Indignu, adeus

Este “adeus” soa como o mais completo e maduro disco dos barcelenses até à data. O 5º álbum de Indignu marca a primeira edição do colectivo pela incontornável dunk!records (em parceria com a norte-americana A Thousand Arms)

Nascido em Barcelos em 2004, o coletivo indignu sempre experimentou diversas mutações estéticas e musicais, mas é em 2013 com a composição do álbum “Odyssea” que se definem as diretrizes sonoras pelas quais ainda se orientam. Apesar de mais circunscritos ao núcleo central no processo criativo, ao longo dos anos não se escusaram a desenvolver colaborações dentro e fora do universo musical, como são exemplo os trabalhos com Valter Hugo Mãe, Manel Cruz, Ana Deus, com o cinematógrafo egípcio Omar Abou Doma ou com artista plástico Mário Vitória.

Depois de fetus in fetuOdysseaOphelia e Umbra chegou, agora, adeus. A antecipar o LP, a banda disponibilizou o single “Urge decifrar no céu”; um tema onde se experimentam pelos limites do rock progressivo, inspirando e expirando ao ritmo de crescendos catárticos, melodias e distorções contrastantes numa viagem que foge aos lugares comuns do post rock. O single é acompanhado de um vídeo de Afonso Barros, realizador, que explora a universalidade da música de indignu, num desafio inusitado, sensorial no qual uma série de pessoas é convidada a ouvir o tema no momento, sem qualquer ideia prévia do mesmo. O resultado é bem especial.

A banda concedeu-nos a honra de escrever as palavras de apresentação de “adeus” para a imprensa portuguesa, num texto que aqui partilhamos integralmente…

Provenientes de uma das nascentes de rock da mais fina estirpe do nosso país, os Indignu dão-nos o seu 5º álbum. Surgido na sequência de mudanças na sua formação e de um processo criativo que se alongou por três anos, escolhendo o Arda Recorders no Porto para o fazer, trabalhando com Ruca Lacerda (Mão Morta, Pluto) na gravação e mistura. A masterização esteve a cargo do islandês Birgir Jón Birgisson que já trabalhou com nomes como Bjork, Sigur Rós ou Spiritualized.

Para aqueles que necessitam de etiquetas e fronteiras intelectuais, seria simples referir o post rock e alguns dos seus sumos artífices. Para maior impacto mediático, seria óbvio referir colaborações com vultos como Ana Deus, Manel Cruz ou o escritor Valter Hugo Mãe. Todavia, ainda que valendo-se de toda esta abrangência e pertinência criativa, a sonoridade dos Indignu quebra muitos dos seus paradigmas, ouvindo-se bastante mais ampla, surpreendente e verdadeiramente sinestésica. Há neste disco a reinvenção contemporânea do fado, que nos foi oferecida pelos grandes Dead Combo, a fomentar nessa forma de sentir tão portuguesa, um adeus que contém a promessa de retorno, que fere o âmago e lhe dá esperança pelo reencontro, um adeus que sabe a saudade.

Um post-fado, para usar um palavrão, num disco sem palavras ditas, mas que as deixa intuídas. Uma acima de todas: “adeus”. Essa palavra que encerra tantos significados e tem tantas formas de ser dita, é sintetizada num disco magnífico da música moderna portuguesa. Não chega a ser um religioso «a Deus», mas a sua escuta eleva-nos o espírito. Não é um adeus violento, ainda que encerre alguma agressividade visceral e momentos de um peso sufocante (“Devolução Da Essência Do Ser”), mas sente-se, por vezes, dolorosamente definitivo.

É assim que “Nocturna”, em primeiro lugar, nos acolhe na contemplação de um cisma. Do quão tamanha é a dor não cantada e imensos os mitos não escritos. Porque o ser humano é habitado por dores sem eco, por heróis não aclamados para os quais o único prémio é a sua dor não imortalizada. O herói anónimo permanece abandonado pelos poetas. Eis a interjeição Pessoana: «Ó  mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal!»

Nesse estoicismo tão próprio da “portugalidade”, os Indignu refundam-se como entidade e como ensemble. “adeus” é uma narrativa de despedida e simultaneamente de restauração. Assim que surgem as amplas veredas sintetizadas de “Nocturna”, com as suas gigantes baterias a ressoar na textura etérea, sente-se no âmago que a riqueza musical hiperabunda nesta mensagem instrumental. Vamos senti-la no inesperado surgimento dos delays e do vibrato de David Gilmour, nesse tema de proporções épicas que é a “Devolução Da Essência Do Ser”; no romantismo dos pianos de “Em Qualquer Entranha” (o interlúdio do disco) ou no elegante cruzamento das cordas com o combo de instrumentação rocker, em “Urge Decifrar No Céu”.

E o disco encerra com o maior exemplo da sofisticação dos Indignu, um legado do fino recorte orquestral de Rodrigo Leão, na forma como exploram as dinâmicas do silêncio e desconstroem os compassos de “Sempre Que A Partida Vier” e como aí intrometem, uma vez mais, o inesperado exotismo. No final, “adeus” possui essa rara qualidade dos trabalhos instrumentais que não pretendem evitar as palavras mas fomentá-las, num espaço de introspecção.

Um pensamento sobre “Indignu, adeus

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