De “Debut” (o segundo álbum a solo, mas o primeiro assumido oficialmente) ao mais recente “Fossora”. Viajamos pela soberba discografia de uma das artistas mais importantes da transição dos milénios, a islandesa Björk.
Estávamos em 2020 e a entrada de todo o catálogo de Björk no Bandcamp surgiu impulsionada por uma boa causa, todas as vendas feitas até dia 19 de Junho reverteram a favor do movimento Black Lives Matter UK. Toda a discografia, desde do álbum de estreia em 2013 até “Utopia” editado em 2017, está disponível para audição e para compra no formato digital, vinil, cassete e CD, basta visitar o Bandcamp oficial de Björk.
“Fossora” é o álbum mais recente da islandesa. Micologista apaixonada, Björk apelidou “Fossora” como o seu “álbum de cogumelos” – terrestre, orgânico e reminiscente do círculo da vida. Os músicos por detrás de “Fossora” incluem um sexteto de clarinetes-baixo, batidas criadas pela dupla de dança indonésia Gabber Modus Operandi e vocais do seu filho Sindri, da sua filha Ísadóra, e do músico Serpentwithfeet. A falecida mãe de Björk tem dois créditos de composição de canções, tornando as referências do álbum à vida e à morte ainda mais pungentes.
Sobre “Ancestress” e sobre a sua mãe, nas suas redes sociais, a artista descreve: «Foi escrita logo a seguir ao seu funeral e é provavelmente uma reacção comum de um músico, o impulso de fazer a sua versão da história. […] Esta canção é uma carta à minha mãe, a sua história vista do meu ponto de vista. Está escrita em ordem cronológica, o primeiro verso é a minha infância e assim por diante». O sucessor de “Utopia” [2017] foi editado no dia 30 de Setembro de 2022, via One Little Independent Records. A capa de “Fossora” foi descrita como uma imagem da cantora retratando «um duende da floresta brilhante, com as pontas dos dedos fundindo-se com os fantásticos fungos debaixo dos seus cascos».
UTOPIA
Ainda sobre “Utopia”, em Agosto de 2019, a islandesa estreou o extraordinário vídeo de “Losss”, single do álbum, e anunciou uma reedição desse trabalho de 2017, através de uma caixa de coleccionador que está acompanhada de 14 flautas contruídas artesanalmente. Afinal, esse instrumento teve um papel preponderante no som de “Utopia”.
Björk comentou esta reedição, afirmando: «Utopia tem tanto a ver com o canto das aves e a mutação sónica entre sintetização/ave, ave/flauta, flauta/sintetização…… Essa respiração foi o tema central de todo o álbum. Então, fiquei bastanta entusiasmada quando encontrei estas flautas artesanais em madeira que imitam precisamente determinados pássaros. Quis que vocês tivessem a oportunidade de partilhar isso comigo». As flautas foram construídas em colaboração com a empresa francesa Quelle est Belle. A caixa de coleccionador estará disponível através da editora de Björk, a One Little Indian e tem um custo de cerca de €550.
De resto, Björk ficou tão satisfeita com o trabalho das flautas em “Utopia” que já prometeu lançar no futuro uma versão ao vivo do álbum, composta apenas por arranjos em flauta. «Há um enorme mundo na flauta que não explorei completamente, por exemplo, mais solistas e formas misteriosas de tocar flauta, e irei ensaiar com flautistas na Islândia», confessou a artista à Apple Music.
Borgerður
No Bandcamp da artista estão várias versões dos álbuns de estúdio gravadas ao vivo. No mesmo sentido, Björk empresta recorrentemente as suas canções para remixes e ele própria trabalha constantemente em novos arranjos e na exploração de novas soluções musicais para aquilo que já gravou. É nesse sentido que chegamos a “Cosmogony”, canção que surge originalmente no álbum “Biophilia”, de 2011, e já em 2020 foi editada numa versão a cappella, com Björk a juntar-se ao The Hamrahlíð Choir.
A cantora revelou que esta ideia tem uma história antiga por detrás. «Eu estava neste coro quando tinha 16 anos e penso que todos os músicos islandeses de que já ouviram falar foram educados e baptizados musicalmente por [Hamrahlid Choir founder Þorgerður Ingólfsdóttir]», explicou a artista nas redes sociais. «Borgerður é uma lenda na Islândia e tem guardado o optimismo e a luz nos tempos tumultuosos em que a adolescência se encontra e também tem encorajado e encomendado dezenas de música coral de todos os compositores mais proeminentes da Islândia durante cerca de meio século».
Segundo um comunicado de imprensa sobre “Cosmogony”, a letra explora a origem da matéria e dos sistemas astrofísicos. Para enfatizar estes temas de uma forma fresca, as novas harmonias corais pretendem espelhar o milagre da vida inteligente que emerge dos compostos orgânicos. O tema faz parte do álbum do CHamrahlíð Choir, “Come and Be Joyful”, que foi editado a 04 de Dezembro de 2020 através da One Little Independent Records (f.k.a. One Little Indian). O disco também vê Björk contribuir com uma nova versão da sua composição “Sonnets”.
BIOPHILIA
“Biophilia” prossegue a busca da islandesa por sons orgânicos e pela construção dum mundo sonoro de fusão entre os dotes físicos com os tecnológicos. Tal como sucedeu no anterior “Volta” a relação entre músico e musicado é mais suave do que havia sido em “Medúlla” – mas continuam reminiscências desse álbum totalmente a cappella ainda neste disco. Desde “Vespertine” que Björk foi descurando o sentido pop dos seus trabalhos e ao ouvir-se a profunda beleza dum disco como este, só podemos dizer que essa aposta foi ganha. “Biophilia” caminha entre o sentido experimental de Vangelis nos anos 70, com um tamanho enorme de som e dinâmica e uma produção fascinante que retrata simplesmente o disco mais ambicioso que a cantora islandesa já gravou – basta pensarmos que um tema como “Thunderbolt” recorre a um instrumento baseado nas torres de electricidade de Tesla!
A composição mostra Björk no ponto máximo da sua carreira, os crescendos emocionais e rítmicos, as linhas melódicas hipnotizantes, as explosões electrónicas [como em “Crystalline” ou “Mutual Core”], ou até a genialidade de num tema como “Moon” podermos ouvir ciclos diferentes na música, tal como sucede com o satélite terrestre; além duma das maiores características de vigor deste trabalho, o uso de estruturas rítmicas fora da usual chave em 4/4, sem prejudicar o sentido imediato de absorção do disco nos nossos ouvidos tão viciados, irá fazer perpetuar a audição dos temas sem um desgaste tão imediato. Tudo isto torna “Biophilia” num dos álbuns que é, facilmente, um dos marcos da década passada e na obra maior de Björk. Por favor, comprem este álbum!
A SENSUALIDADE & A INOCÊNCIA
“Vespertine” é o quarto álbum de estúdio da artista de gravação islandesa Björk. Foi lançado a 27 de Agosto de 2001, no Reino Unido, pela One Little Independent Records e, nos Estados Unidos, pela Elektra Entertainment. A produção do álbum começou durante as filmagens de “Dancer in the Dark”, que foram marcadas pelo conflito entre a islandesa e o realizador Lars von Trier. O som de “Vespertine” reflecte o interesse demonstrado por Björk, na altura, pela música de artistas como Opiate e Console, que também foram alistados como produtores.
Em 2001 já não havia grande originalidade em dizer que Björk é genial. Mas em toda a discografia desta poderosa dríade islandesa, “Vespertine” é, certamente, um dos seus trabalhos mais sólidos e permanece como o nosso preferido. O poder e a quase selvageria de “Homogenic” desvanecem-se pouco a pouco para deixar um lugar preponderante ao sonho, a um profundo e órfico erotismo e a este tecido sonoro etéreo e hipnótico do qual só Björk tem o segredo; os coros distantes, a harpa e as camadas de sintetizadores vão totalmente nesta direcção. Não há nenhuma fraqueza neste álbum.
Quem dá o fio condutor a “Debut” (que, na verdade, não é o primeiro, mas o segundo álbum de Björk a solo, sendo que estreia foi em 77 com o LP homónimo) é o produtor Nellee Hooper, o Bristoliano membro do Wild Bunch, que viria a metamorfosear-se nos Massive Attack. Agarrando nas ideias soltas de Björk e em melodias e letras compostas ao longo de 3 décadas, Hooper coze tudo com os arranjos que viriam a tornar “Debut” um clássico: a batida omnipresente da cena de dança, as orquestrações luxuriantes, o jazz sujo, os detalhes da electrónica ambiente. E a voz de sotaque estranho, e inflexão única, que não sabe bem se quer cantar, gritar ou sussurrar. A voz de Björk pode num dia ser um bálsamo e noutro ser giz numa lousa.
Lançado pela One Little Indian, esperava-se que vendesse à volta de 40.000 cópias em todo o mundo, número baseado nas vendas dos Sugarcubes. Vendeu 600.000 no primeiro trimestre! Björk deixou de ser a vocalista de uma obscura banda indie para pertencer aquele muito raro clube de estrelas pop que são conhecidas apenas pelo primeiro nome (o facto do segundo nome ser impronunciável poderá contribuir para tal). Mas mais do que uma “estreia” auspiciosa, “Debut” é um marco na estrada da música: inaugura um a certa expressão da pop, em que o experimentalismo electrónico, a toada dançante, o impressionismo emocional das letras (mais preocupadas em capturar pequenas impressões, de momentos fugazes, do que grandes declarações de intenções) e a vontade de fugir a fórmulas são os componentes estruturais. Podemos chamá-lo de pós pop. Arte pop.
Podem mergulhar a muito mais profundidade nas sinestesias de “Debut”, com as palavras do Carlos Garcia.
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