Editado em 2019, “A Dawn To Fear” criou um renovado ciclo estético depois de “Vertikal” e o respectivo EP “Vertikal II”. Johannes Persson lança um olhar sobre o 9.º álbum dos Cult Of Luna.
“A Dawn To Fear” sucede ao trabalho conjunto dos Cult Of Luna com Julie Christmas, “Mariner”, e é o nono LP na discografia da banda de Umeå, Suécia. Carregado com uma tremenda parede de amplificação e com a densidade atmosférica do post-metal, “A Dawn To Fear” possui o selo da Metal Blade Records. Discão de ambientes épicos, peso e melodia, como só é possível verificar neste espectro musical.
Composto por oito faixas e com setenta e nove minutos de duração, incorpora tudo o que os acólitos da banda esperam dos Cult Of Luna, ao mesmo tempo que explora novos terrenos. «Sabíamos exatamente o álbum que queríamos fazer, e isso seria a antítese de tudo o que já fizemos. Para cada álbum, houve um tema muito concreto. Já sabíamos desde o início o tipo de história que queríamos contar, e eu não queria que fosse assim. Tenho percebido muitas mudanças subtis e padrões no meu próprio comportamento e pensamento nos últimos anos e queria que este fosse um processo completamente espontâneo. Só queria ver o que sairia de mim, e ‘A Dawn To Fear’ é o resultado disso», refere Johannes Persson, a principal força criativa da banda.
Desde a ominosa introdução sinistra de drone e trovejantes baterias da faixa de abertura “The Silent Man” até ao colapsante crescendo de “The Fall” que encerra o álbum, não há um momento desperdiçado. Desde a sua origem, os Cult Of Luna têm revelado uma capacidade singular para alternar sentimentos, alternando entre melancolia dolorosa e sinistra num instante, antes de trazer o céu abaixo com riffs pulverizantes logo a seguir, fazendo isso de uma maneira aparentemente natural e sem esforço e alcançando impacto máximo uma e outra vez.
Criar
A capacidade dos Cult Of Luna para fazer isto apenas cresceu ao longo do tempo, mas isso não significa necessariamente que as músicas cheguem sempre facilmente a bom porto. «Levou muito tempo para escrever o álbum, mas também pareceu muito rápido, porque para mim, escrever uma música pode levar de um dia a talvez um ano. Por exemplo, ‘Nightwalkers’ demorou a concluir. O riff principal surgiu e tentei muitas maneiras diferentes de amarrá-lo, o que levou a muitas versões diferentes para finalmente completá-la».
A táctica de Persson é escrever todos os dias, para procurar ultrapassar os momentos em que se sente preso, e o músico admite que grande parte do que cria não chega a lugar nenhum, enquanto algumas músicas se unem muito rápido. É uma técnica que funciona para si e sobre a qual reflecte filosoficamente: «Precisas passar por isso e é um trabalho árduo, continuar a arrastar essa corda longa e pesada porque, mais cedo ou mais tarde, haverá algo na ponta. Se não escreves, deixas de puxar essa corda».
Persson também afirma que, uma vez que os restantes elementos dos Cult Of Luna se envolvem, todo o processo ganha outra tracção. Vivendo longe uns dos outros, não têm a oportunidade de estar na mesma sala com muita frequência, então fazem valer as horas que passam juntos. «Somos um colectivo e, quando digo isto, quero dizer que o som da banda é o nosso som como membros individuais a fazer o que fazemos naturalmente. Ter a malta da banda a dar as suas contribuições, criamos uma música real a partir das ideias que desenvolvi com muita rapidez, porque tenho a sorte de tocar com pessoas muito talentosas. Há muita instrumentação variada no álbum e tudo o que se ouve lá é tocado por alguém na banda, não há músicos convidados envolvidos», refere o líder dos Cult Of Luna.
Procurando descrever objetivamente o som de “A Dawn To Fear”, Persson acredita que transmite uma sensação mais orgânica, alcançada em grande parte pelo uso de órgãos e outros instrumentos acústicos em vez de sintetização, e é talvez uma colecção mais melancólica de canções. É também, indiscutivelmente, mais pesado do que o anterior “Vertikal”, de 2013, e a colaboração de 2016 com Julie Christmas, “Mariner”, tanto em termos da pura densidade da música quanto no seu som.
Em vez de discutir o assunto das músicas, Persson prefere deixá-las abertas à interpretação, e, como a música, a escrita das letras exige muita aplicação: «Às vezes, leva muito tempo para escrever letras – leva muito tempo mesmo – mas houve uma música que precisava de letras quando íamos fazer uma versão demo, e escrevi-as numa hora ou algo assim e sabia exatamente o que queria escrever. Mas na maioria das vezes, são coisas que vêm até mim e formam uma ideia e ganham o seu próprio ritmo. Normalmente, avalio o que preciso para uma música que está escrita de outra forma e escrevo para se adequar a essa necessidade. Fiz isso em algumas músicas aqui, mas permiti-me ir para onde a minha mente me levasse».
Concluir
Quando se tratou de gravar o álbum, os Cult Of Luna optaram por trabalhar no Ocean Sound Recordings na Noruega, que, como o nome sugere, está localizado bem perto da costa e longe da cidade mais próxima. Durante onze dias, a banda viveu no estúdio e desfrutou do processo de construção do álbum.
«Todos produzimos como sempre fizemos e diria que nunca tivemos uma atmosfera tão relaxada na banda. Crescemos e todo mundo está concretizado com os seus diferentes papéis. Tínhamos duas salas diferentes, para que pudéssemos simultaneamente gravar baixo numa e guitarra noutra. Depois, o Andreas [Johansson] poderia fazer uma pausa e o Kristian [Karlsson] poderia gravar teclados nessa sala, e eu gravava vozes na outra. Foi muito orgânico e agradável, tive um tempo de qualidade com os meus amigos, e estou realmente feliz por termos feito as coisas assim. Não posso recomendar esse estúdio o suficiente, para os que possam e queiram ter uma experiência muito especial», diz Johannes Persson.
Com o produto final a atingir a duração de um CD duplo, houve algum debate no seio dos Cult Of Luna acerca da possibilidade de cortar uma faixa do disco, algo que, felizmente, não chegou muito longe. «Olhámos para aquela lista de músicas e não conseguimos. Isso facilitaria a vida a todos os envolvidos, afinal, cortar uma música não seria um problema quando se trata de LPs e CDs, mas simplesmente não conseguíamos ver o álbum de outra maneira. Estas músicas são as que fazem sentido. Se cortássemos uma ou outra, arruinaria toda a dinâmica do álbum».
Retrospectiva
Apesar do incontável número de bandas que seguem as suas linhas mestras, a coroa do post-metal continua a assentar firmemente sobre o nome dos Cult of Luna. “A Dawn to Fear“, a diligência de 2019 numa discografia que, até aí, compreendia peças essenciais como “Salvation”, “Somewhere Along the Highway” ou “Vertikal“, veio sublinhar o peso avassalador e a intensidade da arte do colectivo sueco, que após mais de duas décadas no activo se encontra num momento criativo fulgurante, como se pode perceber pela edição quase sucessiva de “The Raging River” (2021) e “The Long Road North” (2022).
Seguindo esse trilho de fulgor criativo, o projecto único com o synthwaver Perturbator e Johannes Persson, dos Cult Of Luna, estreou-se nos palcos no Roadburn 2022. O álbum homónimo de Final Light chegou a 24 de Junho desse ano, via Red Creek.
Este tremendo ciclo iniciou-se, pode dizer-se assim, com a criação de “A Dawn To Fear” que, cumprindo a meia década de edição em 2024, estava a ser ultimado em estúdio em Dezembro de 2018. A banda sueca não deixou passar a oportunidade de o recordar no seu Facebook oficial, partilhando uma série de fotografias dos trabalhos no Ocean Sound, estúdio situado em Giske, na Noruega.