O segundo álbum com Mike Patton e o primeiro em que o vocalista participou criativamente. O trabalho final do guitarrista Jim Martin com a banda. “Angel Dust” é o disco de maior sucesso comercial dos Faith No More, editado a 08 de Junho de 1992.
A gravação de “Angel Dust” seria sempre um tempo de experimentação para os Faith No More. Desde as suas origens que a banda prospera em atrito e confronto; o guitarrista Jim Martin nem sequer ensaiava com os outros músicos e os sussurros de síndromes de putos mimados e egomania sobem constantemente o volume. Mas é daqui que vem o fluxo criativo dos Faith No More. Em 1992, numa altura em que o terceiro LP da banda estava na sua fase de misturas (na época e durante muito tempo, a banda considerou “Introduce Yourself” o seu primeiro álbum, pelo menos até à reedição de “We Care A Lot”, anos mais tarde), Steffan Chirazi ligou um gravador de fita diante de Roddy Bottum, Billy Gould e do Big Sick Ugly One e sentou-se a ver a merda ser espalhada pelo ventilador. Aqui recordamos esse pedaço de arqueologia musical…



O caos é abundante, as vozes levantam-se e a música é maliciosamente diversa e insana. Não seria de esperar que fosse de outra forma. «Não haverá meio-termo para este álbum», afirma Gould. «Ou será absolutamente enorme ou será a porra de um absoluto fracasso». Os Faith No More estão a misturar o seu terceiro álbum de estúdio, intitulado “Angel Dust”. Jim Martin tem estado amuado em casa desde antes do Natal [de 1991], e se não fosse pelo facto dos Faith No More serem uma democracia, certas ideias já teriam sido vazadas pelo autoclismo. Mas esta agitação é intrínseca ao trabalho dos Faith No More. Eles precisam de se chatear uns aos outros para trabalhar e conseguem-no fazer de forma notável. Um barzeco reles na esquina dos estúdios Coast Recorders, de São Francisco, vê Bill Gould, Roddy Bottum e o produtor Matt Wallace a beber cervejas baratas e a fazer conversa fiada.
Mas, qual é a pressão envolvida no trabalho seguinte a um álbum de enorme sucesso? «Praticamente, toda a gente nos deixou em paz com nós próprios mais do que ninguém», suspira Roddy Bottum. e completa: «A editora estava preocupada com o que íamos fazer, mas esconderam-no de nós». Gould acrescenta: «Anteriormente, sempre nos mantivemos juntos porque estávamos totalmente falidos e ‘precisávamos de lançar outro álbum para fazer dinheiro’. Quando já não necessitas desse incentivo, percebe-se que há ali uma química, porque se ganha sempre alguma outra coisa com isso». Aquilo a que os músicos se pretendem referir é às expectativas de editora, imprensa e fãs acerca da estética que estaria vincada no disco. Como admite Gould: «Estávamos fartos de fazer essas cenas antigas. Andámos em digressão durante os últimos dois anos para saber bem que não queríamos isso». Roddy finaliza, lapidar: «Todos sabíamos especificamente o que queríamos evitar – toda a coisa do Funk Metal»!
De repente, no álbum de ’92, havia canções que soavam como se fossem a banda sonora de séries policiais sleazy dos anos 70 e canções que podiam esfolar um mastim, Mike Patton estava também mais envolvido neste disco, depois de ter surgido apenas como o tipo para cantar as malhas do estrondoso sucesso que foi “The Real Thing”. Além das vozes e input criativo nos arranjos, também foi Patton a foenecer a quase totalidade das letras do álbum. Outro ego a somar ao constante choque de cabeças da banda e à fricção que fazia tudo funcionar. «Passamos por um grande trauma duas vezes por semana! A capa do álbum foi só mais um», resmungava Bill.
De qualquer forma, no que respeitou às letras a banda deixou Patton «praticamente por conta dele. Esse é o seu trabalho na banda. Todos têm o seu contributo e as palavras são dele», dizia Roddy. E se Bill pouco se importava com aquilo que pudesse estar escrito, o teclista prestava maior atenção: «Importo-me com o que ele canta, desta vez ele vai ser, provavelmente, alvo de muitas críticas. Ele vai ofender muita gente e acho isso óptimo. Ele gosta de retratar personagens nas suas canções. Há uma canção [“RV”] sobre um tipo white trash, daqueles parques de autocaravanas, que é realmente repulsiva. Mas esse é um óptimo ângulo a seguir. Se os cantores quiserem fazer algo assim, então devem ser capazes de o fazer, da mesma forma que os actores que assumem papéis realmente sleazy estão-se borrifando para isso…» Como aqueles actores que assumem papéis de abusadores de crianças, de pedófilos. «Um cantor é o mesmo que um actor. As pessoas não devem levar tão a sério o que os cantores dizem. É apenas bom levar as coisas até aos extremos», confessava Roddy sobre o sentido provocatório e catártico que a arte pode ter. E por falar em provocatório, uma das canções que mais celeuma criou teve a letra escrita por Roddy, ainda que Patton possa ter sido o alvo da fúria crítica: “Be Aggressive” versava sobre felácios e sobre engolir «provavelmente de joelhos», dizia o teclista. Em ’92, isto foi qualquer coisa…
Aqui não se tratava sequer de ofender ninguém, apenas de experimentar personagens diferentes e de ser desafiador. De provocar o ouvinte. Hoje as coisas vão melhorando, com progressos e retrocessos. Determinar comportamentos não compete à arte ou à música. Como dizia Gould: «As personagens podem ser ofensivas para as pessoas, mas o entretenimento como meio não pode ser errado ou certo, apenas ofensivo ou inofensivo». De resto, a canção foi motivo de conflitos no seio da banda. O tema avançou por votação democrática, depois de os músicos terem descoberto que tinham andado a queixar-se uns aos outros, como sempre fizeram. Ainda assim este álbum aumentou mais a tensão no seio da banda. Mas seria especular dizer que foi por esta canção que “Angel Dust” foi o álbum final de Jim Martin com os Faith No More.
O guitarrista sempre preferiu trabalhar reclusivamente. Sentindo-se desconfortável a ensaiar, preferia ter uma fita do produto final e tocar por cima dela em casa. O problema é que visualiza tudo, além das guitarras, quando escreve os temas e depois aquilo que recebe é diferente da sua percepção. Não estando presente desde o primeiro momento e sem que os colegas tenham a capacidade de lhe ler a mente, as coisas demoravam algum tempo a ir ao sítio. De qualquer forma, Martin sempre foi, com todo o respeito, algo resmungão. E é ele que refere que, fazer “Angel Dust”, foi «uma experiência desagradável desde o início! Tem sido muito desagradável, mas não muito diferente das minhas experiências anteriores de fazer discos com Faith No More. Tem sido sempre uma experiência muito desagradável – muita gente esforçar-se para que os outros estejam do seu lado em joguinhos idiotas, para criar cortinas de fumo. É muito difícil explicar tudo isto num curto espaço de tempo. Há certas coisas com que certas pessoas se preocupam em certos momentos, e certas outras pessoas optam por aliemntar isso para aumentar a tensão de uma dada situação, até que tudo esteja fora de controlo».
Não trabalhar em proximidade com a banda é uma opção estranha (em estúdio é diferente, Martin cumpria escrupulosamente os horários de trabalho). O guitarrista defende-se com desconforto logístico. «Tenho de conduzir durante muito tempo [na viagem para o local de ensaios] e chego lá e tocamos qualquer coisa e, de repente, alguém decide que quer ir embora! Ou alguém decide que não está a ter um bom dia e não está para ensaiar e eu conduzi até lá para isso. Já não sou muito agradável, isso ainda piora as coisas», confessava Martin antes de assumir a ofensiva: «Enquanto houver pessoas destas por perto, é assim que as coisas são. Algumas pessoas são uns fedelhos nojentos, com pais ricos, que receberam tudo numa bandeja de ouro. Lá está – os homens, por vezes, agem como crianças mimadas e isto é uma indústria e um trabalho que encoraja e permite esse tipo de comportamento».
Talvez os Faith No More se odiassem uns aos outros, mas dessa fricção resultou poeira de anjos…
Um pensamento sobre “Faith No More, A Poeira dos Anjos”