Um cisma nunca bem-aceite pelos fãs da banda, que nunca deixaram cair o assunto (tal como os próprios músicos) ao longo de uma década. Agora é oficial, o mal-amado Mike Mangini saiu dos Dream Theater que acolheram de volta o filho pródigo e fundador da banda, Mike Portnoy.
Não é a maior surpresa do mundo, mas agora é oficial! Os Dream Theater anunciaram o retorno de Mike Portnoy à sua formação. O baterista vai reunir-se com o guitarrista John Petrucci e com o baixista John Myung — com quem formou a banda em 1985 no Berklee College of Music — e com os membros de longa data James LaBrie e Jordan Rudess, vocalista e teclista, respectivamente. Os Dream Theater, com a sua formação clássica restabelecida (ainda que Jordan Rudess não faça parte dos espetaculares álbuns da década de 90) têm planos de entrar em estúdio em breve e para começar a trabalhar naquele que será o seu 16.º LP de estúdio e o primeiro com Portnoy desde o muito aplaudido “Black Clouds & Silver Linings”, de 2009.
Com o baterista original a regressar à banda, Mike Mangini – que tocou com o grupo desde a saída de Mike Portnoy em 2010 – vai ser, obviamente, afastado, mas o músico diz perceber a decisão do grupo. «Eu entendo a decisão de trazerem o Mike Portnoy de volta neste momento. Desde o primeiro dia, a minha função não era preencher todos os papéis que o Mike tinha na banda. O meu papel era tocar bateria para ajudar a banda a continuar. O principal papel de manter a banda a funcionar ao vivo e com precisão todas as noites foi uma experiência intensa e muito gratificante», comentou Mangini.
«O Mike Mangini é um baterista de outro mundo e estou extremamente grato pelo tempo que passou nos Dream Theater. Estou muito orgulhoso de toda a música incrível que fizemos juntos, que culminou na nossa primeira vitória nos Grammys do ano passado, e nos incontáveis momentos mágicos que partilhámos em palco nestes últimos treze anos. Desejo-lhe o maior sucesso nos seus futuros empreendimentos musicais», referiu John Petrucci.
«Por outro lado, estou incrivelmente animado ao dar as boas-vindas ao Mike Portnoy de volta aos Dream Theater! Como elemento fundador original, amigo de longa data e um baterista incrivelmente talentoso e criativo, sei que o seu retorno vai trazer um espírito renovado, paixão e energia que todos nós, incluindo os nossos fãs, receberemos com alegria… Mal posso esperar para arregaçar as mangas e voltar ao estúdio!», concluiu o guitarrista.
O baixista John Myung também teceu os seus comentários: «É óptimo voltar à forma com o nosso baterista original Mike Portnoy. Começámos a tocar juntos como Majesty há quase 40 anos e estou entusiasmado para ver o que esta próxima fase dos Dream Theater criará para o futuro. Desejo nada mais do que o melhor para o Mike Mangini por todo o sangue, suor e lágrimas que ele colocou nos Dream Theater durante os seus 13 anos na banda».
Mike Portnoy, por seu lado, declara: «Estou extremamente feliz por voltar a casa para reunir-me com os meus irmãos! Há tanta história partilhada entre todos nós… tantas lembranças, tanta música. Pensar que estamos prestes a completar 40 anos desde o início desta jornada é incrível e a ideia de criarmos música nova juntos é incrivelmente empolgante. Mal posso esperar para ir em digressão e tocar ao vivo para uma nova geração de fãs que nunca tiveram a oportunidade de ver esta formação antes. Não há lugar como o nosso lar!»
Mal-Amado
Após uma longa novela, Mike Mangini sentou-se pela primeira vez a escrever com os Dream Theater no álbum homónimo de 2013, já depois depois de ter entrado para o lugar de Mike Portnoy para gravar “A Dramatic Turn Of Events”. Mangini juntou-se aos Dream Theater em finais de 2010, através de uma audição amplamente divulgada e na qual superou outros seis dos melhores bateristas do mundo: Marco Minnemann, Virgil Donati, Aquiles Priester, Thomas Lang, Peter Wildoer e Derek Roddy. Depois de ter criado a sua reputação na década de 90, quando tocou com os Extreme e, mais tarde, com Steve Vai, Mangini havia abraçado, a tempo inteiro, a carreira de professor no reputadíssimo Berklee College of Music. Deixou essa posição para passar a tocar com os Dream Theater.
Isto foi motivo de enorme cisma. Para muitos fãs, a sua forma clínica de execução e com uma precisão cirúrgica a bater, tornam o som demasiado frio, desprovido de groove. Citando livremente um amigo baterista, o Mangini tecnicamente é melhor do que o Portnoy, mas executa como um músico contratado que tem que cumprir a sua função e não deixa o seu cunho nem alma nas batidas. As batidas são monótonas, sem vida, sem dinâmica. Soa sempre com o mesmo volume e intensidade, soa artificial e demasiado mecânico.
Já em 2021, numa entrevista no “The Everyman Podcast”, Mike Mangini abordou o facto de ainda não ter sido aceite por um amplo número de fãs, que se mantém agarrados aos dias em que Mike Portnoy ainda estava na banda e que ainda avaliam cada segundo dos Dream Theater sob essa lente.
«Estamos [Dream Theater] sob um escrutínio tal que chega a ser quase hilariante. Não importa há quanto tempo [estou na banda] – há um pequeno grupo de fãs para os quais simplesmente, não importa o quê, não há nada que possa fazer bem. Não há qualquer problema – as pessoas estão habituadas àquilo a que estão habituadas e tudo isso. Isso simplesmente não me incomoda. Compreendo isso. Mas essa malta… Todos os primeiros comentários que surgem estão a bater-nos e é toda essa malta. (…) Estão sempre à espera de cada coisa nossa, apesar de já não gostarem de nós. Acho isso bizarro».
O baterista aprofunda mais a questão da ligação emocional dos ouvintes a certos discos ou momentos das bandas. «Tudo o que sei é que essas pessoas aparecem sempre e permanecem. Por isso, pergunto-me porquê. Mas talvez seja, mais uma vez, uma coisa de nostalgia: ‘Ei, sou um fã de AC/DC. Não quero mesmo que se afastem muito do ‘Back In Black’. Não quero’. Cada banda teve um par de álbuns, uma era ou o que quer que seja, que certas pessoas gostam mesmo. E quando isso muda, é desconfortável. A questão é a seguinte, o essencial de tudo isto: compreendo isso. Eu disse-o desde o primeiro dia: Não vou ser apreciado por certa percentagem de pessoas. E também não teria gostado de mim. Portanto, siga», confessava, descontraído.
Reconciliação
15 anos depois de “Suspended Animation”, John Petrucci editou o seu segundo álbum a solo. “Terminal Velocity” estreou no Outono de 2020. O baixista que gravou com Petrucci foi Dave LaRue e o baterista Mike Portnoy, colega de LaRue nos Flying Colors!
Naturalmente, a reunião entre os dois músicos foi um tema central, na altura, numa sessão de perguntas e respostas que Petrucci promoveu com o clube de fãs oficial dos Dream Theater. «É espetacular ter o Mike Portnoy a tocar bateria nisto. Obviamente, o Dave LaRue tocou no meu primeiro álbum a solo, “Suspended Animation”, e também andou em digressão comigo muitas vezes, nos G3, tal como o Mike que também andou comigo nos G3, na verdade no primeiro deles, aí por 2001. Sim, ter o Mike na bateria foi muito fixe. Foi uma excelente experiência», referiu Petrucci na conversa – podem ver o vídeo no player seguinte.
O músico também falou sobre como surgiu esta renovada ligação com Mike Portnoy: «Temos falado muito e ele deixou-me a ideia na cabeça. Contei-lhe [sobre os planos para gravar novo disco a solo] e ele disse ‘Bom, se precisares de alguém, estou disponível’. Fiquei a pensar que lhe iria cobrar isso. Até já tinha escrito todas as malhas e programado a bateria. Tinha gravado baixos, o engenheiro do disco também, portanto as canções estavam completas», admite Petrucci, que não resistiu a convidar o antigo colega.
«O Mike veio, aprendeu tudo e, claro, acrescentou o seu gosto. Fez um trabalho enorme e espetacular. Foi muito divertido como que nos reunirmos musicalmente e fazer isto juntos. Foi um trabalho de cerca de seis dias. Repito, ele fez um excelente trabalho. A bateria tem um som fenomenal. O Dave gravou tudo remotamente, refazendo todos os baixos».
Petrucci detalhou também outros nomes que trabalharam no disco: «É misturado pelo Andy Sneap, a primeira vez que trabalho com ele, e está tremendo. Actualmente, ele está nos Judas Priest, ocupando o lugar do Glenn [Tipton], que já não aguentava. É incrível a fazer misturas e tem um currículo impressionante. Misturou “Firepower”, o mais recente de Judas Priest, e um monte de outras coisas – Killswitch Engage, Arch Enemy, Machine Head, a lista continua. Ele é extraordinário. Por isso, o álbum tem um grande som».
No seguimento do álbum solo de Petrucci, Mike Portnoy aproximou-se ainda de Jordan Rudess, quando os três músicos tornaram a chamar Tony Levin para um novo disco de Liquid Tension Experiment. Assumindo que não há qualquer querela com John Myung, resta saber como James Labrie encara este regresso, afinal em 2019 Mike Portnoy foi bastante deselegante com o vocalista.
Mike Portnoy teceu comentários bastante depreciativos sobre James Labrie no programa de rádio brasileiro “Bem Que Se Kiss”, na rádio Kiss FM. O programa foi transmitido em livestream através da sua página no Facebook. Durante o programa, foi abordado um certo assunto, sobre um inconveniente de linguagem. Um dos locutores refere que alguém tinha boas intenções, mas que a linguagem era um problema, altura em que Portnoy largou a bomba: «Era como Dream Theater, mas sem as vozes irritantes. Era perfeito». Insinuando que a banda instrumental de que fez parte seria melhor.
Imediatamente, vendo todos a rirem ao seu redor, Mike Portnoy questionou: «Não estamos no ar, certo?» Quando lhe foi dito que, de facto, estava, Portnoy riu-se, mas parece revelar algum desconforto com a situação. Podem ver a entrevista completa AQUI. No player imediatamente em baixo pode ver-se o insólito momento.
Como referido, o baterista, um dos fundadores dos Dream Theater, saiu da banda em Setembro de 2010. Foi entretanto substituído por Mike Mangini. James LaBrie, dentro da banda, foi uma das vozes que excluiu a possibilidade de uma reunião com Portnoy, afirmando que Mangini será o baterista dos Dream Theater até que a banda cesse a sua carreira.
Depois de dois álbuns de estúdio, no espaço de apenas um ano, os Liquid Tension Experiment nunca mais gravaram. Em 2008, o quarteto reuniu-se para alguns concertos que celebravam o 10º aniversário do seu primeiro álbum. Contudo e apesar do mau ambiente evidente entre, pelo menos, Portnoy e LaBrie, em Abril deste ano, John Petrucci e Jordan Rudess afirmavam-se disponíveis para se tornarem a reunir com Mike Portnoy e com o baixista Tony Levin. De acordo com esses dois ainda membros dos Dream Theater, reactivar os Liquid Tension Experiment é apenas uma questão de agilizar as agendas dos músicos envolvidos. O que aconteceu.
Restava saber que consequências poderiam advir deste descaramento de Portnoy na relação com Labrie, mas tudo parece sanado. O vocalista dos Dream Theater comentou a mudança, mostrando-se agradecido a Mangini e entusiasmado pelo regresso de Portnoy: «Ter o Mike Mangini connosco todos esses anos foi, simplesmente, uma jornada incrível. Ele é um dos bateristas mais incríveis e naturalmente talentosos com quem tive o prazer de trabalhar. Obrigado, Mike. A vida é uma viagem muito estranha e acho que é isso que a torna ainda mais interessante e envolvente. Ter o Mike Portnoy de volta à banda é exatamente onde nós e as coisas deveriam estar. As coisas costumam dar uma volta completa e, neste caso, faz todo o sentido. Estou animado com as perspectivas desta formação clássica dos Dream Theater se reunir. Posso dizer com absoluta confiança que esta será a encarnação final dos Dream Theater, com muitos capítulos ainda a serem escritos no nosso futuro. Adiante! Bem-vindo de volta, Mike Portnoy».
Um Regresso Há Muito Anunciado
Mas porque dizemos que os rumores apenas foram intensificados e a surpresa neste regresso não é gigantesca? Bom, os rumores de uma possível reunião começaram a ouvir-se com maior intensidade em 2022, quando, em Março desse ano, Portnoy apareceu num concerto dos Dream Theater – vendo um concerto da sua antiga banda pela primeira vez em 11 anos – e esteve com os seus ex-companheiros nos bastidores. Depois, durante o Outono do ano passado, andou a tocar novamente com Petrucci na digressão a solo do guitarrista, protagonizando os primeiros concertos que fizeram juntos após o cisma dos Dream Theater.
O assunto nunca esteve esquecido e o exemplo seguinte é apenas mais um entre muitos. Poucos dias depois do já refererido episódio com o vocalista, o assunto Mike Portnoy e os Dream Theater regressou à ribalta. Se, na época em que o baterista saiu da banda não se falou praticamente noutra coisa, o assunto foi esmorecendo, mas por esses dias tornava-se cada vez mais recorrente.
Ainda antes de acabar o ano de 2019, Mike Portnoy foi convidado no programa “Drinks With Johnny”, da autoria de Johnny Christ, seu antigo companheiro nos Avenged Sevenfold. O baterista abordou a sua passagem dos Dream Theater para os A7X, no seguimento da morte de Jimmy “The Rev” Sullivan. «Penso que ambas as partes necessitavam uma da outra, naquela altura. Vocês precisavam reerguer-se. Foi assim que me senti – que estava ali para vos ajudar. E vocês, conscientemente ou não, foram um suporte para mim numa altura importante, pois estava há 25 anos nos Dream Theater e chegara a um ponto em que não aguentava mais. Precisava de uma pausa. Andar em digressão convosco foi refrescante e fez-me ver que havia vida para lá da pequena bolha de Dream Theater, onde estivera encerrado durante 25 anos. Foi muito bom para mim, abriu-me os olhos para muitas coisas», confessou Portnoy.
O virtuoso músico referiu-se ainda ao impacto que a sua saída da banda que fundou teve nos A7X: «Decidi que necessitava de um tempo afastado deles; precisava de poder explorar outras coisas, fosso ou não convosco. E sabia isso – sabia que as coisas poderiam não resultar entre vocês [A7X] e eu, porque não sabia se vocês estavam prontos para esse compromisso. Até porque toda a situação com Dream Theater deu azo a um enorme drama na altura, com todos os cabeçalhos no Blabbermouth. Cada vez que dava uma entrevista, tornava-se na m*rda dum cabeçalho. Foi horrível e, acredita, algo que nunca desejei. E tenho a certeza que para vocês foi uma enorme distracção».
Portnoy reforçou depois que estava saturado dos seus colegas em Dream Theater e admitiu ainda que pode não ter sido aquilo que os Avenged Sevenfold precisavam, que percebeu que «aquilo que vocês queriam era focar-se no legado do Jimmy e no que fazer a seguir, entendo que o timming não era o melhor». No entanto, não havia volta a dar: «Para mim, não importou. Se não fosse convosco, precisava de fazer outras coisas com pessoas diferentes – era isso o que precisava na minha vida e na minha carreira».
O baterista explicou mais profundamente essa saturação: «Os Dream Theater sobrecarregavam-me com compromissos, porque não queriam parar. Não estava pronto para fazer esses compromissos. De qualquer forma, aconteceu o que aconteceu e, naquela altura, após um ano convosco, vocês seguiram a vossa vida e eu segui a minha».
Apesar de referir não ter amargura e de que o que aconteceu serem águas passadas, Portnoy faz uma observação mordaz: «Passaram nove anos e estive em dezenas de bandas e projectos diferentes. Gravei, literalmente, 40 álbuns neste período. E os próprio Dream Theater, não o digo para os criticar, mas eles próprios só gravaram quatro álbuns desde quer saí. E eu precisava de muito mais que isso», passando então a enumerar as suas experiências com Metal Allegiance. Com Twisted Sister e Stone Sour. E as bandas que criou, os The Winery Dogs, Sons Of Apollo e Flying Colors.
Face a esses últimos nove anos, Portnoy afirma não se arrepender de nada. «Tem sido uma epopeia incrível e não mudaria nada. Tenho uma tatuagem que diz ‘No Regrets’. Tudo acontece por uma razão e não poderia estar mais feliz com o caminho por onde enveredei desde a minha experiência convosco [A7X]. Sou muito grato por isso e fico contente pela forma como as coisas se passaram convosco».
Podem ouvir a entrevista aqui. Resta esperar por nova música, mas seria mais acertado apostar numa digressão de reunião primeiro…