Ulver

Ulver, Messe I.X-VI.X

Ao lado da Tromsø Chamber Orchestra, os polimórficos lobos noruegueses usam o peso, o poder e a gravidade acústica para contrastar com a densidade electrónica dos álbuns anteriores. O álbum de fusão neoclássica dos Ulver sofre de alguma inconsistência, mas, nos seus melhores momentos, é um trabalho magistral.

Não existem muitas bandas que se tenham reinventado de forma tão constante e bem-sucedida como os noruegueses Ulver. Como uma versão menos demente, mas também menos polida dos King Crimson, os Ulver nunca se fixaram num único lugar, numa única estética, por muito tempo, avançando uma e outra vez em direção a territórios inexplorados mesmo depois de terem atingido a sua maturidade musical.

Muitos dos que passam pela ROMA INVERSA, certamente preservam o fascínio por “Bergtatt”, “Kveldssanger e “Nattens Madrigal – Aatte Hymne Til Ulven I Manden”, a canónica trilogia black metal da banda norueguesa. E logo aí, a banda já mostrava a sua aversão a manter-se estática. Depois de “Bergtatt e “Kveldssanger”, cada um deles visto até aos nossos dias como pilares do black metal e do neofolk, no seu terceiro disco, os Ulver tinham expectativas bastante elevadas às quais corresponder. Após dois álbuns deslumbrantes na sua beleza, a banda surpreendeu com uma estética poderosa, crua e animalesca.

Se os discos anteriores são mais suportados por elementos de rock progressivo e um certo sentimento romântico e bucólico da música folk, “Nattens” está mais sustentado pela ferocidade da segunda vaga do black metal norueguês. No entanto, depois de “Nattens Madrigal”, a decisão de se afastarem das suas raízes black metal deu aos Ulver uma relevância musical muito mais duradoura do que a maioria das bandas da Segunda Vaga Norueguesa. Não importa muito para onde os Ulver tenham levado o seu som em cada mudança (mais ou menos brusca), isso sempre resultou, no mínimo, em algo interessante e sincero. Uma das suas mais surpreendentes incursões, na época, foi “Messe I.X-VI.X”.

Em colaboração com a Orquestra de Câmara de Tromsø, essa encarnação dos Ulver baseia-se em música neoclássica minimalista. Lenta, sombria e mergulhada no seu singular pioneirismo, esta abordagem orquestral parece ser uma evolução lógica do trabalho ambiente anterior da banda, especialmente do sombrio “Shadows of the Sun”.

“Messe I.X-VI.X” pode sofrer com fluidez desigual e alguns momentos menos impressionantes, mas o seu casamento único de música de câmara com dark ambient, electrónica e jazz é impressionante e, nos seus melhores momentos, permanece como um dos trabalhos mais sublimes que os Ulver já produziram. Referir “Messe I.X-VI.X” de ‘álbum’ pode ser inadequado, pois tem mais em comum com uma obra clássica moderna do que com qualquer coisa no cânone popular.

“As Syrians Pour in, Lebanon Grapples with Ghosts of a Bloody Past” introduz o trabalho com uma paisagem sonora profunda e tenebrosa. Uma sanfona mantém uma melodia sombria sobre o som longínquo de uma ambiência bélica. Embora a atmosfera exótica torne o início do álbum um pouco lento, a faixa evolui para uma composição clássica moderna mais focada. Uma secção de cordas adiciona gradualmente camadas a denso arranjo que evoca “Symphony of Sorrowful Songs” de Henryk Górecki. É um slowburner, mas a faixa é quase perfeita, tanto na sua composição quanto na execução.

Embora “Messe” pareça ser predominantemente inspirado por compositores neoclássicos, a impressão mais demarcada é a de tratar-se da banda-sonora nde um filme que existe apenas na mente do ouvinte. “Shri Schneider” e “Glamour Hole (Ostinati)” seriam pontuações adequadas para um thriller de espionagem. Misturando experimentação electrónica com o modelo neoclássico, os Ulver surgiam a explorar uma fusão de géneros incomum na altura. A atmosfera resultante é imensa e futurista. Como homenagem à tradição clássica ocidental, “Messe I.X-VI.X” adota uma temática litúrgica, reflectida na atmosfera solene da obra, no uso de coros e nas letras minimalistas e religiosas.

A voz de Kristtofer Rygg tem permanecido constante ao longo do trabalho dos Ulver e a sua afirmação como um vocalista magnético e versátil deu-se progressivamente até ao pináculo que foi “Shadows of the Sun”, sobrecarregado de vozes profundas, sombrias e emocionalmente penetrantes. Infelizmente, o maior pecado deste trabalho é que os seus vocalizos parecem algo deslocados. Embora a primeira metade do álbum seja quase perfeita na sua ambiência instrumental, a voz em “Son of Man” ainda hoje não soam da maneira certa. Talvez seja resultado da letra, cuja religiosidade parece forçada, minimalista e sem profundidade.

“Mother of Mercy” – o outro tema vocalizado do álbum – tem um desempenho melhor tanto em termos líricos quanto musicais. A voz de Rygg mantém a sua profundidade e ressonância características, mas o problema parece residir na direcção neoclássica deste trabalho que não se adequa tão bem à sua voz como a abordagem electrónica do passado. Talvez “Messe I.X-VI.X” pudesse ter sido ainda melhor se tivesse sido mantido puramente instrumental. Nesse sentido, “Noche Oscura Del Alma” é uma peça ambiente sólida, com amostras distorcidas de “Mad About the Boy” de Helen Forrest evocando uma impressão pós-apocalíptica.

No final, ficam duas impressões bem vincadas neste “Messe”. Enquanto a primeira metade do álbum é verdadeiramente magistral, o segundo lado é algo decepcionante por comparação. “Messe” perde substancialmente o seu sublime sentido dinâmico depois de “Son of Man”. Para crédito do álbum, seria difícil para qualquer música seguir a quase perfeição ouvida na primeira faixa e em “Shri Schneider”.

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