João Vairinhos, A Distópica Vénia

Em 2018, João Vairinhos abriu um ciclo criativo que culminou no EP “Vénia”, uma distópica narrativa sónica que alastrou até às sinergias apresentadas num precioso trabalho de remixes.

Primeiro chegou “Vala Comum”. Membro fundador dos LÖBO e músico ao vivo de projetos como MURAIS, Ricardo Remédio ou Wildnorthe, João Vairinhos estava de regresso às edições de estúdio e a antecipar um EP carregado de justaposições de luz e sombras. O tema conta com sintetização adicional por Sérgio Prata Almeida. O single surgiu acompanhado de um trabalho audiovisual assinado por Mariana Vilhena, artista visual que, entre outros projectos, acompanha Kara Konchar nas suas performances ao vivo.

Através da sobreposição de imagens de arquivo a preto e branco com um forte sentido rítmico e história, o vídeo estabelece um elo de ligação entre a imagem mental que o termo “Vala Comum” desencadeia na mente do espectador. Podem tirar as vossas conclusões ao visualizar o vídeo abaixo.

Depois veio “Vénia”, através dos selos conjuntos da Raging Planet, Regulator Records e Ring Leader. Composto por três temas de cariz instrumental, o disco procura explorar ambientes distópicos, com recurso a sonoridades próximas da música electrónica e ambiental, tendo sido destacado em vários meios de comunicação nacionais. Um trabalho onde, entre as bandas do músico se situam ainda referências às abordagens hardcore, industriais e post metal de Justin Broadrick. Surpreendeu o primeiro impacto pela maturidade e desenvoltura minimalista das composições e por se tratar de um arrojado trabalho de sintetização de um músico que é, acima de tudo baterista. Esse factor será preponderante no sentido rítmico (que se intui e se sente) em cada uma das músicas.

Vairinhos explica este EP composto por três temas: «A composição deste disco teve início em 2018 e ocorreu numa fase em que li várias obras de ficção que remetiam para contextos assentes na opressão (ideológica, material, científica, amorosa…). Dei por mim a tentar musicar algumas imagens que as páginas desses livros me ofereceram durante as leituras. Não foi um ponto de partida intencional, foi algo que aconteceu na primeira música e como gostei do resultado, deixei-me ir. Aos poucos fui percebendo que o disco estava a funcionar como uma espécie de enquadramento sonoro de uma distopia, e assumi esse resultado no nome do disco e das músicas».

As dificuldades que enfrentou, explicava-as à Threshold Magazine: «Tinha quatro músicas inicialmente, mas achei que uma não se enquadrava naquilo que pretendia para o disco. Sinto uma insatisfação permanente com aquilo que estou a fazer, por isso, durante o período de composição oiço as músicas compulsivamente à procura dos defeitos, da ordem correta, etc e, sempre que aquela música chegava, não me fazia sentido estar ali. Tenciono aproveitar partes dela para coisas futuras, mas no Vénia não parecia moldar-se no ambiente, não tinha aquela intensidade que ele aporta. O maior desafio neste disco foi criar um fio condutor, uma narrativa coerente e articulada entre o título do disco e dos temas, a sonoridade das músicas – queria que tivessem cargas emotivas diferentes, altos e baixos – e o artwork do disco. No que diz respeito à imagem e fotos promocionais, tive o privilégio de poder utilizar fotografias do Pedro Roque e de ter a ajuda da Sara Inglês nas artes finais e o resultado ficou muito próximo daquilo que eu imaginei»

Além da participação de Sérgio Prata Almeida, Ricardo Remédio também emprestava o seu talento a um dos temas, precisamente a “Vénia”. O EP foi misturado pelo próprio Vairinhos, num trabalho conjunto com Pedro Barceló, que também assinou a masterização.

Um ano após esta edição e depois de ter convidado Lázaro (projecto a solo de Pedro Geraldes) a reinterpretar o tema que partilha o título com o EP, João Vairinhos decidiu criar uma edição dedicada a remisturas assinadas por outros nomes da produção nacional. Cada um dos três temas de “Vénia” possui, por sua vez, três remixes de outros artistas.

Na primeira tranche de convidados, por exemplo, além do retrato futurista e celestial esculpido por Pedro Geraldes (Linda Martini, Mão Verde, Água & Sal), João Vairinhos tornou a contar com Ricardo Remédio e ainda Kara Konchar, o mais recente projeto a solo de Miguel Béco de Almeida que noutras andanças marcou presença no cenário musical com o seu alter-ego Átila.

A foto que ilustra o artigo é do Pedro Roque.

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