Bloody Kisses

Type O Negative, Bloody Kisses

Nunca antes houve nenhum álbum semelhante e só os seus sucessores o replicaram (e melhoraram) posteriormente. Uma deslumbrante fusão de doom, hardcore, goth rock e humor negro e controverso, “Bloody Kisses”, o terceiro álbum dos Type O Negative mudou a banda e o metal para sempre.

“Bloody Kisses”, o terceiro álbum dos norte-americanos Type O Negative, foi originalmente editado no dia 17 de Agosto de 1993. A forma absolutamente singular como a banda mistura elementos góticos, doom e heavy metal (e até uns pós de hardcore), junta com o seu humor negro e insinuações sexuais, destacou a sua música de modo inacessível a todos os que se seguiriam e destacou-a na cena musical na década de 90.

O “Bloody Kisses”, em particular, catapultou os Type O Negative no espaço mediático e ofereceu-lhes reconhecimento global, ao mesmo tempo que cimentou a sua reputação como um dos grandes pilares do gothic metal. Talvez não seja um álbum perfeito ou até o melhor da banda de Peter Steele & Co, mas tratou-se de um marco que definiu todo um género.

Na verdade, hoje em dia, o gothic metal tornou-se algo totalmente diferente e, de um modo geral, adquiriu um sentido pejorativo, indo pouco além de riffs mastigados e genéricos acoplados a melodias baratas de sintetização sobre as quais indivíduos vestidos, digamos, de modo pitoresco se contorcem entre a indiferença e o desespero melodramático. Mas em 1993, o “Bloody Kisses” reinventou totalmente os Type O Negative, misturando o peso de Sabbath, a densidade atmosférica dos Fields Of The Nephilim e o sentido directo (orelhudo) das malhas de Sisters Of Mercy. Os traços dos Carnivore (anterior projecto de Peter Steele) que se manifestam ainda no anterior “Slow, Deep and Hard” tornam-se meramente residuais.

Resistem ainda umas malhas punk hardcore, “Kill All the White People” e “We Hate Everyone”, mas na sua maior parte “Bloody Kisses” é o já referido e deslumbrante casamento entre doom metal sabbathiano e rock gótico, que é mais evidente em malhas “Blood and Fire” e “Set Me on Fire”, mas permeia todo o álbum, com a carga de sintetização proeminente em todos os momentos. O tema-título é uma suma perfeita do som que os Type O Negative viriam a incorporar a partir deste disco. Canções longas, expansivas e lentas que transbordam emoção e dramatismo.

No entanto, os verdadeiros destaques são as duas primeiras canções (deixando de lado os prelúdios e interlúdios), que se tornariam também dois dos maiores clássicos da banda: “Christian Woman” e “Black no. 1”. Esta foi mesmo o single de maior sucesso dos Type O Negative, a sua maior e mais reconhecida canção, tornando-os instantaneamente favoritos entre uma geração de miúdas adolescentes que, talvez, não tenham percebido de todo o sarcasmo que lhes era directamente dirigido.

A voz sensual e o magnetismo vampírico de Steele talvez demasiado forte para resistir e, como resultado, toda uma geração de palermas não percebeu que «Loving you was like loving the dead» era menos um sombrio dístico romântico e mais uma acusação do género, és péssimo no sexo! Aparentemente, «You can’t go out because your roots are showing / Dye ’em black» e os breves ad libs em que Josh Silver evoca o leitmotif da Família Addams não foram suficientemente óbvios para desvendar o apenas aparente hermetismo da canção.

De resto, “Bloody Kisses” suscitou controvérsia devido às suas letras explícitas e frequentemente provocadoras, que abordavam temas de sexualidade, religião e morte. A já referida “Christian Woman”, em particular, foi criticada pelo seu conteúdo sexual explícito e temas sacrílegos. Originalmente escrita pelos Seals & Crofts, banda de rock ligeiro dos anos setenta, “Summer Breeze” foi transformada pelos Type O Negative numa canção lânguida e sensual. A sua letra original remete para a despreocupada doçura estival: «See the paper layin’ in the sidewalk, a little music from the house next door / So I walked on up to the doorstep, through the screen and across the floor».

No entanto, foi gravada uma versão com as letras caracteristicamente explícitas dos Type O Negative, reescritas por Peter Steele para se adequarem à estética da banda. Nessa versão banida, Steele usava o seu típico humor contra o guitarrista da banda, por exemplo: «Kenny Hickey lying on the sidewalk, devil music from the house next door / So I step on over his vomit, through the screen and across the floor».

A ideia era publicar essa versão com o título “Summer Girl”, mas os Seals and Crofts consideraram que as novas letras eram indecorosas e então os Type O Negative e a Roadrunner decidiram seguir com a versão mais colada ao original. Podem ler mais sobre como a versão alterada por Peter Steele acabou banida de “Bloody Kisses”.

No final, todas estas controvérsia também contribuíram para chamar a atenção para a banda e o álbum, aumentando a sua notoriedade e sucesso crítico e comercial. Todavia, “Bloody Kisses” não é perfeito. Desde logo, tem uma quantidade considerável de fillers. Isto resultou que o vinil pareça menos consistente e a reedição em digipack (no mesmo ano) mais focada. Infelizmente, a reedição também removeu as duas malhas hardcore e no seu lugar surge o épico gótico “Suspended In Dusk”, que aproxima mais os Type O Negative do que fariam em “October Rust”. Nada como optarem pela reedição de 2009, a Top Shelf Editon, se não possuem nenhuma das outras.

No geral, a produção é algo peculiar, principalmente considerando tratar-se de um álbum de metal. As guitarras nem sempre estão no centro das atenções e há muitos momentos em que poderiam ter mais volume. Em retrospectiva, esse atenuar da parede de distorção parece permitir que surjam mais dinâmicas da sintetização, com o recurso a VSTs de órgãos de tubos e a coros a aumentar imenso as sombras da sonoridade geral. Já a bateria soa absolutamente maciça (ainda colada ao som quase industrial do álbum anterior) e é um autêntico canto do cisne de Sal Abruscato, que sairia para se concentrar nos Life Of Agony.

Em conclusão, “Bloody Kisses” é um álbum axiomático na discografia dos Type O Negative e no metal. Apresentou a mistura única da banda de elementos pesados e atmosféricos, combinados com a voz distinta de Peter Steele (que por esta altura se tornou no frontman mais carismático do underground) e as letras instigantes. O truque de ser levado pouco a sério talvez não tenha acertado todos os alvos, mas, pelo caminho, atingiu com toda a força aqueles que o entenderam de outra forma. E, no final, esse tornou-se o foco da banda de Brooklyn.

Um pensamento sobre “Type O Negative, Bloody Kisses

Leave a Reply