Roland Boutique Series & Analog Circuit Behaviour

Os engenheiros que inauguraram a Boutique Series, gama que recuperou synths über clássicos da Roland e foi iniciada com o JP-08, JU-06 e JX-03, inspirados no Jupiter-8, Juno-106 e JX-3P, respectivamente, falam das suas criações.

Foi em 2015/16 que Roland iniciou a Boutique Series, com a introdução de modelos inspirados em três dos seus mais emblemáticos sintetizadores. O JP-08, JU-06 e JX-03, são inspirados no Jupiter-8, Juno-106 e JX-3P, respectivamente. Para conseguir uma fidelidade de emulação desse som clássico, os novos modelos usam a tecnologia Analog Circuit Behaviour (ACB), a mesma engenharia que surge na gama Aira da marca. Claro que, no final, estes novos modelos são digitais, ao contrários dos analógicos originais. Podem verificar o grosso dos modelos já produzidos, neste artigo.

Masato Ohnishi, Takeshi Tojo e Hirotake Tohyama, os três engenheiros que criaram estes novos sintetizadores, explicam a filosofia da Boutique Series e o desenvolvimento das características dos modelos.

Qual foi o ponto de partida no desenvolvimento da gama Roland Boutique?
Takeshi Tojo: O ponto de partida foi o desejo de criar um synth totalmente operacional num formato compacto; algo que, à primeira vista, pode parecer uma simples engenhoca, mas fosse capaz de produzir sons espantosos. Queríamos criar um synth do qual as pessoas pudessem desfrutar de forma casual, com altifalantes integrados e que funcionasse a pilhas. Uma vez que possuíamos a tecnologia de modelação ACB (Analog Circuit Behavior), desenvolvida para o AIRA, e o mini teclado que fora estreado no JD-Xi, pensámos que era possível fazer algo interessante combinando ambos. Isso foi no final do ano passado e o produção iniciou em Janeiro deste ano.

Ter como base, para esta gama, synths clássicos foi uma ideia desde o início?
Tojo: Sim, foi. Queríamos combinar a ACB e o mini teclado para reproduzir clássicos familiares. O JUPITER-8 e o JUNO-106 foram candidatos desde o início, são sintetizadores populares ainda nos dias actuais. Queríamos acrescentar outro synth ao conjunto e decidimos seguir com o JX-3P, que produz tipos de sons diferentes, quer do JUPITER quer do JUNO. Foi rapidamente e sem grande discussão que decicimos avançar com estes modelos.

Certamente, ao desenvolver a gama Roland Boutique, passaram muito tempo a estudar o JUPITER-8, JUNO-106 e JX-3P. Na vossa opinião, quais são alguns dos pontos que tornaram estes três modelos tão populares?
Tojo: A minha impressão é que cada um deles tem um carácter espantoso e distinto dos outros dois e que foi esta extraordinária singularidade que atraiu tantas pessoas para estes synths e os tornou um catalisador para tantos géneros musicais. Outra coisa que senti foi a “alma” dos construtores, por assim dizer. Eu nunca tocara num JUPITER-8 verdadeiro até iniciar este projecto, foi muito divertido poder tocar com um. [Risos]

Hirotake Tohyama: Renovei a percepção de que o chorus no JUNO-106 é algo realmente especial. Numa conversa que tivemos com os construtores originais, compreendemos que o JUNO-106 foi desenvolvido com um único oscilador, para reduzir os custos. Mas, naturalmente, não se conseguia ter sons densos e robustos apenas com um oscilador. Então o que fizeram foi acrescentar o circuito chorus para promover essa densidade e robustez. O JUNO-106 é conhecido pelos seus sons cheios de baixo, mas na verdade isso é derivado à ampliação dos graves quando o filtro high-pass não estava em uso. Por outras palavras, aquele som característico foi resultado de diferentes estratégias que os construtores incorporaram para compensar a ausência de osciladores. Isto foi um verdadeiro exemplo de que há males que vêm por bem. [Risos]

Masato Ohnishi: Dos três synths, o JUNO-106 foi o único que, no passado, tive a oportunidade de operar, portanto, os sons reais do JUPITER-8 e do JX-3P eram totalmente novos para mim. Quando começas a tocar em sintetizadores analógicos, é impossível não sentir as espantosas alterações sonoras que acontecem quando moves os sliders. Isso deu-me uma ideia do motivo porque tantas pessoas adoram estes três synths.

Será correcto afirmar que estes módulos reproduzem digitalmente os sons dos originais usando a ACB?
Tojo: Sim, correcto. Não há parâmetros disponíveis nos modelos originais que não estejam nos modelos Roland Boutique. Excluindo as mudanças de disposição no painel de alguns controlos, devido ao condicionamento espacial, tudo é baseado nos designs dos originais.

Ohnishi: Tendo dito isso, alguns parâmetros receberam um maior alcance de definição, em relação aos dos instrumentos originais, e também acrescentámos waveforms às secções de oscilador e LFO. Por exemplo, no JP-08, baseado no JUPITER-8, acrescentámos ondas triangulares e ruído ao LFO e uma onda sinusoidal ao VCO-1. Também aumentámos o alcance do VCO-1 e VCO-2. Dos três, o JX-03, baseado no JX-3P, tem o maior número parâmetros acrescentados, incluindo dois novos tipos de formato de onda sawtooth e ruído no LFO, tal como waveforms sawtooth, sinusoidal e ruído no DCO. Também aumentámos o espectro DCO e acrescentámos três novos modos de tipificação de cruzamento de modulação.

Tohyama: No JU-06, que se baseia no JUNO-106, demos ao rácio LFO um espectro maior de definições e tornámos o filtro high-pass, que no original tinha quatro incrementos, continuamente variável. De modo que se consegue a fidelidade sonora do instrumento original e, ao mesmo tempo, mais opções para criar sons que anteriormente não era possível. No JU-06 pode usar-se o Chorus 1 e Chorus 2 em simultâneo. Característica disponível no JUNO-6 e JUNO-60, mas impossível no JUNO-106. De acordo com os adeptos do feedback, muitos procuram os synths JUNO-6 ou JUNO-60 precisamente devido à característica do chorus simultâneo, por isso decidimos incorporá-la no JU-06.

Tojo: Acreditamos que esta característica do chorus simultâneo vai tornar-se um “sonho” para os fãs do JUNO-106. [Risos]

A gama Roland Boutiques é desenvolvida pela mesma equipa responsável pelos produtos AIRA?
Tojo: Não, são duas equipas diferentes. Na Roland, formamos equipas de desenvolvimento numa lógica “por produto”, assim esta equipa juntou-se exclusivamente para a gama Roland Boutique. Dito isto, na ACB recebemos algum auxílio dos construtores do AIRA.

Mencionaram ter entrevistado alguns dos construtores originais. Como correu isso?
Tojo:
Para a ACB, tudo o que necessitas é o diagrama do circuito e o próprio synth para conseguir simulações bem decentes. Ainda assim, no processo de desenvolvimento deparas-te com coisas que não consegues resolver. O aumento de graves do JUNO-106 era um mistério e fez-nos dar voltas à cabeça a tentar perceber porque desenharam os circuitos que faziam isso. Então, quando nos deparámos com mistérios desses, fomos falar com os engenheiros que estiveram, de facto, envolvidos na construção dos originais.

Cada módulo Roland Boutique possui quatro vozes de polifonia.
Tojo:
Correcto. Cada um dos três modelos possui quatro vozes de polifonia e podem alternar entre os modos Poly, Solo ou Unison. Se quatro vozes não basta, podem ligar várias unidades em cadeia MIDI para mais polifonia. Portanto, com duas unidades conseguem oito vozes de polifonia. Podem conseguir sons espectaculares ao ligar duas unidades JP-08 para oito vozes de polifonia. Penso que fomos capazes de reproduzir a robustez e densidade dos sons originais. Só para que saibam, ainda que não haja restrição ao número de unidades que podem ligar em cadeia, se ligarem muitas vão sentir alguma latência, pois é uma ligação MIDI. [Risos]

Numa ligação em cadeia, as unidades têm que ser todas o mesmo modelo?
Tojo:
Não, podem ser diferentes. Contudo, se tiverem modelos diferentes numa cadeia, apenas aumentam a polifonia, enquanto que com modelos iguais os parâmetros também funcionarão conjuntamente entre si.

Tohyama: Estas unidades possuem entradas mini jack em stereo, por isso podem combinar as saídas, mesmo que estejam ligadas em cadeia. Qualquer áudio que passe na entrada jack é reproduzido pela altifalante da unidade e, como é digitalizado primeiro, podem enviar o sinal áudio pelo jack USB também.

Então cada módulo também funciona como interface áudio USB?
Tojo:
Sim. Podem ligar a unidade ao PC via USB e partilhar informação MIDI, tal como áudio 24-bit/44.1kHz sem uma DAW.

Na gama AIRA o tamanho padrão de sampling é 96kHz, mas na gama Roland Boutique é 44.1kHz…
Tojo: Sim. Os AIRA usam 96kHz, pois a prioridade é a qualidade sonora. Mas recebemos feedback de utilizadores que nos dizia que isso lhes dificultara o uso em algumas situações. Queríamos que a gama Roland Boutique pudesse ser desfrutada por muitas pessoas e por isso optámos pelo normal 44.1kHz.

Ohnishi: Partindo desse feedback, de tantos utilizadores, decidimos usar mini jacks stereo nas entradas/saídas e jack de auscultadores. Assumimos que isto facilitaria tornaria mais fácil, para as pessoas, a ligação de altifalantes, smartphones e assim.

Os módulos não possuem cabos adaptadores AC para alimentação.
Ohnishi: Não têm, não. São alimentados por cabo USB. Quando não está ligado a um computador, um módulo pode ser alimentado a pilhas ou com um adaptador de alimentação USB genérico.

Porque optaram por unidades no estilo módulo desktop que também podem montados numa estrutura de teclado opcional?
Tojo: No início, estávamos a desenvolvê-los com teclado integrado. A certa altura do processo optámos pelo teclado separado, pois pensámos que muitas pessoas apenas queriam o módulo e que, provavelmente, se tornaria mais portártil. O teclado K-25m é uma unidade desenvolvida exclusivamente para esta gama, com 25 teclas sensíveis à velocidade e que liga a um JP-08, JU-06 ou JX-03 através de um cabo liso de 16-pins.

Ohnishi: O K-25m está desenhado para permitir inclinar os synths em três ângulos. Não pensámos neste tipo de mecanismo no início, mas surgiu-nos um esboço nas secretárias que mostrava a secção do painel inclinada, que lhe dava aquele ar meio pintas de synth analógico. Então decidimos torná-lo ajustável em três ângulos. Mas como o desenvolvimento, nessa altura, já estava bem avançado, penso que demos muito trabalho duro às pessoas responsáveis pelo mecanismo. Disseram-nos que se inspiraram em brinquedos para desenhar este mecanismo de inclinação.

O teclado tem duas oitavas. Qual foi o factor determinante na decisão do tamanho?
Tojo
: Queríamos que o conjunto, com a integração do teclado, fosse do tamanho de uma folha de papel normal, um tamanho facilmente portátil. Também trabalhámos imenso no design da embalagem, que baseámos no aspecto de um livro. Quando não está a ser usado, pode ser colocado na sua embalagem e arrumado numa estante de livros.

Pretendíamos integrar um altifalante e usar componentes seleccionados no circuito analógico, para melhor rácio signal-to-noise.

Masato Ohinishi

Há outras características que não sejam óbvias à primeira vista?
Tojo:
Podem usar o controlar de fita do módulo para tocar notas sem ligar o teclado K-25m. A configuração normal tocar notas cromaticamente, mas também podem ser escolhidas várias configurações de escalas. As unidades também possuem um sequenciador 16-step/16-pattern, que penso dar muito jeito. Podem rearranjar os steps ou sincronizá-los com temporizador MIDI, há muito que pode ser feito com isso. Também se pode usar o controlador de fita para introduzir eventos de sequenciador.

Quais foram alguns dos pontos aos quais prestaram particular atenção durante o desenvolvimento?
Tojo:
Queríamos criar um produto que cativasse os utilizadores a vários níveis diferentes. Então optámos por um invólucro de metal, integrámos LEDs nos sliders e, de um modo geral, certificámo-nos de dar a tudo um sentimento “boutique” autêntico. Todos os potenciómetros e assim foram desenhados de raíz.

Quais foram algumas das dificuldades que surgiram?
Tojo:
No que respeita aos módulos de som, tínhamos a tecnologia ACB e, ainda que tenha sido um trabalho árduo, nunca surgiu qualquer obstáculo. Penso que tivemos mais dificuldades como o mecanismo de inclinação e isso, tal como a descobrir como encaixar todos os circuitos nesta tamanho compacto.

Ohinishi: Outra área foi a alimentação a pilhas. Inicialmente, queríamos quen funcionassem com duas pilhas AA. Mas como pretendíamos integrar um altifalante e usar componentes seleccionados no circuito analógico, para melhor rácio signal-to-noise, optámos por quatro pilhas AA. Um módulo funciona cerca de seis horas com as pilhas. O R-1, o primeiro gravador portátil da Roland, era famoso pela escassa duração das pilhas. [Risos] Então a equipa de desenvolvimento dedicou-se a esse problema e a duração das pilhas ficou cada vez melhor. Portanto, a gama Roland Boutique tira partido deste know-how da energia das pilhas, que foi acumulado no desenvolvimento de gravadores portáteis.

Esta entrevista foi um trabalho de tradução que fiz para a Roland e cujo texto original podem consultar aqui.

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