Paul Gilbert

Paul Gilbert, The Dio Album

Em “The Dio Album”, Paul Gilbert pretendeu apenas prestar homenagem ao imortal Ronnie James Dio e a alguns dos maiores clássicos de sempre do heavy metal. Ainda assim, este é um daqueles casos passíveis de cisma, ama-se ou odeia-se.

Paul Gilbert é um dos nossos shredders favoritos, já desde os longínquos tempos em que surgiu nos Mr.Big e pelo seu humor musical e inigualável assinatura sónica. Quanto a Ronnie James Dio, dificilmente haverá um metalhead ou rocker que se preze e não guarde um altar para o vocalista, um dos melhores de sempre, dos Elf, Black Sabbath, Rainbow e para os seus extraordinários álbuns a solo. Dito isto, um álbum de guitarra a emular a lendária voz de Dio? É uma ideia perigosa…

Simular o calor orgânico da voz humana raia o impossível, seja qual for o instrumento usado. Ainda assim, não é algo que nunca se tenha visto antes. Se olharmos apenas o universo da guitarra, entre muitos outros casos: Peter Frampton ficou famoso por isso, Steve Vai sempre o perseguiu (em muitos casos com notáveis aproximações), John 5 fê-lo com “Beat It” e, para dar um exemplo que já mereceu destaque na nossa plataforma, Andy Timmons saiu-se bem na versão que gravou do icónico “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”. Quanto a este “The Dio Album”, basicamente, há duas hipóteses de o abordar: aceitar que se trata de uma homenagem e admirar o seu fervor zelota ou considerá-lo uma piada de mau gosto, uma espécie de pan pipe moods/música de elevador. Por aqui, entendemos quem o veja desta segunda forma, mas vamos mais pela primeira.

No que diz respeito às canções escolhidas e não podia ser de outra forma, esta selecção é uma lista assombrosa de clássicos do heavy metal que resistem ao teste do tempo como megalitos mágicos. As melodias vocais originais são seguidas à risca, tal como o corpo instrumental clássico dos temas. Paul Gilbert, de facto, não se preocupou muito em trazer novas nuances ou possibilidades para a equação, mas honrar não apenas Dio como os lendários guitarristas que gravaram as malhas originais: Tony Iommi (Black Sabbath), Richie Blackmore (Rainbow) ou Vivian Campbell (DIO). Surge uma vez mais o cisma, se por um lado, o contexto e, principalmente, a voz e as letras são uma enorme parte da alma imortal destes clássicos, não é menos verdade que aqueles que adoram os álbuns de guitarra vão ter a possibilidade de desfrutar de uma alucinante viagem sónica. Com sorte, muitos possuem um conhecimento residual destas bandas clássicas e, partindo deste disco, poderão almejar corrigir isso.

Há outra coisa que este disco nos oferece. Um corpo sónico modernizado, com uma nova mistura, dos clássicos que foram gravados, ainda que mesmo neste aspecto haja um enorme zelo em manter um feeling aproximado aos registos sónicos da época. Dessa forma, é quase indistinto ouvir a estrutura rítmica de “Neon Knights” tocada por Paul Gilbert daquela que os Sabbath gravaram no primeiro álbum com Dio. Há um bom uso de chorus e phase em “Man On The Silver Mountain”, acrescentando aquele sentimento psicadélico e retro dos anos 70, e aquele staccato, com o uso dos dedilhados em vez da palheta, à Blackmore. A energia dos solos é extraordinária.

Na verdade isso é algo que, independentemente do lado do cisma que assumirem, há que reconhecer como o grande mérito deste disco: a sua paixão! O disco é percorrido por uma intensidade frenética e por uma entrega devocional e, simultaneamente, metódica de Gilbert. Essa minúcia permite a recriação dos synths de “Holy Diver” apenas com recurso à guitarra e ao delay, reverb e controlo do botão de volume do instrumento. Ou o detalhe de emular aquele bocca chiusa ou o «yeah, yeah» de Ronnie, antes de iniciar o primeiro verso. Ao longo de toda a malha, uma das melhores do disco, estamos diante de uma técnica de mão esquerda arrepiante.

“Heaven And Hell” é outra das grandes conquistas, com a reprodução fidelíssima do groove de Geezer Butler e do dinamismo das linhas vocais de Dio. Vibrato, alterações abruptas do pitch e aquele assombroso preenchimento harmónico de Iommi na primeira metade da malha. Soberbo. “Long Live Rock ‘N’ Roll” é outra execução fidelíssima ao instrumental original dos Rainmbow. O mesmo com o regresso aos Sabbath em “Lady Evil” e ainda com “Starstruck”, de volta aos Rainbow, que é como ouvir Blackmore se este tocasse limpinho, mas retivesse toda aquela espessura do seu timbre. Talvez os semi-acústicos “Don’t Talk To Strangers” e “The Last In Line” pudessem ter ficado fora do álbum, tornando-o mais compacto, mas assim também ficaríamos privados do riff monumental de Vivian Campbell no último.

Feitas as contas, olhado pelo que é, um apaixonado tributo a Ronnie James Dio e ao heavy metal, feito por um guitarrista de técnica e saber enciclopédicos, “The Dio Album” é um excelente disco. Paul Gilbert deve ter-se sivertido à brava.

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