Slipknot, O Último Massacre de Lisboa

Em 2023, no EVIL LIVE, estão de volta. Raras vezes tivemos oportunidade de testemunhar, a esta escala, uma sessão contínua de efervescente, brutal e incansável agressividade sonora. Os Slipknot e aqueles que encheram a Altice Arena, criaram a mais poderosa memória na história do VOA e uma das mais intensas na história do Metal no nosso país. A reportagem e um bootleg dessa noite.

Depois de muita polémica e muitos rants e opiniões sem qualquer fundamento, aquelas coisas típicas das redes sociais, o VOA aconteceu mesmo na Altice Arena. Será impossível que toda a gente fique plenamente satisfeita com esta opção de última hora e há que perceber isso. Quem tinha toda a logística de viagem definida, campismo ou outro tipo de estadia e comodidades, tem que enfrentar algumas contrariedades. Todavia, nunca se percebeu qualquer hostilidade do público durante o festival (pelo menos de um modo geral). E isso estará relacionado com essa pronta solução da Prime Artists, de mudar o festival para a infame Altice Arena.

O conforto em relação ao Restelo é óbvio (não pretendendo afirmar que seriam melhores os concertos ou piores) e o som naturalmente (deixem-se de pseudo mitologias urbanas) também, não havendo oscilações provocadas por ventania e existindo um efeito de compressão natural, expondo-nos mais aos decibéis vindos de palco do que aconteceria ao ar livre, ainda para mais numa área urbana. Com excepção à metade inicial do concerto dos Thormenthor, o som passou de bastante aceitável para consideravelmente intenso com os Trivium, começando a ganhar bom recorte instrumental nos Arch Enemy e perdendo alguma dessa característica por troca com um volume de poder esmagador com os Slipknot.

A edição do VOA 2019 que acabou por ter lugar na Altice Arena acabou por ser um sucesso e parece estar na génese da mudança do VOA para o EVIL LIVE. Realizado em formato indoor, o que permite um claro incremento na qualidade de acessos e infraestruturas para o público melómano, a primeira edição do evento decorre nos dias 28 e 29 de Junho de 2023, na Altice Arena, em Lisboa, contando com a presença das regressadas lendas vivas Pantera e com os sempre explosivos Slipknot como cabeças-de-cartaz. Já tínhamos alertado para a forte possibilidade de um regresso dos Slipknot a Lisboa e, a segunda noite do EVIL LIVE FESTIVAL, a 29 de Junho, faz adivinhar mais uma actuação para ficar na memória, com os gigantes do Iowa a trazerem pela primeira vez ao nosso país os temas do seu mais recente álbum, “The End, So Far”, assim como todos os hinos que, uma e outra vez, fazem o gáudio absoluto dos fãs do colectivo. Altura para recordar, então, aquela que foi a última passagem da brutal banda em Portugal…

04 de Julho de 2019

Houve uma época em que os Slipknot visitavam amiúde o nosso país. A banda estreou-se em Portugal no então denominado Pavilhão Atlântico, em 2001, tendo logo em 2002 actuado no festival da Ilha do Ermal. Em 2004, fez parte do cartaz da primeira edição do Rock In Rio-Lisboa. Mas depois de 2009, no Alive, seguiu-se um intervalo de 10 anos, que será agora interrompido no VOA, festival em que são os cabeças-de-cartaz do dia 4 de Julho. Precursores do nu-metal, são um dos nomes mais icónicos e bem sucedidos da vaga que, na segunda metade da década de 90, tomou de assalto o cenário da música mais extrema.

Originários de Des Moines, os nove mascarados estabeleceram-se rapidamente como uma das propostas mais enigmáticas e provocadoras da era moderna da música, que viria a marcar toda uma geração, de público e de músicos. Ao longo das últimas duas décadas cresceram, transformaram-se num fenómeno de popularidade à escala mundial e extrapolaram todos os rótulos. Foram nomeados para dez Grammy Awards (vencendo o galardão em 2006 com «Before I Forget»), arrecadaram 13 discos de platina e 44 de ouro, e contam actualmente com 2,5 biliões de visualizações no YouTube. A sua base de seguidores é hoje tão firme como militante e aguarda ansiosamente pelo anunciado novo álbum. “We Are Not Your Kind” chegou em Agosto de 2019 e esteve presente numa setlist que celebrou uma carreira de duas décadas, a envelhecer bem, como um bom whiskey.

Nas fileiras dos Slipknot encontra-se um dos melhores guitarristas da sua geração, Jim Root. O música é endorser dos amps Orange, contando com modelos de assinatura dos ferozes mini amps Terror. Também está ligado à Fender, tendo também modelos de assinatura nos formatos StratocasterTelecaster e Jazzmaster. Recentemente estreou assinatura com a Charvel. A ferocidade das guitarras de Mick Thomson é a antagonista do trabalho mais melódico de Jim Root. Nos Slipknot criaram uma dinâmica que tem tanto de old school como de contemporâneo e esteve em evidência no concerto.

Thomson é um artista Jackson Guitars, uma paixão bem antiga. «Após o liceu, depois de poupar dinheiro durante vários anos, finalmente consegui ter fundos para pedir um empréstimo e encomendi um modelo custom King V. Era a minha guitarra perfeita. Um cinzento carvão metalizado, hardware cromado, tremolo Floyd Rose, os entalhes shark tooth e um circuito de pickups activos. Usei-a em tudo o que fiz, incluindo o nosso primeiro disco. Estimo-a demasiado para andar com ela em digressão e arriscar danos ou roubo, portanto separámo-nos (mas está sempre à mão em casa)», confessa apaixonadamente Thomson. Para compensar essa “amargura”, o guitarrista dos Slipknot criou uma assinatura para um modelo Soloist. É uma guitarra bem sinistra, mas carregada de características de excelência, como o corpo em mogno e o braço through-body em três peças de maple, reforçado com grafite. O perfil do braço é bastante delgado, permitindo conforto e velocidade, através de um raio composto 12”-16” na escala em ébano. Os PUs são modelos de assinatura do guitarrista com a Seymour Duncan, os Blackout EMTY. Para aguentar as afinações graves usadas pelos Slipknot, a guitarra possui uma ponte hardtail Jackson MTB HT6 e locking nut. O circuito eléctrico conta apenas com controlo de volume e selector de três posições. O acabamento é o negríssimo Gloss Black (apesar de também existir um modelo Arctic White, quase um negativo).

As máscaras mudaram mas, 20 anos depois de os nove mascarados terem surgido e estabelecido como uma das propostas mais enigmáticas e provocadoras da era moderna da música, transformando-se num fenómeno de popularidade à escala mundial e que extrapolou todos os rótulos, os Slipknot ainda são uma força brutal, niilista e monstruosamente infatigável. Contando com uma Altice Arena ao barrote, totalmente comprometida com o concerto, fizeram estremecer Lisboa uma década depois da última visita. São as canções de “Slipknot” e “Iowa”, os dois primeiros álbuns ainda em maioria na setlist, que provocaram a maior violência de moshing e os mais apoteóticos momentos de aclamação, mas a banda nunca comprometeu um pingo de suor ou uma fibra de vigor em cada segundo de cada canção tocada em Lisboa. Repare-se que a produção não recorreu sequer a efeitos visuais nos ecrãs – o palco tinha apenas as estruturais pedonais e pirotécnicas.

Pode ser apenas uma questão de perspectiva, mas sinceramente ficámos com a ideia de que Corey Taylor, se não ficou surpreendido, ficou por vezes boquiaberto com a ferocidade do público. E essa ferocidade, à escala que se manifestou, foi um espectáculo dentro de outro. Uma demonstração da natureza crua que o metal é capaz de instigar no ouvinte, um assombro de ver. [Talvez reforçar que estamos a falar num sentido metafórico e não vimos qualquer violência gratuita em momento nenhum do concerto, fosse da parte da banda, fosse da parte do público]

Considerando o concerto anterior da banda no nosso país, a grande novidade era a renovada secção rítmica. E se não podemos dizer que Alessandro Venturella emana a mesma aura de poder do carismático e saudoso de Paul Gray, devemos dizer que Jay Weinberg nos deixou completamente rendidos, através de uma avassaladora prestação que não fica em nada atrás daquilo que fazia Joey Jordison. Jim Root e Mick Thomson foram os outros protagonistas.

Impressionante a brutalidade que a mão direita de Thomson é capaz de extrair daquela Jackson Soloist, tal como é impressionante a dinâmica criada em torno dessa parede sonora por Root, numa noite em que os Slipknot deixaram bem claro que continuam imensamente relevantes na cena heavy actual, tanto como quando surgiram. As máscaras dão a sensação de que os rostos não envelheceram, mas também a infatigável intensidade de cada uma das nove pontas do nonagrama. Incrível concerto. Usando um cliché, que lá esteve sabe bem o que se passou.

Nessa noite, a setlist foi a seguinte: People = Shit; (sic); Get This; Unsainted; Disasterpiece; Before I Forget; The Heretic Anthem; Psychosocial; The Devil in I; Prosthetics; Vermilion; Custer; Sulfur; All Out Life; Duality; Spit It Out; Surfacing. A foto que abre o artigo é do Thiago Batista, para a AS.

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