Partindo da anacrónica demo tape “1986+35”, os Rage and Fire reforçaram a sua crença inabalável na NWOTHM. Mais épico, mais sólido e mais dinâmico, “The Last Wolf” é o excelente álbum de estreia dos portugueses, via No Remorse Records.
Votado ao ostracismo a partir do final da década de 90, o heavy metal tem regressado paulatinamente e, em muitos casos, com imensa criatividade ou apenas por devoção saudosista. Acima de tudo, as bandas que têm carregado a espampanante e gloriosa tocha do género, fazem-no com a assinalável integridade criativa que o mesmo tinha nos seus primórdios. Em Portugal, há exemplos notáveis como os Midnight Priest, os Toxikull e, mais recentemente, os Rage and Fire.
Os Rage and Fire surgiram em Lisboa, durante o ano de 2021, formados por Mário Figueira e Rick que tocaram juntos nos Ravensire até à dissolução da banda em 2020. Em meados de 2021, fizeram uma gravação caseira de três canções e lançaram-nas como uma demotape. Esta foi denominada “Demo 1986+35”, devido ao lamentável atraso histórico da sua criação efectiva, e esgotou-se muito rapidamente.
Essas malhas chamaram a atenção do underground, das editoras discográficas e dos media, e começaram as gravações para o primeiro álbum completo com o título “The Last Wolf”. Ao Mário Figueira (shredder valente), ao Rick (o visceral baixista de Filii Nigrantium Infernalium) e ao Vasco Machado (trovejante baterista), juntou-se outro enorme shredder nacional, o Fred Brum. O quarteto revela imensa solidez enquanto banda. A integridade sónica e competência estrutural e musical das malhas levaram-nos a assinar contrato com o selo No Remorse Records, que editou “The Last Wolf” em Junho de 2023.
O álbum de estreia dos Rage & Fire está repleto de riffs frenéticos e um verdadeiro espírito bárbaro, inspirado nas lendárias bandas de metal do passado. Voz a rasgar (em momentos faz-nos pensar em Hansi Kürsch, nos primeiros álbuns dos Blind Guardian), twin guitars sobre baixos cavalgados, bombo duplo com fartura e refrães de ampla dimensão coral. Não é à toa que os nacionais Rage & Fire se descrevem como uma banda devota à New Wave of Traditional Heavy Metal.
Na vigorosa demo que editaram em Julho de 2021, estão englobados os sons do heavy metal, speed metal, e as primeiras formas de power metal dos anos 80 e início dos anos 90. Percebem, agora, a referência aos primeiros álbuns (digamos, esticando um pouco a corda, ali até ao “Tales From The Twilight World”) dos Blind Guardian? Isso será mais notório no bloco central do disco, que inclui os temas “The Summoning”, “Tell The Tales (of Medusa)” e “Black Wind”.
Contudo, desde o início, com a abertura homónima “Rage And Fire”, sente-se mais a reverência à banda mãe-disto-tudo, os Iron Maiden e ainda dos Manilla Road. “20th Century Man” (talvez o tema mais imediatamente orelhudo) e “Shapeshifter” colocam os Running Wild na equação. Talvez seja útil referir que não estamos a atirar nomes de bandas para o texto, para menorizar os Rage and Fire, apenas para ajudar a definir a sua ortodoxia.
No final de contas, a banda não está (nem pretende) a inventar a roda. Ainda assim, o seu singular carisma é bem evidente e os Rage and Fire são capazes de mostrar traços de personalidade bem definidos, com a maturidade dinâmica das composições a permitir exaltar a bateria de Machado.
O picking das guitarras ouve-se detalhadamente, bem old school, em vez da tendência que se veio a instalar nas misturas de comprimir o som para criar uma massa uniforme para arredondar o som. Com a habituação que se cria esse tipo de produção, ouvir este disco entra no registo de «primeiro estranha-se, depois entranha-se». Na mesma linha, os solos soam articulados e vigorosos.
Essa opção de produção é decisiva para exaltar a composição da malha-título, o autêntico épico que encerra o álbum. “The Last Wolf” tem a sua letra directamente adaptada do poema “Un Lobo”, do argentino Jorge Luis Borges, e emana a aura do período viking dos Bathory. Fecha este disco, que é um autêntico “grower”, com chave de ouro!