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SWR 23, Os Monarcas do Grind

A consolidação estatutária dos Holocausto Canibal, a reafirmação dos Rotten Sound e o concerto defensivo dos Pig Destroyer. A realeza do grindcore desfilou no SWR 23.

Em 2017, os Holocausto Canibal regravaram a sua primeira demo “oPus I” e o álbum de estreia “Gonorreia Visceral”, cuja reedição conjunta foi baptizada de “Catalepsia Necrótica: Gonorreia Visceral Reanimada”. A masterização do trabalho ficou nas mãos do ilustre Dano Swanö, dos Unisound Studios (Suécia).

“Instintos Necrófilos”, na altura, foi o primeiro avanço do álbum. «É um dos nossos temas mais antigos, que teve pouco ou nenhum tempo de antena numa altura em que não existia streaming ou plataformas de download, sendo que apenas 50 cópias das “oPus I” foram feitas e trocadas. “Instintos Necrófilos” é Death Metal puro e duro mas apresenta certas características que ainda estão presentes no nosso som. Esta regravação e reinterpretação com o line-up actual e com recurso às novas tecnologias é algo que nunca imaginaríamos ser possível aquando da composição destes temas. Aliás, se naquela altura alguém nos dissessem que algum dia iríamos andar em tour nas Américas ou na Europa como fizemos nestes últimos anos, o mais certo era rirmo-nos de forma incessante, mas a realidade é que ainda cá estamos, e com este tema oferecemos um cheirinho daquele feeling característico do Death Metal portuense dos anos 90 com que todos crescemos», explicava Zé Pedro, baixista de Holocausto, sobre essa malha em particular e sobre a regravação no geral.

Em 2022, no seu 25.º aniversário, a banda editou “Crueza Ferina”, um disco que é tudo aquilo que os portuenses sempre foram, mas com um groove incomparável com aquilo que fizeram até aqui. Vibrantemente dinâmico e sem compromissos diante de trends, é o melhor álbum dos Holocausto Canibal e um dos melhores desse ano. Serve tudo isto para contextualizar o percurso da banda até aqui e a forma como, paulatinamente, se tornou numa das grandes referências do groregrind dentro e fora das nossas fronteiras. De resto, o demolidor concerto neste SWR 23 não foi propriamente uma surpresa. Foi a confirmação de aquilo em que a banda se tem vindo a tornar, particularmente nos últimos cinco ou seis anos: uma avassaladora e horrífica máquina de brutalidade sónica.

O concerto arrancou com um segmento integral e sequencialmente dedicado ao mais recente disco. Com uma secção rítmica sem compromissos na brutalidade e com maior agilidade ou um sentido mais directo no groove, as linhas de guitarra de António C. preenchiam os ténues espaços livres com um balanço mais Brutal Truth (na era “End Timeu”) – embora sem os pinch harmonics e numa orientação mais punk. Ainda assim, talvez o único pecado do concerto tenha sido alguma falta de robustez low end da guitarra e baixo. Carácter do PA ou do rig de António C. e Z. Pedro, fica a questão. Mas, numa analogia com o tão amado cinema gore dos Holocausto, fomos crudemente perfurados, mas nunca chegou o esmagamento opressivo.

Alheio a tudo isto, Diogo P. destratou qualquer snobismo e “nove horas” de considerações meta-musicais com uma enxurrada de porrada de blasts e d-beat, servindo de barómetro para a fusão do primeiro segmento do concerto com aquele em que a banda começou a introduzir “Gorefilia” (2012) e outros registos mais vetustos ao alinhamento. Queira-se ou não, ao ouvir “Lactofilia Destalhada” é impossível não invocar mentalmente as formas “willendórficas” da protagonista do vídeo. Quando uma banda consegue criar sinestesias espontâneas, alguma coisa estará a ser bem feita…

Até ao fim, intensidade visceral fizeram suceder estouros como o rock ‘n’ roller “Campas do Negro Breu”, o clássico “Violada Pela Motoserra”, a actual jóia da coroa, “Quérolo dos Finados”, e o borderline d-beat de “Sortilégio da Perversão”. Não foi o melhor, nem o pior concerto dos Holocausto, foi mais um dentro do brutal padrão a que a banda nos habituou.

Porcos

Mais de duas décadas e seis álbuns depois, muito boa gente aguardava com ansiedade redobrada a estreia dos Pig Destroyer em Portugal (e poderia ser noutro sítio além deste SWR 23?) – o problema talvez tenha sido mesmo esse, estávamos todos com as expectativas demasiado elevadas. Talvez nem todos, mas aqueles que os seguem do início, que já os viram, que tentam analisar além do imediato. Apesar do mais recente LP do grupo, o “Head Cage”, de 2018, ter apresentado mais nuances e uma descarga menos frenética do que é habitual no cânone grind…

Bem, por enquanto esta ainda continua a ser uma das propostas mais desafiantes saídas do grindcore nas últimas décadas. Claro, o que se esperava aqui era uma boa descarga “daquelas”. Foi o que nos serviram, mas numa versão diferente, e menos atraente, do que tínhamos antecipado. Verdade seja dita, tecnicamente não há defeitos a apontar ao colectivo da Costa Leste dos Estados Unidos, que revelou a sua capacidade, aparentemente imaculada, de contrastar uma postura enérgica com uma solidez musical impressionante.

Novo baixista, Travis Stone (um ex-membro dos Noisem) e o exímio Adam Jarvis atrás do drum kit, a manterem uma solidez incrível durante todo o concerto? Check. O renegado sónico, estivemos até hoje a tentar apanhar-lhe o nome (sem sucesso), que substituiu Blake Harrison a libertar samples entre e durante os temas como pontualidade britânica? Check. O arquitecto musical do grupo, Scott Hull, a dominar a sua peculiar riffagem espástica sem quaisquer problemas, sem repetir um riff que seja? Check. J.R. Hayes, o poeta macabro, sempre na boca do palco, a contorcer-se como se estivesse possuído e a provar que não perdeu nenhuma da força e versatilidade vocal que o tornou famoso ao longo dos anos? Check.

Tudo no sítio, dirão alguns; tudo DEMASIADO no sítio, dirão outros tantos. De certa forma, a experiência que tivemos ali, quando queríamos “barulho” descontrolado, foi em tudo semelhante à de ouvir um disco dos Pig Destroyer em casa. Ora bem, se fosse para ouvir música na segurança do lar, não tínhamos ido quatro dias à irredutível meca do underground nacional, correndo o risco de virmos de lá com a peste outra vez. Mais que as tais expectativas, esse foi o maior problema da estreia dos norte-americanos por cá, porque quando estamos a esperar perigo a precisão cirúrgica não chega. Também não ajudou que tivessem adoptado aquele groove maquinal do último LP e uma postura tão “festiva”, quando aquilo que os destaca sempre foi uma visão über macabra e sinistra da  sonoridade em que se movem.

Mesmo assim, apoiados num alinhamento feito por blocos, em que tocaram vários temas de um mesmo álbum de seguida, revisitaram quase toda a sua carreira e até atingiram um pico de intensidade tardio no SWR 23, com as micro descargas da estreia “Prowler In The Yard”. Se foi bom? Foi. Marcante? Nem por sombras. Se correspondeu às expectativas? Nem por isso. [J.M.R.]

Podridão

Há mais de três décadas alguém arranjou um lugar no Guinness Book of World Records para os Napalm Death, por terem escrito a canção mais curta do mundo. Chama-se “You Suffer” e, na altura, apresentava algum do “ruído” mais infernal alguma vez registado em vinil. Abriu-se ali o caminho para um género, o grind, replicado e extremado vezes incontáveis desde então. De há umas décadas a esta parte, estes finlandeses transformaram-se numa das propostas mais interessantes saídas da segunda geração da tendência e, com várias passagens por Portugal, são já bem conhecidos pelo público do SWR – onde voltaram este ano, com novo álbum da bagagem, o corrosivo “Apocalypse”, para fecharem com chave de ouro as actividades no palco principal.

Não é crível que alguém ali estivesse à espera de nenhuma revolução porque, quando toca a estes dudes, não há que enganar – o que servem é uma descarga de proporções colossais. E sim, são daquelas bandas cujo apelo nunca ninguém na casa dos 40 anos vai conseguir explicar aos seus pais, mas para quem está por dentro, não há melhor “castanhada”. Com os pés bem firmes em terreno testado e caminhado com sucesso, ainda assim há uma intensidade inabalável na amálgama de grind, crust e death metal enegrecido e grind que os Rotten Sound apresentam. A descarga atingiu com uma força tremenda a multidão, nesta altura a queimar os últimos cartuxos, com as crescentes ondas de som distorcido a inspirarem um headbanging espástico.

Verdade seja dita, nesta ocasião tiveram o público na mão desde o primeiro momento, com o simpático Keijo Niinimaa – que, uns minutos antes, estava ali ao nosso lado na plateia a observar atentamente o tio Tom G. – a comandar as tropas com punho de ferro e um rugido impotente. Sem surpresas, dividiu-se entre gritos de rasgar a garganta e o seu característico grunhido grave, além de ter confirmado a ideia de que é um MC de excelência. Entre elogios ao SWR, mostrou-se grato por estar finalmente de volta e, claro, conquistou a simpatia dos presentes. Com um volume ensurdecedor, o quinteto cuspiu tema após tema de forma impiedosa, com as descargas de blast beats pulverizantes, os grooves e som de guitarra à Entombed e o ocasional colapso sludge a propagarem ondas de caos pelo recinto. Com os dois temas iniciais, “Pacify” e “Equality”, e mais uns quantos (como o single “Renewables”) lá mais para a frente no setlist, forneceram uma representação variada do novo álbum, mas, na verdade, foram as canções mais antigas, como “Power”, “Targets”, ou “Slay”, que atraíram os espectadores mais desordeiros para algo familiar.

Apesar do tamanho do palco, mostraram-se cheios de energia, a tocar e a cambalear de um lado para o outro, num headbanging furioso. Cá em baixo, com o mosh pit ali a uns centímetros, a vibração não estava muito diferente, por isso quando o bom do Keijo diz que vão tocar “uma música para todos”, está tudo numa sintonia tão pouco provável que se percebe que não está a brincar. Isto é uma festa grindcore e todos estavam convidados – no SWR compareceram em massa e, figurativamente, os Rotten Sound abalaram os alicerces da tenda. [J.M.R.]

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