Morte Incandescente, Vala Comum

Com o selo da Signal Rex, o quinto álbum de Morte Incandescente, é um disco onde esse persistente sentimento blasfemo e maníaco e a rudeza que o projecto emana surgem categoricamente revestidos por um riquíssimo trabalho vocal e recursos roqueiros assinaláveis.

Mantenho, enquanto ouvinte, uma relação difícil com o black metal. Particularmente com aqueles discos que seguem mais severamente a ortodoxia do género. Primeiro, porque a produção crua, é tão fascinante quanto àspera à degustação auditiva, porque os músicos, na maioria dos casos, optam por relegar a destreza técnica para segundo plano, em favor de dinâmicas mais furiosas na sua execução e porque, pelo próprio carácter sónico do género, acabo exposto a maior estridência, quando por natureza, a minha preferência recai sobre as paredes de graves e as sub afinações que começaram a ser criadas por Iommi.

Naturalmente, que o antagonismo que o black metal constitui para mim, não tem qualquer relevância para o género que, com as raízes bem firmes na cultura punk rock, na antítese das sonoridades mais melódicas de outros espectros musicais (mesmo dentro do heavy metal) prossegue a sua expansão. Fruto disso mesmo, é o facto dos Morte Incandescente já contarem com duas décadas de carreira discográfica, culminadas neste “Vala Comum”. Um disco que, precisamente, soa ainda menos punk e mais tradicional dentro do género que o seu antecessor “…o Mundo Morreu”, trabalho de 2016. É também, contrariando as reservas com que abordo o género, um disco com uma robusta parede de graves que o dota de um groove tão natural como a crueldade com que soam as guitarras, principalmente, e também as baterias. Portanto, a feroz ortodoxia do género que permite sempre enorme itensidade ao vivo, que permanece o meu contacto privilegiado com o género – sim, nessa meca que é o SWR – misturada com um corpo sonoro bastante articulado.

Mas talvez o mais surpreendente sejam os recursos criativos que Nocturnus Horreendus e Vulturius aqui apresentam. Desde o poder exalado logo em “Instalação Humana”, o antémico “Nós Somos O Underground”, a abertura rock ‘n’ roller de “O Véu” e a funky de “As Luzes Da Cidade” ou o quanto tresandam a Motörhead “O Uivo Da Noite” e “A Seia Dos Vermes”, há muitos momentos de elaborada fusão ao longo do disco. Atrevo-me a dizer que isso não deixa de ser também um traço editorial da própria Signal Rex, selo cujo fervoroso trabalho tem promovido algumas das propostas mais intrigantes neste cavernoso submundo. A execução instrumental dos músicos não é perfeita mas, como um todo, o disco nunca perde o seu balanço e, quiçá por ser aquele no qual investi maior atenção, parece ser o mais desenvolto deste projecto. Também o mais maduro. Onde esse persistente sentimento blasfemo e maníaco e a rudeza que o projecto emana surgem categoricamente revestidos por um riquíssimo trabalho vocal e recursos roqueiros assinaláveis.

“Vala Comum” não foi eleito para a nossa lista dos melhores trabalhos nacionais de 2021. Suspeito que a banda se esteja pouco mais que a marimbar para isso, mas poderia muito bem lá figurar…

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