A Autoridade da Concorrência vai analisar com maior profundidade a operação que pretende colocar a Ritmos & Blues e a Altice Arena nas mãos do gigante Live Nation Entertainment, na sequência de dúvidas levantadas pela Everything Is New.
Foi em Abril de 2023 que a empresa norte-americana Live Nation Entertainment, maior promotora de espetáculos do mundo, chegou a acordo para a compra de uma posição de controlo da Ritmos & Blues, promotora portuguesa fundada por Nuno Braamcamp e Álvaro Ramos na década de 1990. A empresa dos EUA tornar-se-á também a maior acionista da dona da Altice Arena. A informação consta de uma notificação da operação à Autoridade da Concorrência (AdC) publicada no referido mês.
De acordo com essa notificação, a Live Nation Entertainment, que está cotada em Wall Street, avançou para adquirir o controlo indirecto da Ritmos & Blues e da Arena Atlântico, dona da Altice Arena, e das respectivas subsidiárias, incluindo a participação minoritária na BlueTicket, empresa de bilhética.
A Arena Atlântico é controlada por um consórcio que conta com a Ritmos & Blues, Luís Montez (a título individual), dono da promotora Música no Coração, e Jorge Vinha da Silva, que é CEO da Arena Atlântico, bem como outros elementos da equipa de gestão. A Ritmos & Blues foi a promotora responsável por vários dos primeiros concertos em estádio em Portugal. «A Live Nation Entertainment celebrou um acordo para adquirir uma participação maioritária na Altice Arena em Lisboa, Portugal», confirmou ao Jornal de Negócios, na altura, fonte oficial da Altice Arena.
«As operações diárias na Altice Arena continuarão a ser lideradas pela sua equipa de gestão e pelos funcionários da Arena. Espera-se que a operação seja concluída logo que finalizados os procedimentos normais neste tipo de transação, incluindo a aprovação da Autoridade da Concorrência portuguesa. A aquisição de uma participação maioritária na Ritmos & Blues, um dos atuais acionistas da Altice Arena, foi parte integrante do acordo global», acrescentava esse comentário oficial.
A Altice Arena é uma das maiores arenas mundiais em termos de espectadores por ano e registou no ano passado o melhor resultado nos seus 25 anos de história (foi inaugurada, então como Pavilhão Atlântico, na Expo ’98). Em Dezembro de 2022, em entrevista ao Dinheiro Vivo, Jorge Vinha da Silva disse que esperava fechar o ano de 2022 com mais de 16 milhões de euros de receitas e um resultado antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (EBITDA) acima de seis milhões.
A Live Nation registou no ano passado receitas recorde de 16,7 mil milhões de dólares (15,2 mil milhões de euros ao câmbio actual) e um resultado operacional de 732 milhões de dólares (664,6 milhões de euros). A operação concede à maior sala de espectáculos do país acesso ao catálogo de artistas da Live Entertainment, que tem mais de dois milhares de nomes.
Autoridade da Concorrência Investiga
Todavia, a conclusão do negócio deverá, no mínimo, demorar a concretizar ou, no máximo, ser abortada. Isto porque, como avança Diogo Cavaleiro no Expresso, a Autoridade da Concorrência encontrou razões para analisar com maior cuidado e intensidade a operação de compra da dona da Altice Arena. A transação, através da qual a americana Live Nation pretende ficar com a Ritmos & Blues e parte do capital da empresa Arena Atlântico, avança para investigação aprofundada, depois de a Everything Is New ter levantado sérias dúvidas sobre a transparência do negócio. Tudo isto poderá remontar a cerca de 10 anos atrás…
Em 2019, o negócio da venda do Pavilhão Atlântico (PA), em Lisboa, a Luís Montez, dono da Música no Coração e genro de Cavaco Silva, passou a ser investigado pela Justiça por suspeitas de favorecimento. Salvo erro, ainda náo há conclusões na investigação. O equipamento, que custou ao Estado cerca de 50 milhões de euros, foi vendido ao consórcio Arena Atlântico por 21,2 milhões em 2012. O governo PSD-CDS optou por negociação particular em vez de concurso público, num processo quase secreto.
De acordo com uma reportagem da TVI, em 2019, a direcção do PA fazia parte do consórcio de Montez, mas isso só foi revelado aos outros dois concorrentes – o grupo de Álvaro Covões, dono da Everything is New, e a AEG – quando saiu a decisão de venda. Durante o concurso, a equipa manteve-se em funções e reuniu com os concorrentes sem lhes revelar que estava na corrida.
A investigação revela ainda que Montez conseguiu dinheiro para o negócio através do BES de Ricardo Salgado: o fundo de capital de risco emprestou 19 milhões de euros e entrou como acionista da Arena Atlântico, que gere o PA. Além disso, o banqueiro convenceu Zeinal Bava a pagar 11 milhões de euros para que aquele passasse a chamar-se MEO Arena. Uma operação cujos pormenores foram revelados pelas escutas telefónicas registadas no Processo Marquês. Tudo isto estará a pesar no estudo da Autoridade da Concorrência.
Já em 2012 se especulava sobre o interesse da Live Nation, que assumiu forma agora. A R&B é só mais uma promotora na longa lista de aquisições que a LNE tem encetado na última década, consolidando a sua posição de liderança no mercado. A juntar a esse domínio está a sua posição dominante no domínio da bilhética de espectáculos e a vigência de quase 400 contratos com artistas internacionais. Com tão poucos intervenientes no mercado dos grandes concertos em Portugal, a pressão para um monopólio vai acentuar-se e isso não é bom para ninguém…
É natural que a Everything Is New tema pela sua posição. Será mais difícil “roubar” Radiohead ao SBSR para figurar como headliner no Alive. E depois, e isto é puramente especulativo, algum ressentimento derivado do cisma entre Álvaro Covões e Luís Montez, na primeira década deste milénio.