Manzarek

Manzarek

Venice Beach, no ano de 1965. Quis o destino num dia de Verão reunir Jim Morrison e Ray Manzarek. Nesse exacto momento nasceram os The Doors. Nesse exacto momento nasceu o som de órgão mais notável da história do rock ‘n’ roll. Ladies and Gentlemen, from Chicago Illinois, Mister Ray Manzarek.

Falar sobre Ray Manzarek, é o mesmo que falar sobre a primeira vez que se ouve os Doors. A memória é traiçoeira. Não tendo sido contemporâneo da banda, é difícil recordar, quando, como e porquê aconteceu. Talvez tenha acontecido na natural curiosidade que a determinado momento começamos a sentir pelos velhos discos dos nossos pais. Talvez tenha acontecido no inevitável interesse que todos os mitos e histórias “sui generis” do mundo rock ‘n’ roll despertam. Ou talvez tenha sido um daqueles amigos de outra geração, com gosto refinado, que por entre minis e Stones, pronunciou três palavras mágicas: «Conheces os Doors?» Há ainda a hipótese mais simples, o filme de Oliver Stone.

Aliás, o já clássico filme sobre os The Doors, realizado por Oliver Stone em 1991 e que apresenta Val Kilmer no papel do Lizard King, Jim Morisson, vai ter uma nova versão. Se bem se recordam, o filme encerrava com Pam a encontrar Jim morto na banheira, aos 27 anos de idade, na sua casa em Paris, em 1971. Depois as cenas finais mostravam o local da campa do icónico cantor no cemitério parisiense Père Lachaise Cemetery. Segundo Stone, este “Final Cut” contém «um final mais poderoso». Esta edição em formato 4K Ultra Blu-ray permite ainda ao espectador escolher entre dois formatos de experiência sonora: o Dolby Vision ou então o Dolby Atmos, que corresponde à tecnologia surround desenvolvida pela Dolby.

Mas falava-se dessa primeira vez em que se ouve The Doors. Muitas vezes e para muita gente isso sucede através de “Light My Fire”, sete minutos de pura perplexidade, completa admiração, e o som distinto das teclas de Ray Manzarek a abrir-me as “Portas da Percepção” para uma música sem prazo de validade. Aquele curto espaço de tempo em que notas desenfreadas se soltaram de um Fender Rhodes Piano Bass sobre um Vox Continental Organ [o órgão de transístores que foi desenvolvido para substituir os pesadíssimos órgãos com rotadores electromagnéticos] e repercutiram uma melodia alucinante, redundante, selo de originalidade The Doors.

Ou então “Riders On The Storm”. O feitiço, o fascínio, a embriaguez de um som que absorve todos os sentidos como se num ápice estivéssemos tresloucados do mundo real, como se a olhar a terra lá de cima sem nunca ter tirado os pés do chão, como se acabados de nos levantarmos de um balcão banhado a álcool com a cabeça à roda. Aquelas linhas de baixo balanceadas à pulsação. Aquelas notas em constante mutação e a fusão que imortalizou a dissemelhante identidade da música dos Doors até à eternidade. O tema que Ray Manzarek levou para o seu “pequeno” laboratório de ideias, deu-lhe estrutura, LSD e expressão. Uma criação intemporal que Greil Marcus descreveu em The Doors – A Lifetime Of Listening To Five Mean Years, como um verdadeiro «Mobius Trip, que nem músicos, nem ouvintes conseguiam escapar de tão bem feito e improvável que resultou».

A partir desse momento, falar sobre Ray Manzarek é falar sobre toda a música dos Doors, do blues ao jazz, do psicadelismo ao popular. É descrever o principal interlocutor entre a poesia de Morrison, a disciplina de Krieger e os contratempos de Densmore em peças irresistíveis de “L.A. Woman” a “Break On Through”, de “When The Music’s Over” a “The End”. E é descrever o músico criativo, vasto, autêntico, que em toda a sua marca elevou os Doors a uma das bandas mais excepcionais da história do rock ‘n’ roll. Através da banda tornou-se num dos mais influentes músicos na história do rock, nos teclados talvez apenas ladeado por Jon Lord, Rick Wakeman e Keith Emerson.

Aos 74 anos, no dia 20 de Maio de 2013, morreu o homem, na Alemanha, onde estava internado em luta com um cancro biliar, mas fica um legado, um espírito, uma geração. A discografia dos Doors fala por si e se não impediu Manzarek de morrer, pelo menos tornou-o imortal.

A foto que ilustra o artigo é de James Fortune.

Um pensamento sobre “Manzarek

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