Sob a tutela do governador Manuel Fernandes, guicho transmontano, a Bunker Store tem vindo paulatinamente a tornar-se uma fiável e regular contribuidora para a colecção discográfica de adeptos do rock pesado e alternativo. Por aqui, entre vários discos aí adquiridos, destacamos “Houdini”, dos Melvins.
A BUNKER Store fica na loja nº 12, no Centro Comercial Invictos, na Rua Passos Manuel (entre o Coliseu do Porto e a Praça dos Poveiros). Aí todos melómanos devotos aos suportes analógicos (vinil e cassete) encontram desde raridades até às bandas mais recentes do underground mundial, dentro de um espectro bastante alargado, mas com um enfoque muito especial no Hard n’ Heavy, AOR, Hard FM, Speed, Thrash, Power, Doom, Black, Death Metal. Para além da música, há também à venda uma seleção de artigos promocionais das mais variadas bandas nacionais e estrangeiras. «A Bunker Store é uma casa de amigos e melómanos desde 03.05.2014», in Facebook.
Portanto, a Bunker Store está a celebrar o seu oitavo aniversário e nada como celebrá-lo recordando alguns discos que a ela nos unem. Desde logo, na mais recente edição do Barroselas Metalfest, ficou combinado a entrega do mais recente LP dos Midnight, o porcalhão e rocker “Let There Be Witchery”. Esse barbudo, jóia de pessoa, que é o Manuel Fernandes, recusou educadamente o acerto de contas: «Pagas essa merda depois, car*alho». De modo que, na recta final do festival, nos deparamos com mais uns cobres no bolso para rebentar em copos. [Nota: contas saldas entretanto, do disco e da ressaca]
Mas a Bunker já teve um papel ainda mais determinante na vida deste que vos escreve, numa ocasião que também teve lugar na irredutível vila minhota. Em 2014, a rainha a quem hoje chamo esposa terminara a formação na sua especialidade cirúrgica, encerrando assim o seu percurso académico em medicina. Merecia um valente presente! Um presente que me esqueci de comprar… Estando ambos no festival e tentando preservar a maior coolness possível, lancei-me em secreto desespero às bancas do metal market do SWR. Após frenético crate digging, na banca daquela que viria a tornar-se a Bunker Store, ali estava ele: “No More Tears” (discaço já alvo de review nestas páginas). Uma edição algo rebentada, mas meio rara. Um promo para rádios e imprensa que permitiu fazer um figuraço diante da minha miúda e que, hoje, depois de bem limpinho e com uma boa agulha passa sem saltos no prato.
Estávamos no final de 2019, poucas semanas antes deste tremendo choque que foi a catástrofe sanitária, e num trabalho para a AS fui até ao Porto, para participar nesse vibrante evento que foi o Oporto Soundshock (podem ler toda a reportagem exclusiva, com entrevistas e testes a gear, nesta edição impressa da revista). Uma das bancas presentes no evento era a da Bunker Store. Altura para um aperto de mãos, um ou dois finos (ainda que mal passasse das 10h) e passar a pente fino os discos que o Manuel levou consigo.
A busca resultou na compra de um par de discos, entre os quais um álbum essencial de King Buzzo & Co. Alguns leitores poderão discordar desta escolha e argumentar com o “Gluey Porch Treatments” ou “Bullhead”, como a quintessência dos Melvins e até os mais influentes para o exterior. Contudo, “Houdini” parece-nos ser o grande triunfo da banda. Isto por dois motivos: combina um teor mais comercial com o sentido “sabbathiano” dos álbuns mais pesados e também o ambiente de garagem dos primeiros trabalhos – isso reflecte-se não só no som, mas também no formato, e “Houdini” tem descargas de 3 ou 4 minutos, mas também rolos compressores de 7 minutos e 10.
A intensidade dos temas mais curtos surge como arquitectura admirada pelos Nirvana e, de resto, Kurt Cobain foi um dos padrinhos da entrada da banda no catálogo da Atlantic. Era para ser o produtor, mas como o trabalho não avançava essa função foi assumida por Billy Anderson. Cobain acabou por ficar creditado como co-produtor, um tag que convinha à label. O que é uma marca, muitas vezes, do comportamento execrável destas editoras é o facto de, após este e mais dois álbuns a todos os títulos brilhantes, a Atlantic ter descartado a banda. Quanto ao álbum em si, o facto de ter sido a primeira experiência de King Buzzo e dos seus pares numa editora mainstream não retirou um milímetro de carácter ao som dos Melvins. Poderoso, carregado de groove, sujo e experimental. Com uma coisa que sempre distinguiu os riffs da banda com a simples reprodução da discografia de Black Sabbath – um sentido muito mais mordaz no humor. Curiosa a cover de outro nome que a banda sempre assumiu no seu universo de influências – “Going Blind”, balada dos Kiss.
É preciso lembrar que os Melvins não são um fruto da sede dos tubarões do mercado em conseguir novos porta-estandartes de tendências, mas uma banda que, tendo surgido em 1983, lançou este álbum já com 10 anos de carreira e 5 álbuns editados. Quando se fala em Seattle e cenas musicais, seria importante ouvir o trabalho desta banda e perceber como foi pivotal no underground de onde brotaram alguns dos maiores nomes do rock nos anos 90. Aliás, Dale Crover formou os Fecal Matter com Kurt Cobain em ’85 e já em ’88 gravaria demo com os Nirvana, da qual nove dos dez temas seriam editados oficialmente nos álbuns “Bleach”, “Incesticide” e na colectânea de raridades “With The Lights Out”.
Influente como todos os trabalhos da banda, com riffs de pedrada colossal, experimental sem nunca colocar em causa o balanço e o sentido de produção para o ouvinte. “Houdini” é uma pérola submersa por interesses comerciais. A banda, alheia a trends e interesses, prossegue ainda hoje uma cruzada de autenticidade rara na actualidade. O grunge morreu, os Melvins vivem!
Quanto à Bunker. Podem ainda visitar virtualmente a loja via Circuito Malmandado. Numa peça que recapitulamos por aqui. Um abraço, Manuel!
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