Numa altura em que a banda prepara um novo álbum sem a cativante Patrícia Andrade e sem o produtor/baixista Fernando Matias, aqui fazemos uma síntese da carreira dos Sinistro e de cada um dos seus álbuns.
A coesão das composições, o charme negro que está presente no som dos Sinistro e um gosto depurado dos músicos, são factores que ajudam a que o recurso à voz feminina não adquira um carácter genérico, de gosto duvidoso e de excesso dramático, tão presente em tantas bandas que associam as suas origens ao doom metal e usam a voz feminina como protagonista. Através do axiomático álbum “Semente”, cativaram meio mundo. O disco, editado pela Season Of Mist (Abril de 2016), foi alvo de altos louvores na crítica nacional e internacional e acabou mesmo por levar a banda em digressão europeia, que arrancou em Londres, no Doom Over London, e passou no festival de culto Roadburn, em Tilburg, por exemplo.
Nick Holmes, frontman dos Paradise Lost, um dos velhos poderes do doom europeu, revelou publicamente o quanto a banda o impressionou. Os Sinistro acabariam por fazer uma digressão junto dos britânicos no final de 2017, antes do álbum da plena maturidade, “Sangue Cássia”.
Depois da conquista do sucesso internacional, com concertos pela Europa e América Do Sul, com “Sangue Cássia” a ser considerado o melhor disco português do ano na revista especializada LOUD! e ter entrado na lista dos dez melhores do ano para a Arte Sonora, os Sinistro revelaram que a banda iria enfrentar uma mudança de lineup, após a saída de Patrícia e Fernando Matias. A banda tem estado no processo de composição de tão fulcral disco e já realizou algumas sessões de estúdio. Enquanto não chega o novo álbum, vamos olhar a discografia até aqui.
SINISTRO, 2012
Ouvir a entrada simples e ambiental deste registo começa a fazer despontar uma sensação de imediato reconhecimento ao trabalho sonoro, ao tratamento e solidez do som de guitarras, que, depois, a entrada arrasadora da secção rítmica surge a para tornar pleno. Trabalhos com esta dimensão sonora são algo qualquer adepto do género desejou, durante muitos anos, ver feito no nosso país. O único pecado será o som demasiado “digitalizado” de alguns leads de guitarra. De resto, esse “sonzão” torna-se um factor de maior admiração quando pensamos na inócua pasmaceira de produção em que este mundo moderno da fusão do post, com o doom e o sludge se foi tornando, com peças instrumentais sem a mínima preocupação dinâmica. E se é certo que esta estreia dos Sinistro poderia ter uma compressão menor, com mais espaço, isso é compensado pelas boas estruturas musicais.
SEMENTE, 2016
“Semente” possui uma produção sonora exímia, na qual os efeitos e sintetização (e até programações, como no tema título) não subtraem dimensão à parede de amplificação. O metodismo de construção melódica e dinâmica (com o zénite em “Estrada”) vai além das tendências do mundo moderno da fusão do post, com o doom e o sludge, procurando, efectivamente o sentido de canção, em vez duma mera busca por “peso” que, todavia, não deixa de ser constante no álbum, mesmo em momentos new wave como “Reliquia”. Assim, o grande triunfo de “Semente” é a elegância das composições, a sua violência e esquizofrenia charmosa. Qualidades que, já presentes no primeiro LP e no próprio EP, estão aqui exponenciadas.
SANGUE CÁSSIA, 2018
Não é só o peso esmagador, atmosfera densa ou a voz etérea de Patrícia Andrade. Acima de tudo é a enorme panorâmica das composições da banda que, sem ser sinfónica, nem pretendendo ser, consegue criar detalhes cuja soma, depois de interligados, é uma intensidade emocional tremenda. Em “Sangue Cássia” a banda aumentou o seu punch sonoro, com um muito maior rugido de distorção nas guitarras, soando mais poderosa e arrasadora. Patrícia, talvez para que as observações ao seu talento vocal deixem de vez os inócuos adjectivos como “sensual”, “teatral”, etc, oferece-nos as portentosas performances de “Lótus” e “Vento Sul”. Sublime!
CIDADE, 2013
Voltando atrás, depois do primeiro álbum instrumental, o EP “Cidade” foi axiomático nos Sinistro, tendo surgido a voz de Patrícia Andrade. Na altura, a cantora integrava Pedro e Os Lobos: «Fomos tocar a Almada e o Ricky foi ver. Umas semanas mais tarde o Ricky e o Fernando contactaram-me. O EP estava na fase final de composição e convidaram-me a participar, dando-me total liberdade artística. Foi um encontro espontâneo». A força homogénea dos Sinistro, derivada do equilíbrio entre voz e instrumental, poderia pressupor um elevado trabalho de estudo mútuo, mas a naturalidade dos processos, a forma espontânea como banda e voz se uniram.
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