Alicerçado numa dieta de estupefacientes, “Vol.4” é a cúpula da tetralogia sagrada com a qual os Black Sabbath reescreveram a história da música.
Este não é um álbum de metal, heavy metal, stoner ou doom, é antes um diário sacrílego sobre a importância dos narcóticos como potenciadores da capacidade criativa. Nele, Iommi, Ozzy, Ward e Butler surgem como pitonisas em transe psicotrópico, a inalar o fumo e o pó da criação eléctrica. O experimentalismo, presente como em nenhum dos três trabalhos anteriores, derivará desse factor e acaba por fazer de “Vol.4” o álbum menos focado dos quatro. Mesmo em termos de impacto mediático, este é o que tem menos hinos que chegaram à aclamação mainstream.
Contudo, ao final de 50 anos, esse factor de alguma dispersão torna o álbum capaz de sobreviver à erosão da exposição contínua. Ou seja, actualmente é mais fácil ser surpreendido por este trabalho que por “Paranoid”, por exemplo. A meio disto a banda consegue ainda aqui ter o peso de “Master of Reality” e a acessibilidade de “Paranoid”. Não é um álbum perfeito, apenas porque num ou noutro momento há uma perda significativa de controlo durante o disco, ainda que seja precisamente isso que o torna tão distinto.
Além disso, a espontaneidade rítmica, o balanço de Butler e Ward, tem um swing que mais nenhum dos 4 álbuns sagrados consegue demonstrar, bem como ambos os músicos surgem mais independentes, nas suas prestações, das tecelagens graníticas de Iommi (algo a que não é alheia a forma brilhante como Colin Caldwell e Vic Smith foram capazes de, mantendo o peso sólido da batida de Ward, abrir mais o som de bateria na mistura, tornando-a maior). A acentuar a sensação mais psicadélica do álbum, também os vocalizos feéricos de Ozzy surgem mais soltos das linhas melódicas instrumentais.
Iommi não é o melhor guitarrista da história das seis cordas dentro do espectro sonoro mais pesado, mas é o maior. Foi ele o Ferreiro que inventou o martelo e a bigorna que haveriam de mudar para sempre a história da guitarra eléctrica – hoje usam-se afinações em B ou mesmo drop A de modo a que seja mais imediata a sensação monolítica do som (em “Vol.4” não há afinações abaixo do drop D), mas Iommi erigiu dólmens com as mãos.
Após cinco décadas, fica a sensação de que a música vai sendo refém de detalhes de produção, da indústria e mesmo da displicência que a era digital permite na execução. Mas uma máquina jamais terá alma – e ao fim deste tempo a salvação do rock não reside sob os holofotes dos media, mas continua no submundo da amplificação onde os Black Sabbath permanecem como a figura maior do panteão ao qual, aí, se presta culto. Ouvir “Vol.4” fará qualquer jovem crente querer pegar na guitarra e incorporar o “Supernaut”…
…«I want to reach out and touch the sky».
VOL.4: SUPER DELUXE EDITION
Em Fevereiro de 2021 chegou uma versão expandida do clássico disco de 1972. Os fãs podem ouvir 20 gravações em estúdio e ao vivo até aí inéditas, nos formatos 4xCD e 5xLP. Ambos os formatos vêm com extensos cadernos de notas, com citações de Ozzy Osbourne, Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward. A colecção inclui também um poster, fotografias raras e um rascunho inédito do trabalho artístico do álbum, que ostenta o título de trabalho “Snowblind”. “Vol 4: Super Deluxe Edition”, integra ainda um concerto captado ao vivo na digressão britânica de 1973.
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