são o Lee Marvin. E isso é um telhado de vidro. Nunca vão passar disto. Serão apenas os putos de 15 anos a dizer: ‘Oh, isto é fixe’. Mas queremos chegar ao ponto em que todas as raparigas na América olham para um de vós e vão pensar: ‘Eu posso resgatá-lo. Eu amo-o e vou tratar dele’. Porque é isso que as raparigas fazem».
Beth
O produtor revela que a chave para esta transformação foi “Beth”, a balada de Peter Criss. A versão original do baterista era uma canção muito mais tosca, com o protagonista concentrado na importância da sua vida na estrada com a banda, em vez do tempo passado longe da sua amada. «Era um pouco mais galaró, um pouco arrogante. Basicamente, um tipo a dizer ‘Vai passear, pouco me importa, não vou voltar para casa. Eu e os rapazes somos o mai importante’ e todas essas coisas, além de estar algo oscilante. Voltei ao meu apartamento e sentei-me ao meu piano e não sei de onde veio, mas [a melodia] acabou por surgir. Pensei: ‘Na verdade, esta é uma canção muito triste. Porque é que ele não volta para casa? Ele sabe que lhe está a partir o coração. O que é que se passa?’ Então transformamo-la numa balada, uma balada realmente sensível e triste».
Com a transformação de “Beth”, Ezrin sabia que se iniciava uma nova era, apontada ao sucesso. «Acontece que o Peter tem este tipo de voz rouca que se prestava perfeitamente à canção nessa forma. Eu simplesmente pressentia que tínhamos em mãos um sucesso, mas o resto da banda não considerava que a canção fosse representativa dos KISS – e não era, na verdade, não na altura. Não era representativa dos KISS como as pessoas os conheciam. Mas era representativo dos KISS em ‘Destroyer’».
Expressão
Faltava outra coisa para elevar os KISS a outro patamar. À parte de Ace Frehley, a banda era pouco mais que competente na sua expressão musical. Era preciso muito mais consistência. Para isso, Ezrin obrigou a banda a submeter-se a intensas sessões de treino, para aumentar a capacidade técnica de cada um dos músicos (algo que era bastante irregular). Essa obsessividade espartana de Ezrin deu frutos, com Paul Stanley, Gene Simmons e Peter Criss a equilibrarem a balança com o seu excelente guitarrista solo.
No final, a banda tornou-se mais dinâmica, mais confiante e mais pesada. Prova disso é esse monumento chamado “God Of Thunder”. Tal como a marcante “Detroit Rock City” e, claro, a power ballad “Beth” revelam a versatilidade adquirida. Tudo isso cheio de efeitos, sons orquestrais e arranjos corais, numa produção megalómana para a época, carregada de açúcar e conffetis, mas a trazer definitivamente os KISS do glam para o hard rock.
45th Anniversary
Em 2021 foi editada a versão “Destroyer 45th Super Deluxe” do disco. Uma extravagância que inclui o álbum original em Dolby Atmos & 5.1 Surround Blu-ray Audio misturado por Steven Wilson, um livro de capa dura de 68 páginas, com fotos inéditas e extensas notas de sobre a sua produção. Com 73 faixas no total (48 delas inéditas) – o álbum foi remasterizado nos Abbey Road Mastering. Entre os bónus incluem-se a novíssima “Beth (Acoustic Mix)”, montes de edições únicas, demos, primeiras versões & outtakes como “Ain’t None Of Your Business”.
Enfim, trata-se de um imenso tesouro de coleccionáveis exclusivos. O livro é realmente de enorme qualidade e as fotografias são espectaculares! Nos brindes musicais, vale a pena destacar a versão instrumental de “Detroit Rock City”, tal como a sua versão demo original, que soa bruta a valer! No geral, as demos são muito fixes. E depois há o concerto de Maio de ’76 no L’Olympia, em Paris, que até aí era um dos mais perseguidos bootlegs dos KISS. A prestação de guitarra de Ace Frehley é simplesmente perfeita. Não se alonga nos futilmente nos solos e o dinamismo dos efeitos e dos licks é soberbo.
“Destroyer” é, provavelmente, o álbum de estúdio mais importante que a banda gravou. Como referido, reforçou o impacto ‘ALIVE’ e redimensionou a banda. É um grande álbum de rock clássico que resistiu ao teste do tempo, do qual já estava muito à frente quando foi lançado no dia 15 de Março de 1976.