Metallica @ Alive 2022 [Via RTP]

Uma multidão bem acima das 40 mil pessoas aclamou mais uma passagem triunfal dos Metallica em Portugal. Nenhuma outra banda desta dimensão foi tão fiel ao nosso país ao longo da sua carreira. Merecem todo o respeito. Já não são o que eram, mas nunca haverá igual.

O festival NOS Alive – a decorrer entre os dias 06 e 09 de Julho, no Passeio Marítimo de Algés – tem a RTP como televisão oficial, sendo o canal onde é possível assistir a alguns dos concertos em directo ou em diferido. A rádio difusora pública confirmou, nos dias anteriores ao evento, que iria acompanhar todo o festival, todos os dias a partir das 17h, na RTP Play (aqui). A grande surpresa foi a inclusão do concerto dos Metallica no calendário de transmissões. Ainda que tenha sido em diferido (com sensivelmente uma hora de diferença para o espectáculo ao vivo), não é todos os dias que a maior banda de heavy metal do mundo entra na programação generalista do principal canal televisivo do país. Sem credenciais de reportagem para o festival, decidimos atestar o frigorífico do lar de cerveja e assistir ao concerto através do grande ecrã e simular uma reportagem. Ad hoc, sem recurso ainda a revisão do concerto através da app ou da box televisiva…

Há algumas coisas que devem ser previamente assumidas, para enquadrar a experiência que tivemos do concerto. Os Metallica estão a ficar velhotes, não há volta a dar. A isso somam uma quilometragem que, possivelmente, só é ultrapassada pelos Rolling Stones. Os californianos fartam-se de trabalhar. Os homens já tocaram até na Antártida, por amor de Deus! Depois, esta foi a última data de nova incursão europeia (a banda tem agora um par de concertos agendados nos States no final de Julho/Agosto) e o cansaço impõe regras aos músicos. Finalmente, Ulrich, que nos últimos anos não tem primado pela exuberância técnica e se tornou o saco de pancada favorito de muitos headbangers, desta vez não se portou nada mal e, sem ser um portento, conseguiu várias vezes ser o dínamo que um baterista deve ser numa banda e, particularmente, numa banda de metal. Assim, a banda foi capaz de, em vários momentos, fazer-nos regressar aos tempos em que existiam, verdadeiramente, os mega concertos, como quando se estrearam em Lisboa, em 1993.

Com 40 anos celebrados em Setembro de 2021, os californianos vieram mostrar um alinhamento que procurou percorrer toda a sua discografia mas, para nosso gáudio, com maior foco na primeira década da carreira e, claro, no seu álbum de maior sucesso comercial, o homónimo álbum negro. Como sempre, “The Ecstasy Of Gold”, a épica com posição de Ennio Morricone para o mais famoso filme de Sergio Leone, concentrou a atenção na boca do palco. Surge de rajada “Whiplash”, do primeiro álbum e, no meio do urbano cartaz do festival, os Metallica soam mais ferozes e old-school metal, devido à pálida comparação com o que os rodeia. Nada contra, mas o progressivo e exponencial abandono das sonoridades rocker nos cartazes estivais portugueses promove esse choque de forma perfeitamente óbvia. “Creeping Death” vem aumentar essa sensação. Hetfield continua uma besta intratável, apesar dos seus contratempos de saúde, e faz um claro contraste com Axl Rose, cuja voz rebentou em cerca de 30 minutos, num concerto no mesmo recinto, algumas semanas antes. “Enter Sandman” promove maior convergência de aclamação na plateia, quiçá surpreendida por um esplendoroso arranque thrash metal. Então a incaracterística “Cyanide” surge um pouco “corta-mocas”. Em outras datas da digressão a banda tem optado por “Harvester Of Sorrow”. Poderá não ser um dos temas mais consensuais de “…And Justice For All” mas, pelo menos pessoalmente, permanece como um dos temas mais gratos dos Metallica, fazendo sempre evocar as imagens do infame Monsters of Rock de Moscovo, quando, a 28 de Setembro de 1991, milhares de pessoas se juntaram ao muro de “amplificação” que vociferou a sua liberdade e aclamou aí os Metallica como uma das maiores bandas de sempre em todo o mundo.

“Wherever I May Roam” abre um novo ciclo do álbum negro. Com “Dirty Windown” do mal amado “St. Anger” pelo meio de “Nothing Else Matters” e “Sad But True”. Tantas vezes injustiçado pelo seu estatuto mainstream, neste ciclo repara-se no quão pesado é o som do álbum de 1991. Já a respeito da sua balada, tal como irá suceder depois com “Fade To Black”, os sons limpos das guitarras de Hetfield e Hammett pareceram algo pífios. Pode ter sido um aspecto particular da transmissão televisiva ou das suas contigências, afinal não é a melhor vizinhança estar a “blastar” um concerto de Metallica durante as primeiras horas da madrugada. Nestes temas, Hammett pegou na lendária 1959 Les Paul Standard, que pertenceu a Peter Green (fundador dos Fleetwood Mac) e, posteriormente, ao seu discípulo Gary Moore. Não chamam “Santo Graal” às Les Paul desse ano por acaso. Nesses temas, a guitarra escolhida por Hetfield foi a “Carl”, o modelo custom construído por Ken Lawrence a partir de madeira previamente guardada por um amigo da banda. Essa madeira foi resgatada de uma garagem em Carlston, que detém um sentimento muito pessoal para os membros de Metallica. Foi nesse mesmo espaço que os álbuns “Master of Puppets” e “Ride The Lighting” foram compostos e ensaiados vezes e vezes sem conta. A garagem já foi demolida, mas a guitarra que nasceu em 2018 garante que o espaço não será esquecido. Essas são, por estes dias, as mais notórias guitarras que sobem a palco.

Já depois da cover do arranjo dos Thin Lizzy à tradicional canção irlandesa “Whiskey In The Jar”, o palco escurece e um sinistro corvo surge a anunciar “For Whom The Bell Tolls”. A partir daí, o concerto tornou-se num exercício de manutenção da apoteose. Talvez valha a pena destacar que os ecrãs (ou ecrã) foram uma das mais-valias deste concerto, mesmo vendo através da tv. A sua dimensão colossal potenciou a experiência de cada um dos temas e do concerto e foi emocionante em “Seek & Destroy”, com as imagens da juventude dos Metallica e do thrash metal. Na óptica desse espectáculo paralelo da produção, em “Moth Into Flame” surge o momento de maior aparato pirotécnico. Há uma chama a deambular, agitada, pelo palco (como uma traça) e várias vezes são expelidas chamas de várias torres, inclusivamente das torres de delay. O fascínio exercido sobre o público é evidente. “Moth Into Flame”, de verdade.

O encore trouxe o épico “One” entre dois disparos da obra-prima dos Metallica que é o álbum “Master Of Puppets”. Primeiro foi uma surpresa ver a banda aguentar a irascibilidade de “Damage Inc”. Naturalmente, o tema não teve metade da sua brutalidade original mas, ainda que a execução tenha estado longe de perfeita, tratou-se de uma questão emocional, da energia transmitida para a plateia, para a intensidade evocada, com a bandeira portuguesa como fundo de ecrã. A encerrar o concerto, claro, o tema do momento, a title-track do clássico disco e Trujillo com uma t-shirt do infame Hellfire Club. No final, fica sempre a mesma questão. Quantas bandas poderiam fechar um concerto com uma tríade de tal magnitude? Talvez nenhuma. Ainda assim, para os novos fãs, oportunamente gerados pelo impacto de “Stranger Things”, sejam muito bem-vindos aos braços da maior banda de heavy metal de todos os tempos, temos muita pena que só possam imaginar como eram os Metallica no seu auge…

Setlist: Whiplash; Creeping Death; Enter Sandman; Cyanide; Wherever I May Roam; Nothing Else Matters; Dirty Window; Sad but True; Whiskey in the Jar; For Whom the Bell Tolls; Moth Into Flame; Fade to Black; Seek & Destroy; Damage, Inc.; One; Master of Puppets.

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