Michael Lauren, Vasco Agostinho e João Custódio oferecem-nos um explosivo, emocionante e tecnicamente exuberante álbum ao vivo, magistralmente captado nos estúdios da Mobydick Records. Repleto de criatividade, dinamismo e contrastes de suavidade e coolness com momentos de peso avassalador, é um dos álbuns do ano.
O nova-iorquino Michael Lauren é, como alguém o disse pertinentemente, um baterista de jazz com coração rock ‘n’ roll. Músico multi-estilista, aos 72 anos de idade está imparável, com a energia e entusiasmo de um adolescente. O seu mais recente projecto, o Michael Lauren Trio acaba de editar, via Mobydick Records, o álbum “Live At Mobydick Records”. O título é bastante auto-descritivo. Michael Lauren, Vasco Agostinho e ainda o contrabaixista João Custódio gravaram o disco ao vivo, com Budda Guedes atrás da consola a assinar um trabalho que, diga-se já, se destaca pela amplitude do som de bateria e pela profundidade do contrabaixo e da guitarra, tudo envolvido numa sonoridade pujante e orgânica. De resto, os temas gravados são originais de Michael Lauren, de Vasco Agostinho ou de ambos.
O tema de abertura é “Biji”, um original do lendário Sonny Rollins, com arranjos de Lauren e do guitarrista Vasco Agostinho. Introduz-nos logo numa dinâmica bastante energética e deixa bem ilustrado o enorme espaço no qual se movem os três instrumentos e o sumptuoso preenchimento de pratos que Lauren promove na ocupação desse espaço. Deixa também claro que esta gravação é um trapézio sem rede, com algumas impurezas nas notas – algo que afirmamos com total reverência – mas com um enorme feeling na interpretação.
A ferocidade técnica do trio nunca soa como show off gratuito e circense, antes absolutamente suave e sem esforço, carregada de coolness.
“Ritual do Cabrito” é o favorito deste lado. Um tema onde se faz sentir a mão de ferro de Agostinho, como se o guitarrista estivesse a moldar as notas numa bigorna, mas sem martelo, usando apenas a força dos dedos. Talvez não saibam, mas o Michael, na sua imensa devoção à música, tem um cantinho reservado para os titãs do hard rock e neste tema, acompanhando o peso da guitarra e do baixo, revela uma potência de batida digna de Bill Ward e o retorcido swing bombo/tarola de Bonham. O baterista repetirá isso noutro malhão rocker deste disco, “Sempre Em Frente”. A título de curiosidade, há coisa de 20 anos, era um puto apaixonado pelo death metal (paixão que se mantém) e, numas férias escolares, aproveitei para frequentar uma espécie de summer camp do Hot Club. O professor de guitarra era, precisamente Vasco Agostinho. Desde aí, retenho a austeridade como um dos seus principais traços de linguagem que, nestes dois temas em particular, se faz sentir de forma exuberante, com uma solidez espartana.
Poderão ficar a pensar, se a melhor malha (subjectividade) surge logo no segundo tema, o disco deve perder pertinência naquilo que se segue. Pelo contrário, “Live At Mobydick Records” mantém-se um vibrante registo nos restantes cinco temas (objectividade). Logo em “Bonfim Blues”, original de Michael Lauren, ouvimos de forma bastante clara a generosidade desta lenda do jazz que, numa condução tão sólida quanto livre, se recosta numa execução subtil e aberta às manifestações de destreza dos outros músicos, individualmente e no seu cruzamento sónico, através de vigorosos solos e brilhantes frases harmonizadas. Depois, a ferocidade técnica do trio nunca soa como show off gratuito e circense, antes absolutamente suave e sem esforço, carregada de coolness como se ouve na serpenteante “Looking Back At Life”.
Então chega “Fresco”, possivelmente o mais cerebral dos seis temas. Até pelo seu 3/4. Não entendam mal pois, em cada uma das canções, qualquer um dos músicos é portentoso na sua execução, mas aqui João Custódio é verdadeiramente estelar na forma como liga os polirritmos da bateria e da guitarra e torna tudo uniforme, ao mesmo tempo que empresta também a sua voz e fogosa coloração estética. É nesse estado de coisas que, quase sem tempo para respirar entramos no explosivo tema final, “A Bridge To Remember”, que irá culminar num solo magistral do baterista.
Uma palavra para o trabalho de gravação do Budda Guedes. Nunca estive nos estúdios Mobydick, mas tanto quanto é possível perceber, não são muito amplos, nem o seu pé direito é assim tão alto. Isto para dizer que o disco se ouve como se tivesse sido gravado num grande auditório. A reverberação soa quase natural, as justaposições instrumentais fazem-nos sentir que cada um dos instrumentos está a uns bons metros de distância entre si, pela forma como respiram e como a mistura coloca cada um sob os holofotes nos momentos de respectivo destaque. Depois o som orgânico do contrabaixo, a força do bombo e tarola, o já referido preenchimento de espaço dos pratos e o vigor da guitarra traduzem com enorme rigor o vigor e a exuberância das execuções. Em todos os sentidos possíveis, este é um dos álbuns do ano!
De resto, é um privilégio que um músico de elite mundial, como o baterista norte-americano Michael Lauren, tenha escolhido o nosso país para residir e trabalhar. Por isso, é com orgulho que apresentamos também uma síntese da sua criação musical mais visível na última década, no caso de, por acaso, não estarem familiarizados. Além da sua fervorosa discografia, Lauren é ainda apaixonado pelo ensino musical.
O filme do disco estreia no YouTube no dia 29 de Abril, às 21h. Percam isso e toda a vossa colecção de discos vai transformar-se em Pan Pipe Moods!
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