Desde a sobrecarga melódica da introdução e o lick inicial e propulsividade rítmica do banger de abertura “Kaisarion”, em “Impera” Tobias Forge amplifica tudo o que trouxe os Ghost até aqui. O 5º álbum é o mais bombástico dos suecos.
Estávamos em Outubro de 2020 quando os Ghost foram receptáculos do prémio Music Export Prize na Suécia. A banda partilhou a novidade nas redes, publicando a observação do júri: «Os Ghost desafiaram audiências e tornaram-se parangonas desde a sua formação em Linköping, em 2006. Actualmente possuem fãs em todo o mundo. Com as suas letras míticas e ocultistas, sob um manto de metal melódico, os Ghost passaram de serem direccionados a um público iniciado – com o seu álbum de estreia, “Opus Eponymous”, em 2011 – para se tornarem uma das bandas mais seguidas no rock e no metal. Em 2019, os Ghost sublinharam o seu crescimento mundial com a digressão “A Pale Tour Named Death”. Quando a tour terminou na Cidade do México, em Março de 2020, tinha passado por 137 palcos em todo o mundo». Quatro álbuns, uma série de EPs e uma mão (ou as duas) cheia de canções orelhudas e cheias de swing. Aparentemente, tudo oriundo da carola de Tobias Forge. Não vale a pena usar de meias palavras, os suecos são prodígios melódicos, herdeiros dos Abba, e Forge tem um tremendo talento para escrever canções e colocar toda a gente a sorrir diante do Grande Bode. “Impera” vem confirmar e expandir sobre tudo isso através de um sapiente recurso aos arquivo do cânone rocker dos 60s, 70s e 80s – principalmente esta última década que soa cada vez com mais força, em luzes néon e beats 4/4.
O álbum foi produzido por Klas Åhlund e misturado por Andy Wallace. O produtor regressa depois de ter trabalhado em “Meliora”, que era o álbum onde se sentia o maior pulo evolutivo dos Ghost. Agora, como aconteceu entre “Infestissumam” e esse trabalho, torna a suceder entre “Prequelle” e este. Um enorme salto, talvez ainda maior, ainda que atenuado pela progressiva e cerebralmente delineada introdução de synths na sonoridade dos suecos ao longo da sua discografia. A capacidade do produtor em arredondar malhas, em criar autênticas bombas de açúcar auditivo, é notória na sua própria discografia, onde se incluem trabalhos com Robyn, Sugababes, Eagle-Eye Cherry, Kesha, Kylie Minogue, Britney Spears, Katy Perry e Madonna, entre outros. Essa capacidade, junto da que Tobias Forge tem demonstrado ao logo de uma década para sacar refrães antémicos, nota-se desde as primeiras notas de “Imperium”, a introdução instrumental do álbum, e das melodias iniciais de guitarra e a explosiva propulsividade rítmica de “Kaisarion”, o malhão que abre o disco.
A partir daí, o balanço segue impossível de abrandar. As referências estéticas são imensas, como se depreende de “Spillways” e dos seus pianos que evocam “Hold The Line” dos Toto ou “Runaway” dos Bon Jovi. Também dos compassos bem demarcados, com o cruzamento de guitarras e sintetização, de “Watcher In The Sky” que remetem para os ambientes clássicos do AOR, de Reo Speedwagon ou dos Journey. Esse sentimento regressa mais perto do final, em “Griftwood”. Depois, as bandas de rock contemporâneas parecem ter deixado cair uma das maiores armas de arremesso do género: a power ballad. Por pretensões de peso ou snobismo. Mas fazem mal, porque nada cativa o mainstream como um baladão e Forge, atento estudioso do cânone sabe bem disso, como prova em “Darkness At The Heart Of My Love”.
No Outono tinha chegado “Hunter’s Moon”. O single faz parte do filme “Halloween Kills” e o vídeo oficial, intrigante e sinistro, explora as vibrações do slasher original sobre a história do personagem Michael Myers. Será o tema mais aproximado às raízes estéticas dos Ghost. Tal como o segundo single do álbum, que chegou poucos meses depois, a cativante “Call Me Little Sunshine”. Tema com secção rítmica fortemente cadenciada e guitarras grandes, ao melhor estilo de Bob Rock, com uma distorção articulada e sons limpos com um luxurioso som chorus – que também são evocativos dos D.A.D. – mas, para esta ponte que aqui se pretende, faz lembrar outro trabalho de Bob Rock, que até já havia sido mencionado… Em 2019, Forge comparou o trabalho ao “Black Album” dos Metallica, embora falasse mais simbolicamente. «Quando procuro influência nos Metallica, estou a olhar para o que eles fizeram em 1988», disse Forge na altura, sublinhando a necessidade de fazer um «disco responsável», concluindo: «Estamos no nosso quarto álbum, tal como eles estavam na “Damaged Justice Tour”, por isso a próxima paragem é o “Black Album”». Curiosamente, os Ghost foram uma das bandas presentes na Blacklist que celebra o 30º aniversário desse colosso de vendas da maior banda de metal de todos os tempos. Tobias Forge criou uma idiossincrática versão para “Enter Sandman”.
Apesar destes tempos de praga parecerem estranhamente apropriados à música dos Ghost, Forge diz que não escreveu especificamente sobre a pandemia. «Já fiz um disco sobre a ira divina e o apocalipse, aliás, nem “Prequelle” se referia a pragas infecciosas sob perspectiva médica. Mas pressinto que existirão bastantes discos sobre o apocalipse e a quarentena no futuro e não pretendo fazer parte disso». “Impera” impulsiona a banda para lá do imaginário da Peste Negra que “Prequelle” transpôs para os nossos dias e as nossas sociedades e resulta em mais um disco musical e liricamente bastante ambicioso dos suecos. Ao longo de doze canções, impérios ou grandes potências surgem e caem em declínio, vendedores de banha da cobra, idolatrados como mensageiros do divino, alimentam-se dos mecanismos de propagação das redes sociais e multimédia (finaceira e espiritualmente). No final, este disco compreende as metáforas e hiperbolizações mais actuais no cânone dos Ghost. Tobias Forge anteriormente descreveu “Impera” como um álbum conceptual sobre a queda de impérios. De promessas pseudo messiânicas e reinados de charlatões sobre as massas brutificadas.
No fundo musical maníaco de “Twenties” isso soa tudo apropriado, com a sua propulsividade em claro contraste com o hipnótico “Call Me Little Sunshine”. Chega a ser profeticamente bizarro, ainda que absolutamente acidental, considerado o drama que se desenrola em solo europeu, o teor apocalítico que “Twenties” encerra. A capa mostra uma imagem do Papa Emeritus IV, uma espécie de ídolo em construção, como o infame bezerro de ouro do Êxodo, e numa pose que é associada a Aleister Crowley e ao seu conceito da Noite de Pan, também conhecida como N.O.X., um «estado místico que representa a fase de ‘morte do ego’ no processo de realização espiritual». Noção que provém do divindade grega Pan, comumente associada à natureza e ao desejo, além do poder gerador masculino. Por isso, dentro da Thelema, é vista como a entidade que dá e tira a vida, estando ligada a um estado de transcendência de limitações e unificação com o Universo.
A encerrar o disco, chega o épico “Respite On The Spitalfields”, como um último tesouro deixado por editar na saga “Bat Out Of Hell”, de Jim Steinman e Meat Loaf. Mas este tema inspirado nos macabros feitos de Jack The Ripper é ainda capaz de fundir harmoniosamente alguns dos elementos que mais demarcaram as características de bandas tão idiossincráticas como os Iron Maiden, Rainbow, Guns N’ Roses ou Whitesnake. E no final, os Ghost e “Impera” não soam, remotamente sequer, a uma manta de retalhos. Antes, parece estarmos diante de um ritual litúrgico que tem vindo a ser depurado ao longo de décadas de tradição.
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