Tão grandioso como a ambição com que a banda o projectou e absolutamente marcante, “Wick” é um dos grandes discos da história recente do rock e os Royal Thunder uma banda obrigatória para descobrir.
Algo inexplicavelmente, no que sucedeu após a explosão de Seattle, o grunge e hard rock passaram a contrariar a sua essência, tornando-se quase antagónicos. Talvez devido às garras das major labels e a profusão de bandas pré-formatadas que surgiram depois desse grande período da música. Ainda hoje é um lugar comum ouvir alguém dizer «o grunge matou o rock», o que, para lá da redundância, significa que o indivíduo nunca ouviu Royal Thunder, quer o EP de estreia ou os álbuns “CVI” e “Crooked Doors”.
Assente numa enorme solidez instrumental, num grande groove dinâmico e em estruturas que o guitarrista Josh Weaver insiste em resgatar do simples shell voicing em bi-acorde, o som dos Royal Thunder é catapultado por Mlny Parsonz. A cantora/baixista tem uma das melhores vozes dos últimos anos da longa lista do rock n’ roll! É como o elo perdido entre Stevie Nicks e Chris Cornell (Deus o tenha).
Em “Wick”, todas aquelas características da banda estão amplificadas, revelando a banda no seu melhor momento até aqui. A prestação vocal de Mlny surge ainda mais solta, mais sensual e arrasadora. E se permanecem alguns fumos do doom e do psicadelismo, agora há mais blues nas guitarras de Weaver, um sentido estético clássico que o guitarrista não se limita a emular dos dourados anos 70, mas que também procura renovar. Perguntam-se se fará sentido evocar essa data? Faz, claro que faz. Basta pensar em todo o hype em torno das novas reedições dos álbuns de Led Zeppelin. E se os álbuns clássicos retocados e expandidos por Jimmy Page não trazem já a alegria de os ouvir pela primeira vez, um álbum como “Wick” permite, pelo menos, a alegria de ouvir algo familiar, sem dúvida, mas novo. Aliás, os Royal Thunder serão mesmo um caso único na capacidade de misturar eras tão distintas do hard rock e, ainda assim, fazê-las soar como um potencial clássico intemporal.
Sólido composicionalmente em toda a sua duração, destacam-se canções como “April Showers”, que transporta mais coisas do segundo álbum, e outras como “Tied” ou “The Sinking Chair”, que vão buscar mais ao primeiro. Enquanto canções como “We Slipped” ou “Anchor” possuem uma renovada expressividade da banda, no seu balanço e corpo instrumental – algo ainda mais notório em momentos semi-acústicos como “Plans”, uma pungente balada na melhor tradição do género, que será difícil de suplantar na discussão de melhor canção do ano. Mas o mesmo podia ser dito de “Push”…
Se são daqueles que se queixam de não haver grandes bandas de rock, capazes de quebrarem a mediania instalada no género, e do desaparecimento de bons compositores e vozes marcantes, precisam de ouvir este disco. Tão grandioso como a ambição com que a banda o projectou e absolutamente marcante, “Wick” é um dos grandes discos para as listas de 2017 e os Royal Thunder uma daquelas bandas que apenas necessita de uma maior audiência. É impossível que alguém ouça o álbum e se esqueça da força emocional da banda e do poder vocal de Mlny.
Um pensamento sobre “Royal Thunder, Wick”