Em “A New Nature” a jovem banda de Brighton desenhou um onírico quadro bucólico, rasgado pela agressividade urbana do punk. Uma espécie de magia negra, criada com o puritanismo sónico de Steve Albini.
Dizer que as rosas também possuem espinhos é um dos lugares mais comuns que existem e usar isso como analogia à voz de Rachel Davies também não será, propriamente, revolucionário. Mas a intensidade tão doce quanto áspera de Esben And The Witch, também não desabrochou do nada. Com o álbum “A New Nature” (em 2014), o trio mudou muitas coisas. O que não mudou foi o muito de uma estranha atmosfera gótica que não é, exactamente, gótica, herdada de PJ Harvey. Uma melancolia bucólica rasgada pelo urbanismo punk que a colaboração com um guru como Steve Albini fez surgir.
Os minutos deste disco passam rápidos, comandados pelas entoações angelicais e cruas de Rachel, mas com o desconforto provocado pela aspereza do fuzz de baixo, que a cantora activa recorrentemente. A ressonância dessa sensação é amplificada pelos padrões de bateria algo “ásperos” de Daniel Copeman. As melodias estranhas e complexas de Thomas Fisher atenuam o peso que se intui, mas que nunca se concretiza. Como num sonho, a efectividade adivinha-se, sente-se, mas não se materializa. Se dreampop, enquanto rótulo, é um lugar comum, a forma espinhosa e bela como a jovem banda de Brighton o executa é absolutamente incomum. Na colossal “The Jungle” assinaram um quadro de pintura perfeita.
Rachel Davies, que canta como um anjo e toca como o diabo, reflecte connosco sobre as mudanças que a banda assumiu no terceiro álbum e o que as motivou.
Poucos álbuns fazem tanta justiça ao seu título como “A New Nature”. O que motivou tantas mudanças?
É, definitivamente, a cena mais pesada que gravámos, em termos de instrumentação, até por termos removido a maioria das coisas electrónicas. Também nos despimos de efeitos e mesmo de muito do reverb que usávamos na minha voz. Mudámos, sim, mas acaba por ser natural do nosso ponto de vista. Nunca tínhamos realmente decisões, enquanto banda, muito conscientes em relação ao nosso som, ao som que fazíamos anteriormente, mas sempre nos sentimos muito excitados em explorá-lo. Essa é uma vontade que sempre tivemos. Talvez agora nos tenhamos sentido mais confiantes para despir mais o som e torná-lo mais cru. Só nós os três com os nossos instrumentos.
Com esse propósito, vendo de fora, parece que só haveria mesmo uma escolha para produzir: o Steve Albini!
[Risos] Ouvindo as canções que graváramos em ensaio, a direcção apontava para essa estética. Qunado começámos a pensar em quem gravaria, foi um pouco instintivo, o Steve Albini fazia todo o sentido. Pela sua ética, em relação aos trabalhos que faz, e pela sua habilidade incrível em gravar uma banda e conseguir capturar a essência do seu som ao vivo. Estou orgulhosa do trabalho que fizemos com ele. Ir para estúdio e tê-lo a gravar-nos permitiu, com toda a certeza, uma refinação desse som cru e poderoso que queríamos criar. Ele é um especialista em extrair isso e a maioria das canções foram gravadas num só take de banda.
Vozes incluídas?
As vozes, por design de captação, gravei posteriormente. Houve uma diferença também aí, em relação aos dois primeiros álbuns. Nesses trabalhos fiz vários takes de voz para cada parte, repetia-os exaustivamente, perseguindo uma ideia de perfeição. Desta vez, a filosofia era a mesma das captações da banda, fazer tudo num só take. Fiz mais que um, mas fi-los sempre completos e escolhemos o melhor. É uma experiência totalmente diferente, pode ser mais difícil em relação ao fôlego, mas permite um maior dinamismo que fragmentando tudo para que fique sem falhas. Somos humanos, caramba!
É fácil dizer isso quando se tem uma voz como a tua, em vez de soar como um wookie ébrio…
[Risos] Obrigada! Referia-me mais à dificuldade em nos termos deixado ir, porque somos os três bastante perfeccionistas. Ir atrás do feeling, tocar com mais intensidade, procurar o espírito da canção e captar essa energia, não nos foi muito fácil. Com os anos começas a aprender que isso é o mais importante e que não interessa tanto que seja perfeito.
Foi esse sentido que também acabou por motivar a mudança do Daniel Copeman para a bateria?
Essa foi uma das grandes mudanças, sem dúvida. Tê-lo a tocar num kit completo é espantoso e é algo para o qual ele sempre tinha revelado imenso talento. Mesmo os seus padrões electrónicos sempre tiveram um sentimento muito percussivo. Ele foi desenvolvendo isso pouco a pouco, começou com uns timbalões e tarola, depois pratos, bombo, e agora tem um setup bem louco, que está sempre a aumentar. Em termos dinâmicos, o facto de ele ter um papel mais definido, em vez de estar a mover-se de uma coisa para a outra, permitiu um som mais… limpo. Obviamente, também nos permite conseguir um som mais forte. É inegável, há algo primitivo e animalesco na bateria. Adoro bateria e acho que o Daniel tem feito um excelente trabalho que permite que eu e o Thomas [Fisher] tenhamos um enorme gozo a trabalhar a partir do que ele faz.
O teu som de baixo também é bastante selvático…
Na verdade não uso nada de extraordinário. Só uso pedais de distorção. Há um velho pedal da Yamaha, o DI-01, que o Daniel comprou há uns 10 anos. É bastante normal, mas não consigo deixar de o usar. Sempre que se estraga vou arranjá-lo, porque tem um som incrível! Além desse também tenho um velho Big Muff (Russo), não há mais pesado. Nos amps não sou esquisita, sou mais com as colunas. Preciso de muitas colunas e volume e acabei por me afeiçoar a uma SVT-810 toda escavacada. Não sou viciada em material, precisava de soar “sujo e alto”.
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