Seventh Storm, Maledictus

Por todos os motivos, todos os olhos da comunidade metaleira estavam colocados no álbum de estreia dos Seventh Storm. Cheio de know-how, com poder de execução e produção deslumbrante, “Maledictus” não defrauda (pelo contrário) qualquer expectativa.

Sendo um elemento crucial dos Moonspell, a mais importante banda portuguesa de metal, durante quase 30 anos, Mike Gaspar estabeleceu finalmente um novo veículo criativo para celebrar o seu amor pelo heavy metal, a sua herança cultural e a sua paixão pela música mais selvagem com raízes profundas no tecido do nosso mundo.

Ancorado num forte sentimento de dor e raiva, o primeiro registo do colectivo liderado pelo ex-baterista e fundador dos Moonspell – cuja formação fica completa com Rez na voz, Ben Stockwell e Josh Riot nas guitarras e Butch Cid no baixo –, foi totalmente gravado nos Dynamix Studios em Lisboa, entre Maio e Outubro de 2021, com as misturas a cargo do reputado Tue Madsen. Descritos pela editora como «uma demonstração de pura força de vontade», os temas de “Maledictus” funcionam também como uma verdadeira declaração de intenções, com os quatro músicos a fundirem toda a experiência acumulada no passado com um engenho sem igual para a criação de canções memoráveis, que misturam de forma exemplar peso com melodia.

Com influências que vão dos Bathory, Celtic Frost ou Morbid Angel aos Van Halen ou Mötley Crüe, passando por Samael, Tiamat, Paradise Lost, Fields Of The Nephilim, Cradle Of Filth e Dead Can Dance, em “Maledictus” é evidente a diversidade estética. São ainda discerníveis elementos sinfónicos e sopros de fado e música oriental. A fusão é feita através de um sentido prog rock, nem que fosse apenas pela extensão das canções. Para aqueles que conhecem o Mike, para lá do seu trabalho nos Moonspell ou mesmo na sua primeira banda, os Decayed, este enorme caldeirão de estéticas criadas em torno da guitarra eléctrica não serrá tão surpreendente. O músico luso-americano sempre venerou da mesma forma o negrume dos Darkthrone ou os momentos mais AOR dos Scorpions ou Saxon. Portanto, enorme variedade estética. Mesmo! A grande conquista é a forma como tudo soa uniforme e sobressai a qualidade e solidez das composições, tal como a voz de Rez, capaz de ligar a tradição e o contemporâneo.

Apesar de “Maledictus” não ser álbum conceptual estão presentes muitas amarras musicais e extramusicais que remetem para a nossa herança cultural e histórica. Desde logo pela nau em mares tormentosos que ilustra a capa, mas também no tema do primeiro single, “Saudade”. Um tema em que Mike «queria uma canção que falasse às pessoas que se preocupam e amam a nossa pátria», referindo ainda «o amor pelos nossos pais. A memória daqueles que perdemos e de que sentimos tanta falta. Este sentimento de que alguns amigos ou familiares ainda continuam ao nosso lado, a guiar-nos e dar-nos uma direcção. Uma pessoa em quem pensei muito foi no Peter Steele. Era um fantástico ser humano a ser um bom amigo. Um gigante gentil. Senti realmente que ele me estava a empurrar para fazer o que me estava destinado. Era um grande fã da cultura portuguesa e, claro, do nosso vinho». Tornou-se uma trend, o viking metal, mas do alto da sua reputação internacional, Mike Gaspar deixa claro que o povo português (e por favor, isto não tem qualquer conotação fascista e nacionalista) tem raízes profundas, que remontam aos lusitanos, e tem n’Os Lusíadas a sua própria epopeia – quase como um Kalevala.

As mitologias e as civilizações antigas sempre foram das águas de riqueza mais abundante para as bandas de heavy metal lançarem as suas redes. É nesse sentido aliás em que, por exemplo, se enquadra também um tema como “Gods Of Babylon”, com a sua introdução médio-oriental e talvez o mais pesado do álbum. Uma vez mais, as palavras do Mike permitem enquadrar os antecedentes da canção: «Tal como nos tempos da Babilónia, [em que] os deuses representavam uma mistura de justiça, cura e compaixão. Eram eles que traziam luz para que a agricultura prosperasse nos anos futuros. Esses são valores que devemos adorar hoje em dia também. O passado mostra-nos os efeitos da guerra e da fome. O ensinamento mágico destruído e perdido. Espero que esta canção traga de volta esses valores e enriqueça as nossas vidas com sons de um passado antigo. Devemos avançar unidos mais uma vez. (…) Temos de agradar aos Deuses!»

“Maledictus” também não parece ser um statement contra ninguém, mas há também uma certa carga confessional (e todos sabem do que estamos a falar). Nas velas há rasgos, como as feridas, coisas que não ficaram tratadas como deve ser, a erosão das águas turbulentas, «as pessoas que perdemos ao longo desta vida, isso está tudo ali no mar», diz o baterista a propósito daquele que foi o segundo single do disco, “Haunted Sea”, canção que nos leva «numa viagem através de águas traiçoeiras. É sobre superar os perigos e os medos desta vida. Não há outra saída senão lutar através das ondas para chegar a terra seca. Encontrar o amor e a paz para todos». Foi a primeira canção que os Seventh Storm escreveram como banda. Há imagem do álbum, a força e a unidade são os elementos que lhe dão vigor.

Em “Maledictus”, é certo que há muitas coisas que soam algo genéricas, oleadas para vingar nos grandes cartazes e festivais de música pesada na Europa Central, mas a banda erguida em torno de Mike Gaspar embarcou também numa jornada de desoberta pelas águas tão turbulentas quantos misteriosas e deslumbrantes da história mais abrangente do metal. De resto, na sua estreia, o disco entrou directamente para o topo (2ª posição) das tabelas nacionais de vendas, um feito que confirma o quão aguardado era o primeiro registo deste projecto muito especial.

“Maledictus” foi editado mundialmente no dia 12 de Agosto de 2022, através da editora alemã Atomic Fire Records. Podem adquiri-lo nos mais variados físicos e digitais AQUI. Para ouvi-lo, disparem o player seguinte.  

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