Wagner, Die Walküre

A segunda parte da mais imponente tetralogia musical de sempre, “Die Walküre” estreou a 26 de Junho de 1870. O Teatro Nacional de Munique foi a primeira sala a ver a imponente Cavalgada das Valquírias.

“Die Walküre” (A Valquíria) é verdadeiramente a primeira ópera na narrativa do Ciclo do Anel, uma vez que “Das Rheingold” serve de prelúdio na tetralogia “Der Ring des Nibelungen” (O Anel do Nibelungo). Estas obras épicas inspiram-se nas sagas da mitologia nórdica e, particularmente, no poema “Das Nibelungenlied” (A Canção dos Nibelungos, uma composição da Idade Média baseada em motivos heróicos germânicos pré-cristãos que funde ancestrais tradições orais com ocorrências históricas dos século V e VI. No caso particular d’A Valquíria, Wagner inspirou-se na saga Völsunga. Escrita por volta de 1300, com base na tradição germânica, esta saga lendária islandesa remete-nos para a origem, o auge e o declínio dos Volsungos – com foco na história de Sigurd e Brunilde e a destruição dos Burgúndios, o mais antigo povo germânico.

O poder musical das composições é avassalador e, com a progressão do ciclo, cresce em complexidade. Wagner escreveu o Ciclo do Anel para orquestras de proporções descomunais e as quatro óperas motivaram mesmo o surgimento de novos instrumentos como a trompa wagneriana, o trompete baixo ou o trombone contrabaixo. A execução completa do ciclo exige cerca de 15 horas. Foi neste projecto megalómano que Wagner abdicou de vez do estilo recitativo nas composições e sublimou a sua própria técnica, o leitmotiv. E “Die Walküre” tem aquele que, provavelmente, é o mais célebre, com a vigorosa “Walkürenritt”, a Cavalgada das Valquírias que abre a primeira cena do terceiro acto.

Há imensos registos deste épico ciclo de óperas, mas porventura os mais poderosos são os que a Decca editou, com o maestro Georg Solti a conduzir a Wiener Philharmoniker, a Orquestra Filarmónica de Viena – uma das melhores do mundo. Editada pela primeira vez em CD em 2006, esta versão melhorou bastante a gravação analógica original, oferecendo mais detalhes instrumentais do que os que se ouvem na gravação que a Philips fez de Joseph Keilberth a conduzir a Bayreuth Festival Orchestra. Preferimos a Decca, até porque foi o nosso primeiro contacto imersivo com o Ciclo do Anel. É preciso dizer, no entanto, que a abundância de detalhes instrumentais, o foco na orquestra, remove algum impacto ao teatro, aos cantores. Apoiamo-nos na apreciação que a Gramophone faz desta versão, daqui em diante. As palavras são de Alan Blyth:

«É maravilhoso ouvir o início da ópera com tanta clareza, cada detalhe bem apontado, mas à medida que o Primeiro Acto avança, não fico cativado pelo amor apaixonado e trágico de Sieglinde e Siegmund, como aconteceu quando ouvi a actuação de Bayreuth. James King parece soar muito menos envolvido aqui do que na versão de Bohm. Crespin é certamente uma Sieglinde de voz mais fresca e firme do que Leonie Rysanek, mas também é muito mais retraída, por isso nem os cantores nem Solti captam bem o arrebatamento do dueto amoroso. Em resumo, o acto parece estar ligado ao estúdio. Os dois últimos actos são mais satisfatórios a esse respeito, porque Nilsson e Hotter trazem às suas interpretações de Brunnhilde e Wotan toda a experiência da sua parceria de palco.

Todavia, o desempenho de Hotter permanece apenas competente, no que diz respeito à sua parte. Podemos perdoar, no Outono da sua carreira, a oscilação ocasional na sua voz em passagens fortes, devido à imensa autoridade que transmite às frustrações, raiva e tristeza de Wotan. Mais ninguém investiu o monólogo do Segundo Acto com uma tal concentração no texto ou trouxe à sua angustiada “O heilige Schmach” uma expressão tão desesperada, e o seu relato da Despedida é justamente famoso. Estou certo de que John Culshaw tomou a melhor decisão ao elencá-lo para esta execução. Nilsson, embora não tão envolvida como surge em Bohm, canta com grande sensibilidade e sentimento, principalmente na curta e comovente passagem após a partida de Wotan, no Acto 2, e em “War es so schmahlich”, no Acto 3, e escusado será dizer que comanda com naturalidade a orquestra de Solti. Ludwig é uma Fricka devidamente comandante e fastidiosa e Gottlob Frick um dourado e implacável Hunding. As Valquírias cavalgam e cantam vigorosa e alegremente.

Solti compensa com energia e excitação o que lhe falta na visão de maior profundidade da obra: Não se sente o inevitável, o impulso de Bohm ou a incandescência de Janowski. A interpretação da Vienna Philharmonic é soberba e é ainda mais realista actualmente, tanto em versões de CD como em LP. (…) A escolha final entre Bohm e Solti dependerá do que se considerar mais importante em som e interpretação. Tenho tentado deixar latentes as diferenças. De um ponto de vista de elenco, não há muito a escolher entre os dois. Mas sei que é a Bohm que voltarei mais vezes, enquanto regressarei à Decca para ouvir o Wotan de Hotter e para o fabuloso som».

Leave a Reply