Depois de “18:05”, em 2019, os Troll’s Toy editaram “Eksterordinare” já em 2021. Aqui podem olhar os dois álbuns da banda, cada um com acentuação em diferentes propostas dinâmicas, e descobrir porque raio citamos os Manowar como referência…
Os Troll’s Toy começaram quando Jorge Loura comprou uma Squier Jazzmaster Baritone, um modelo que fizeram nitidamente com peças que sobraram. Pegaram no corpo de uma Jazzmaster e puseram-lhe um braço de 30′. O instrumento chegou às mãos do guitarrista afinado em A. O peso e densidade que derivam dessa afinação tornaram-se o template sónico da banda. Nas secções harmónicas dos temas, o protagonismo vai alternando entre o saxofone e a guitarra barítono, para não falar da bateria como instrumento solista.
A ausência de um baixo ditou que Gabriel Neves passasse a usar efeitos no saxofone e, essencialmente, um Octave. Dessa forma é garantida a espessura instrumental nos solos de cada um. É óbvio. Tal como o nome do primeiro disco e o da banda, que é claramente um trocadilho com Liev Tolstói. Antes de ter sido lançado como livro, “Guerra E Paz”, de Tolstói, saía em volumes que se chamavam 1805, o nome do primeiro registo. No segundo disco, editado em 2021, não existe um conceito do início ao fim, os nomes fazem sentido com os temas, há esse cuidado, mas não existe uma narrativa. O nome “Eksterordinare” [extraordinário em esperanto], apesar de poder parecer pretensioso, na verdade significa ponto fora da norma. E é aqui que as coisas deixam de ser óbvias…
Aquando do primeiro álbum, o texto de apresentação da banda era e é, no mínimo, arrojado. Diz-nos: «Estrutura e caos, silêncio e ruído, guerra e paz. Gabriel Neves (Saxofone Tenor), João Martins (Bateria e Percussão) e Jorge Loura (Guitarra Barítono) imaginaram como seria se Frank Zappa, Wayne Shorter, Richard Wagner e Egberto Gismonti se encontrassem num concerto dos Tool e formassem um trio. Desta impossibilidade matemática nasceu Troll’s Toy». Desde a introdução de sintetização ou o seguinte “Mandatory Eight Count”, desde o início, portanto, fica explicíto que por mais experimentais que sejam os temas, o envolvente corpo sonoro e a produção sedutora de “18:05” criam uma sensação de uniformidade no álbum. Há esse peso subjacente, não declarado (ou talvez até seja), que mantém o disco texturalmente bem espesso. E depois, a soberba prestação de João Martins na bateria, que cola todos os elementos polirrítmicos de forma magistral, vale, por si só, o disco!
“Derrota” acentua a dimensão contemplativa desses pressupostos sonoros supra-citados. Melodicamente, com evidente protagonismo dos saxofones de Gabriel Neves, a simplicidade é o maior trunfo deste álbum. Um álbum fácil, digamos assim, de acompanhar e de interiorizar, sem excentricidades gratuitas ou presunçosas, mesmo quando surgem os momentos de maior complexidade ou mais Zappescos, como “Aveiro”. Cada um dos capítulos de “18:05” evolui através de elegantes crescendos, mais que de contrastes dinâmicos, que também existem como nos mostra “Khat”. Ou seja, a meio do álbum damo-nos conta de que o arrojo auto-descritivo da banda é extremamente bem justificado. Depois levamos com a bojarda de “Neurotransmissor” e o épico e matemágico “Bully’s Bolero”. Então regressa essa calma contemplativa com “Azrail”. “18:06” fecha um extraordinário álbum que, de facto, parece suspender esse titã implacável que é o Cronos, e durar apenas um minuto.
Além das bases de improviso, presentes no primeiro trabalho e desde os primeiros ensaios e concertos, foram surgindo ideias mais estruturadas ao longo do tempo, este segundo disco apresenta-se com composição mais desenvolta, pelo menos a posteriori. Mas, alternando entre vias mais jazz ou mais metal, “Eksterordinare” não deixa de ser um vibrante exercício de espontaneidade. Há menos crescendos e maiores contrastes que no primeiro trabalho, confrontando momentos de extrema tensão rítmica com ambientais esparsos, algo claro desde a épica abertura com “Inibição Da Ira”. O que os Troll’s Toy preservam é a capacidade de surpreender, como nos revela o final explosivo de “Artur” – uma pena que escrevê-lo seja bastante spoiler, mas num tema como o frenético “Il Metallaro Di Hebron” não há como estragar espanto que espera o ouvinte. “Where’s Thern?” poderia chamar-se Where’s Thor?, tal o festival de graciosa pancadaria que João Martins nos oferece nas peles. Será natural falar em Morphine, em Battles, em Zappa, mas retribuo as surpresas a que os músicos nos submetem atirando esta: os solos de bateria neste tema fazem-nos recuar umas três décadas até ao vibrante trabalho de Kenny “Rhino” Earl Edwards em “Armor Of The Gods”. Yup!, acabei de mandar os Manowar como uma referência a um trabalho nacional de jazz.
Naquilo que é quase um estudo entre contrastes dinâmicos, “Placagem”, que é de facto metaleira, e “Latíbulo”, que é de facto épica, são as grandes malhas de outro excelente álbum dos Troll’s Toy. “Eksterordinare” foi gravado na Fábrica das Ideias, o cine-teatro na Gafanha da Nazaré. O Miguel Guerra levou todo o seu material e tornou o espaço num estúdio, gravando o power trio durante três dias de Julho de 2021. Foi também Guerra quem misturou o disco. A masterização seguiu para o Rui Ferreira, no Estúdio Antena Zero.
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