Gente danada faz som danado. Nesta rubrica revemos alguns dos mais extraordinários trabalhos criados por músicos portugueses, devotos de volume e distorção extremos, de paisagens sónicas escuras ou violentas e do Grande Bode. Neste volume, viajamos esquizofrénicos entre o groove, o crust e o vil d-beat.
É comum dizê-lo, como será em todos os países, que o underground metaleiro nacional tem evoluído muito. Mas quem está familiarizado com a cena heavy portuguesa sabe que depois dos picos de intensidade no início dos anos 90 e alguns apontamentos esporádicos na década seguinte, os grandes discos de música extrema portuguesa não surgiam num fluxo constante. Felizmente, na última década, as coisas mudaram e há cada vez mais bandas e lançamentos com padrões bem elevados na composição, na atitude e nos aspectos sónicos, seja nas proezas instrumentais ou no enorme salto nos valores de produção que advieram da democratização das ferramentas de gravação.
Ainda assim, o metal continua a ser um género bastante guetizado em Portugal e há discos que passam despercebidos aos mais desatentos, quando deveriam ser alvos dos maiores louvores. É isso que pretendemos nesta rubrica. Podem consultar a primeira colheita (aqui), a segunda (aqui), a terceira (aqui), a quarta (aqui) e a quinta (aqui). Depois de um sexto volume e sétimo volumes, nos quais regressámos às profundezas do metal mais pesado, eis mais cinco tremendos discos que merecem a nossa e a vossa atenção…
No seu disco de estreia, os vila-condenses Crushing Sun confirmaram todos os predicados que lhes foram reconhecidos desde o split com os E.A.K. Em 2010, o comunicado que apresentava o álbum referia que “TAO” é «um cruzamento do groove gigantesco dos Lamb Of God, dos riffs demolidores dos Gojira, do sentido progressivo de uns Hero Destroyed e de uma personalidade própria sólida e impressionante. Uma das grandes estreias do ano». Esta última frase é impossível de refutar. Foi um discaço. Infelizmente foi o último, até hoje. Não sabemos se a banda está em hiato, activa ou separada. Os Crushing Sun categorizavam-se como death metal, há quem os refira como um grupo de estética próxima do sludge. Talvez sejam tudo isso, além das acertadas referências promocionais. Os riffs possuem alguns vapores metalcore e ainda que evoquem também o sentido prog dos Mastodon, o carácter hard rock ou heavy metal não abunda, como sucede nos titãs do estado da Georgia. O que abunda é peso e propulsividade esmagadores. A arrasadora dimensão sónica que “TAO” mantém, ao fim de mais de uma década, é verdadeiramente assinalável. Por isso, vale a pena referir que o disco foi totalmente captado, misturado e masterizado por Paulo Lopes, nos estúdios SOUNDVISION, de Vila do Conde. A produção coube à banda que, como poderão ouvir, sabia exactamente onde queria chegar e como o poderia fazer.
Formados em 2004, os Equaleft passaram a primeira década a aprimorar a sua desafiante fusão de death, thrash tech e groove metal. Sem lançamentos em catadupa e concentrando-se na sua solidificação enquanto grupo, foram-se redimensionando, ganhando coesão e calo ao vivo. Depois vieram os primeiros registos: a demo em 2008 e o EP “The Truth Vnravels” (2010). Estavam prontos para se estrear nos álbuns. E se a ambição da banda produziu malhões memoráveis em “Adapt & Survive”, de 2014, a competência técnica dos músicos atingiu um zénite em “We Defy”, de 2019. Desde as primeiras síncopes de “Before Sunrise”, o malhão que abre o disco, que se sente a proeficiência de cada um dos músicos e a forma como Miguel Inglês (voz), Bernard Malone e Miguel Martins (guitarras), André Matos (baixo) e Marco Duarte (bateria) conseguem soar como algo que poderá pensar-se como trivial, mas é (infelizmente) raro: com a unidade de uma autêntica banda. Por isso tudo isto parece tão orgânico. De outra forma, aliás, seria complicado detonar um malhão como aquele que empresta o título ao álbum e muito menos rebentá-lo ao vivo, como já os vimos fazer, por exemplo, no SWR. “Mindset”, logo de seguida, é mais um malhão cheio de poder, de dinâmica e groove. Claro, a banda não descobriu o segredo alquímico da pedra filosofal, mas apresenta uma completíssima enciclopédia dessa busca. Não somos os maiores fãs de djent, mas é impossível não reconhecer a elegância e o savoir faire de malhas como “Endless”, “Strive” ou “Realign”.
Os Simbiose são um dos maiores nomes no submundo do peso português, donos de um currículo invejável, onde estão arquivadas mais de três décadas de actividade, tornaram-se numa autêntica instituição do crust/metal/punk nacional. Aliás, em 2017, esse estatuto valeu-lhes um álbum tributo editado pela Raging Planet. É obra. Eu ando por aqui com mais uma década em cima que os Simbiose e nunca tive direito a ser tributado com um álbum! Formado em 1991, o grupo conta com uma série de trabalhos editados, onde se contam algun splits com nomes internacionais, e, acima de tudo, muita experiência de estrada. Em 2015, chegou o seu sexto álbum, “Trapped”. Foi um marco, de certa forma. Porquê? Um dos pontos fortes dos Simbiose, durante muito tempo, foi a dinâmica de dois vocalistas. Apenas com um, surgem com a sua fisionomia coesa e potente, deixando de lado a unissonância em que o género pode tender a embarcar, até porque o colectivo mistura com mestria o seu crust/grind, sem recorrer a blast beats a torto e a direito, com algumas idiossincrasias mais vívidas do thrash e estruturas tradicionais do punk. Nuno Rua está muito longe de ser um shredder, mas as suas linhas de guitarras compensam esse factor através de tremenda ferocidade, ritmicamente, o disco é absolutamente demolidor. Adjectivações que são congregadas na intimidante vociferação do Jonnhie. As malhas continuam a dividir-se entre a língua de Camões e o inglês, mas o disco é maioritariamente cantado em português. Propositadamente, diríamos, pela porrada constante no Governo da altura. No fundo, aquilo a que os Simbiose nos habituaram ao longo dos anos.
Depois dos três temas na demo de 2012, os setubalenses editaram o seu disco de estreia no ano seguinte. Homónimo e composto por 14 temas, entre eles duas colaborações [Diogo Major, dos A Thousand Words, em “Crazy 88’s”, e Dado Nunes, dos Ella Plamer, na viciante “Philophobia Part I”]. O álbum abre com a frenética “Something Something Darkside”, composta por variadas correntes estéticas e com um esquizofrénico final, que poderia ter sido escrito para um dos projectos de Mike Patton. “Karma Never Sleeps” segue-se, mais directo, mas confirmando o sentido experimental dos Ash Is A Robot. “Bowling For The Doublecheese”, dentro dos delírios matemáticos de outra venerável referência do disco, os At The Drive In. Tal como a mais atmosférica “Coraline”, que parece uma referência ao autor britânico Neil Gaiman] e acaba por transportar alguma melancolia nas suas melodias. “Crazy 88’s” é mais hardcore, até pela presença da voz do líder dos A Thousand Words, banda de Faro. “Moravia” tem uma sonoridade impregnada de elementos electrónicos, de sintetizadores, que encaixam surpreendentemente bem na composição e fornecem mais provas de que o grupo não se restringe a praticar um estilo em concreto, mas esmera-se em misturar a essência de várias escolas. Empenhados em procurar surpreender “Money” e a final “Mark My Words”, são malhas de exuberância energética e técnica. Como se fizessem suma dos pressupostos deste inusitado álbum.
Os Systemik Viølence surgiram de rajada, em 2016, com este “Fuck As Punk”. O EP, em vinil 7”, teve edição pelo obscuro selo alemão Crucificados Pelo Sistema (exacto, fãs de Ratos de Porão). Imaginem esta fundamentação misturada com a crudeza sónica e negrume dos Darkthrone. Pode não haver muito a dizer desta vil mistura de black metal, d-beat e uma porqueira punk sem quaisquer escrúpulos, mas também não há muito para não gostar…
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