Ghost

Ghost, Meliora

O trabalho com um produtor surpreendente e a mistura com um dos mais importantes engenheiros da história do rock. As infames Gibson RD e as resoluções do Concílio de “Meliora”, terceiro álbum dos Ghost, segundo Tobias Forge.

Originalmente editado a 21 de Agosto de 2015, o terceiro álbum dos Ghost não apresenta mudanças radicais na sonoridade da banda. Mas tem algo mais que os seus antecessores. “Meliora” extrai o seu título ao termo latino “melhorar”. Assim que estamos a meio de “Spirit”, tema que abre o disco, sentimos que tudo é maior. Ou melhor. Melhor som, melhores estruturas, melhores melodias, melhor dinâmica. Uma das razões para isso estará nos nomes que a banda procurou para trabalhar consigo…

Klas Åhlund construiu uma reputação inatacável junto de estrelas pop como Robyn, Tove Lo e mesmo super estrelas como Madonna, Katy Perry, Kylie Minogue ou, imagine-se, Britney Spears. Sendo uma banda rock «com sensibilidade pop», os Ghost escolheram o enigmático produtor sueco para comandar “Meliora”. A ele juntou-se outra estrela da indústria. Andy Wallace misturou, gravou ou produziu, uma incontável lista de grandes discos rock nas últimas três décadas. Para simplificar, bastará dizer que o seu nome surge nos créditos de “Reign In Blood” (Slayer), “Nevermind” (Nirvana), “Roots” (Sepultura) ou “Grace” (Jeff Buckley).

Numa conversa com Tobias Forge, recordamos os apectos principais sobre as gravações do álbum, os métodos de trabalho dos Ghost e o ambiente em estúdio. Na altura, ainda se destacavam na sonoridade dos suecos as infames Gibson RD. Na altura, ainda reinava como Sumo Pontífice o Papa Emeritus III.

Há muito poucas bandas na história do rock que tenham sido capazes de estar a fazer uma jam e isso soar, realmente, muito bem. É muito difícil, particularmente com seis membros, ter toda a gente a seguir na direcção certa.

Tobias Forge

Depois de terem gravado o álbum anterior em Nashville, de todos os sítios, onde gravaram desta vez?
O disco começou com três meses de pré-produção, em Estocolmo. Num estúdio pequeno, com pouca gente, onde se pode trabalhar mais livremente e durante mais tempo, sem surgir qualquer preocupação com custos. Depois desse trabalho é que começámos a gravar, efectivamente, o som que iria ficar no disco. Fomos para Los Angeles, onde gravámos as baterias. Regressámos a Estocolmo para gravar os restantes instrumentos, no estúdio do Benny Anderson. No final, o Papa Emeritus III gravou as vozes em Los Angeles. Andámos, um pouco, de um lado para o outro, entre a Suécia e a América.

Há diferenças significativas de trabalho nestes locais?
Gravar na América é sempre diferente. Temos bons estúdios na Suécia, mas são poucos. Os estúdios grandes ou estão a fechar portas, ou não são usados com a frequência que acontece com os americanos. Em Los Angeles ainda existem muitos dos grandes estúdios, com vários complexos de gravação, que estão sempre com a agenda completamente preenchida. Há muita gente a trabalhar neles, muitos estagiários, muitos técnicos. Recebes um tratamento um pouco mais… Bom, creio que mais rockstar [risos].

As diferenças são mais “ambientais” que técnicas…
Na Suécia tens uma pessoa a trabalhar no estúdio e não há um estafeta que vai buscar batidos para a banda. Mas o engenheiro de som que escolhemos veio também gravar na Suécia, não tinha o seu “escravo de estúdio”, mas em termos técnicos não há diferenças significativas. Usufruo de qualquer modo. Foi bom gravar em Estocolmo, pois o estúdio possui algo tão incomum como janelas! Estávamos a gravar em Janeiro e com uma vista para uma paisagem completamente nevada. É deslumbrante.

Muita gente poderá ter sido surpreendida por descobrir que o Klas Åhlund trabalha, principalmente, com estrelas pop. Como o escolheram para produtor?
Quando estávamos ainda a discutir que produtores poderiam pegar no “Infestissumam”, ele era um dos nomes que queríamos. Mas, nessa altura, não sentimos uma “ligação” com ele. Sentimo-lo um pouco distante de nós. Quando iniciámos a mesma discussão para este álbum, decidimos que o queríamos mesmo e a história foi algo como: ele e a sua banda, os Teddy Bears, também estão na Universal Music sueca; acontece que numa reunião falaram bastante sobre nós e são fãs dos Ghost. Acabei por me encontrar com o vocalista deles, numa festa, e percebi que conheciam, de facto, a banda e esse é um bom começo [risos]. Então contactámos o Klas, através do seu agenciamento, e revelámos que estávamos mesmo interessados em trabalhar com ele desta vez. Quando vais estar meses a trabalhar com alguém, não é algo que converses pelo telefone. Ele mostrou-se desde logo interessado em reunir-se connosco e até fazer algumas gravações como teste.

E fizeram essas demos?
Sim. Correu muito bem e entendemo-nos quase imediatamente. Será normal que, para muita gente no mundo do rock, o seu nome seja um pouco desconhecido, mas na Suécia ele é uma grande referência. Se trabalhas na indústria musical e moves-te por Estocolmo, particularmente na noite da cidade, sabes quem ele é, pois, a sua reputação precede-o. É daqueles produtores que não trabalha com toda a gente e a maioria dos artistas de topo deseja fazê-lo. Ele é aquele tipo de produtor meio demónio enigmático. Nós sempre sentimos que ele era, de alguma forma, um tipo do rock. É um produtor pop com uma sensibilidade rock, enquanto nós somos uma banda rock com uma sensibilidade pop. Tinha tudo para funcionar e, como suspeitávamos, ele é um virtuoso da guitarra e os seus ídolos são nomes como o Ritchie Blackmore e o Uli Jon Roth. No final, não é uma escolha tão estranha como se possa pensar.

Ele juntou-se logo aos Ghost naquelas primeiras sessões de pré-produção?
No passado, esse trabalho foi feito por mim e, eventualmente, por um ou dois dos outros membros da banda. Normalmente, não trabalhamos como uma orquestra de seis músicos nesse estágio. A pré-produção é um tempo em que estás no estúdio a gravar tudo e a regravar, e a regravar mais uma vez, ou a cortar uma canção ao meio e mudas tudo. Basicamente, é para composição também. Componho muito sozinho, em casa, mas é sempre bom gravar tudo e ver como funciona em estúdio. Na pré-produção é quando dissecas a canção. Por vezes sofre poucas alterações, mas também pode alterar-se radicalmente. Neste caso, a pré-produção foi feita pelo Klas, por mim e por outro dos membros da banda. Então trazes o resto da banda para fazer a sua parte.

É menos contra-producente?
Há muito poucas bandas na história do rock que tenham sido capazes de estar a fazer uma jam e isso soar, realmente, muito bem. É muito difícil, particularmente com seis membros, ter toda a gente a seguir na direcção certa. Preferimos sectorizar tudo e ter cada um dos membros a vir gravar e fazer sobressair a sua parte, ao invés de cada um querer fazer uma parte diferente.

Na mistura, os Ghost contaram com outro nome que fala por si. Pode ser atemorizador trabalhar com o Andy Wallace ou não?
Não, nada disso. Ele é o tipo mais porreiro que há. É muito paternalista, como um avô mesmo. E é muito curioso. Pensas isso, de facto, que ele é um profissional tal que te vai mandar dar uma volta e fazer ele tudo, mas na verdade possui uma mente bem aberta a novas ideias. Pergunta-te o que pensas e experimenta fazer isso, se as coisas resultarem admite sem rodeios que a tua ideia é melhor, «não sei no que estava a pensar»! É extremamente gratificante. Não admira que tenha tal reputação e tenha trabalhado em tantos discos tão bons. Dá prazer trabalhar com ele e gostaria de fazer um disco inteiro só com o Andy. Ele já deixou de produzir, mas passámos cerca de duas semanas juntos e falámos muito e talvez tenhamos, pelo menos, uma pequena hipótese de o sentar na cadeira de produtor num próximo trabalho. Pelo menos, esperamos que torne a misturar o próximo álbum.

Uma coisa quase tão característica como o visual dos Ghost são as Gibson RD. São modelos dos anos 70 ou novos modelos?
A preta e a branca são modelos recentes, de 2011, e estão ligeiramente modificados. Por exemplo, alteramos os pickups para unidades Seymour Duncan com coil split, para poder usar som single coil, e mudamos também os afinadores. Outro guitarrista arranjou um modelo vintage, aí de 1977, que é muito porreiro, mas… Custa-me estar a falar mal dos modelos de guitarra que usamos nos Ghost [risos]. Mas se conseguires uma original e a quiseres em condições, terás que alterar muitas coisas, afinal a sua fraca tecnologia foi uma das razões para nunca ter sido muito popular. É muito confortável e dá bom feeling a tocar, mas tem um som algo estranho. A uma original tens que remover todo o aparato da Moog e colocar-lhe humbuckers normais, pois os pickups activos que usava originalmente não são nada convenientes. Conseguirás um bom som, mas tens que investir nisso.

Texto e entrevista publicados originalmente no #46 da Arte Sonora. À época ainda não eram públicas quaisquer identidades dos Ghost e Tobias Forge começou por identificar-se como um Nameless Ghoul.

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